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Revitalização de bacias hidrográficas, artigo de Osvaldo Ferreira Valente
15/08/2007
A polêmica sobre a transposição do rio São Francisco tem colocado em evidência a palavra revitalização. Fala-se muito na necessidade de revitalizar, preservar e conservar bacias hidrográficas, mas os conceitos não estão muito claros na cabeça dos especialistas de ocasião, ou de algumas pessoas que têm a mania de falar sobre tudo, mesmo sem conhecimento de causa. Por isso o assunto está sendo muito mal explorado, com manifestações repetitivas e cansativas para a população que não vê nada além de muita conversa fiada. Ministros viram especialistas da noite para o dia e passam a dar lições de incompetência técnica, camufladas pela arrogância da autoridade momentânea.
Já tenho insistido, em outros artigos, que revitalizar bacias hidrográficas é operação que deve levar em consideração três ações básicas: conservar lençóis e nascentes, usar racionalmente a água produzida pelos lençóis e pelas nascentes e despoluir os córregos e os rios gerados. Conservar lençóis e nascentes é a ação fundamental, pois só daí pode vir a garantia de fornecimento de água nas épocas de estiagem e a minimização de cheias e inundações nas épocas de chuva. O uso racional é para evitar os desperdícios, comuns nos dias atuais, e diminuir os prejuízos causados à qualidade natural da água. Despoluir é a tarefa de corrigir a queda da qualidade natural da água, quando o uso causar alterações inevitáveis.
Apesar de vermos as atenções concentradas na despoluição e no uso racional, quando o assunto é revitalização, a realidade hidrológica não deixa dúvidas sobre a prevalência que deve ter a conservação de lençóis e nascentes. Os lençóis d’água são fantásticos reservatórios subterrâneos, naturais, responsáveis pela retenção temporária da água de chuva e pela sua liberação paulatina aos cursos d`água, através das nascentes. Se eles não existissem e não fossem devidamente abastecidos todos os anos, com boa parte das águas de chuva, estas seriam drenadas rapidamente pelas superfícies, causando fortes inundações, e os córregos, riachos e rios seriam todos temporários, ou seja, correriam após as chuvas e ficariam completamente secos nos períodos de estiagem. As preocupações com o uso racional e a despoluição pressupõem, portanto, a prévia existência da água no espaço e no tempo.
Mas onde estão os lençóis e as nascentes em nossas bacias hidrográficas? Estão predominantemente (certamente mais de 85%) em propriedades rurais, que dividem as superfícies das bacias (exceção feita a grande parte da Região Amazônica). Apesar disso, e pela visão eminentemente urbana que temos da água, as propriedades rurais e seus donos ainda não são considerados parceiros prioritários nos planos de conservação de recursos hídricos. Precisam, urgentemente, de apoio técnico e financeiro para receberem e processarem adequadamente as enormes quantidades de águas de chuva que chegam anualmente em suas terras (cada hectare em região com 1.200 milímetros de chuva por ano, por exemplo, recebe 12 milhões de litros d’água no mesmo período). Mas o que vemos hoje é somente o bombardeio de exigências legais e de soluções salvadoras como reflorestamentos ciliares e de topos de morros, terraceamentos, barraginhas e tantas outras. Nenhuma delas, por si só, será capaz de produzir todas as virtudes propaladas e esperadas. O manejo de bacias hidrográficas não pode ser samba de uma nota só, servindo apenas para massagear alguns egos. Cada situação tem seus caprichos hidrológicos que precisam ser avaliados antes de quaisquer medidas de conservação, exigindo que os produtores sejam ajudados dentro das características de seus variados ecossistemas.
Os sindicatos rurais e as federações precisam lutar para “inserir efetivamente” os produtores rurais na conservação dos recursos hídricos presentes em seus domínios. Vejo sempre, por exemplo, a informação de que o governo federal já reservou 500 milhões para obras de revitalização do São Francisco. Que os governos de Minas Gerais e Espírito Santo também já prometeram bons recursos para a bacia do Rio Doce. Por que os produtores dessas bacias não partem logo para gerar bons projetos em busca de parte de tais recursos? Projetos que respeitem os fundamentos hidrológicos de pequenas bacias, as especificidades dos ecossistemas e as condições socioeconômicas dos produtores. Se ficarem esperando que instituições e empresas públicas tomem as iniciativas, os tais recursos serão todos consumidos por entidades ligadas à despoluição, nos movimentos de mobilização, nas atividades de educação ambiental que só falam na “importância de fazer” e nunca no “como fazer” e nos “famosos reflorestamentos ciliares” que povoam os sonhos dos ambientalistas.
Com a palavra as federações e os respectivos sindicatos rurais que estão presentes em todas as nossas bacias hidrográficas.
OSVALDO FERREIRA VALENTE
Professor titular aposentado da UFV; Especialista
em hidrologia e manejo de bacias hidrográficas e
autor do livro “Conservação de Nascentes- Hidrologia
e Manejo de Bacias Hidrográficas de Cabeceiras”