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Pesca é proibida nos rios São Francisco e das Velhas
Contaminação: Fiscalização do IEF e Polícia Militar de Meio Ambiente será intensificada, para evitar o consumo de peixes. Pescadores vão receber auxílio mensal de um salário mínimo.
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Glória Tupinambás e Paulo Henrique Lobato
18/10/2007
Rio da Velhas poluído - Imagem do Google
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Estado de Minas
] Pela primeira vez na história de Minas Gerais, a pesca nos rios das Velhas e São Francisco será proibida, devido à contaminação das águas, que põe em risco a saúde da população de cerca de 60 cidades das regiões Central e Norte do estado. Nesta quinta-feira, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) deve publicar no Minas Gerais uma portaria que impede a atividade por causa da alta concentração de cianobactérias (algas azuis) até 1º de novembro, quando começa a piracema. Um alerta também será divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde para que o uso da água e o consumo de pescado sejam evitados em todos os municípios nos quais testes de qualidade apontam um quadro crítico.
Segundo o gerente de Fauna Aquática e Pesca do IEF, Marcelo Coutinho Amarante, a proibição da pesca vai valer para um trecho de 200 quilômetros do Rio das Velhas, entre Jequitibá, na Região Central, e Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma, no Norte. No São Francisco, a restrição será entre Barra do Guaicuí e a cidade de Manga, também no Norte de Minas, numa extensão de 428 quilômetros. “Vamos intensificar a fiscalização feita pelo IEF e pela Polícia Militar de Meio Ambiente. No Velhas, a pesca profissional já era proibida, mas era liberada a de subsistência e amadora, e agora serão impedidas todas as modalidades. Essa é uma medida preventiva, pois há risco de contaminação pela toxina liberada pela cianobactéria, apesar de ainda não haver notificação formal de nenhum caso”, disse Marcelo Amarante.
Em 1º de novembro, quando vence o prazo de validade da portaria, todos os trechos serão reavaliados pela Copasa. Se os níveis de contaminação das águas permanecerem acima do aceitável pelo Ministério da Saúde, a proibição da pesca será estendida. Caso contrário, passarão a valer as regras da piracema, que restringe a quantidade e o tamanho dos peixes retirados dos rios até 28 de fevereiro do ano que vem, pois nesse período as espécies sobem até a cabeceira para reproduzir. Para avaliar a presença da toxina nos peixes, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) vai enviar, nos próximos dias, amostras ao laboratório da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Testes
O acompanhamento semanal da qualidade das águas nos rios das Velhas e São Francisco vai contar, a partir desta semana, com um novo ponto de coleta: entre Lagoa Santa e Jequitibá, na Região Central. “O Ministério da Saúde considera aceitável a concentração de um micrograma de cianobactéria por litro de água tratada. O último exame apontou níveis abaixo do estipulado nos rios Doce, das Velhas e São Francisco, mas está mantido o alerta, pois as algas azuis são muito sensíveis e podem voltar com uma simples mudança no vento, na velocidade da água ou na temperatura”, explicou o biólogo da Copasa, Fernando Jardim. Segundo ele, o principal alerta é para que a população ribeirinha evite consumir água captada diretamente dos rios e pescados.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, o contato e a ingestão de toxinas liberadas pelas cianobactérias podem trazer complicações para o fígado e, dependendo do grau de contaminação da água, podem causar hepatite tóxica e câncer. Outros sintomas são inflamação nos seios da face e asma, irritação na pele, olhos, ouvidos, lábios e garganta, náuseas e vômitos. A toxina também pode afetar o sistema nervoso central, provocando dormência e formigamento das extremidades (pontas de dedo, nariz e orelhas), convulsão, paralisia muscular e, em casos extremos, até a morte.
Prejuízo para o comércio
Luiz Ribeiro
A suspensão da pesca vai atingir 4 mil pescadores. A estimativa é da Federação dos Pescadores de Minas Gerais (Fepesca). Segundo o presidente Raimundo Ferreira Marques, a entidade conta com a liberação do pagamento mensal de um salário mínimo para cada pescador, pelo governo federal, para amenizar o impacto da proibição. Os recursos serão liberados depois da publicação da portaria do IEF no Diário Oficial.
A situação é mais séria em Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma, a 300 quilômetros da capital. É ali o ponto do Rio das Velhas em que foi verificada a maior concentração das algas. Segundo análise do Serviço de Água e Esgoto (SAAE) de Pirapora, a contaminação neste trecho está 130 vezes acima do índice recomendado pelo Ministério da Saúde. Desde a semana passada, a captação de água no rio foi suspensa, com os 4 mil moradores consumindo água de um poço tubular. Os 120 pescadores do lugarejo estão parados. A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) mantém o envio de cestas básicas à comunidade.
“O que está acontecendo é uma verdadeira catástrofe. Realmente, a situação está muito difícil”, lamenta um dos pescadores de Guaicuí, Flávio Rodrigues Soares, de 60 anos. Pai de cinco filhos, ele conta que, em anos anteriores, assistiu a redução do volume do Velhas no período da seca. “Mas, a água ficava limpa. Agora, ela está verde, misturada com uma substância que parece serragem”, observa.
Outro pescador, Noelisson Lopes de Oliveira, de 23, denuncia que a mortandade de peixes também aumentou. “Morre de todo tipo: dourado, curimatã, até mesmo as piranhas, que são mais resistentes, são vítimas. As garças estão fazendo a farra. Daqui a pouco, vai aparecer até urubu”, diz. A suspensão da pesca acarretou prejuízos para o comerciante Jean Gonçalves Lima, que vende gelo, usado na conservação dos pescados, em Barra do Guaicuí.
“Minhas vendas caíram 70%”, reclama Jean. Outro que lamenta é Leonardo da Piedade Diniz Filho, o “Léo do Peixe”, que tem uma banca de peixes em Pirapora (a 16 quilômetros do ponto em que o Rio das Velhas deságua no São Francisco). “Desde a notícia da contaminação o consumo de peixes caiu de forma absurda”, afirma. Ele protesta contra o atraso na revitalização do Rio das Velhas e desabafa: “Nós aqui é que pagamos o pato por causa da poluição. Aquelas pessoas lá na origem, que sujam o rio, nem sabem o quanto a gente sofre”.
O experiente pescador Gregório Antônio Fonseca, de 70 anos, dos quais quase 60 no Velho Chico, ficou desolado ao saber da interrupção repentina da pesca devido às cianobactérias. “Antigamente, o rio tinha um grande volume de água e peixes com fartura. Agora, a água diminuiu e não tem nem a metade da quantidade de pescados que a gente via antes”, disse. Pai de três filhos, ele ganhava em torno de R$ 300 por mês com a atividade.
Polêmica sobre o esgoto
Tiago Severino / Especial para o EM
Análises da Feam comprovaram uma alta concentração de cianobactérias nas águas
A multiplicação de cianobactérias nos rios das Velhas, São Francisco e Doce é provocada, segundo o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (igam), pela alta concentração de matéria orgânica (esgoto), baixa vazão do rio devido à estiagem prolongada e aumento da temperatura nos últimos dias. “Como é pequeno o volume de águas nos rios, elevou-se a concentração de nutrientes e as algas se reproduzem mais”, disse a coordenadora do projeto Águas de Minas do Igam, Wanderlene Nassif.
No entanto, o superintendente de Serviços e Tratamento de Afluentes da Copasa, Ronaldo Matias de Sousa, descarta a possibilidade de o esgoto produzido pelos moradores de Belo Horizonte e não tratado ter favorecido a proliferação das algas azuis. Ele justifica que o Rio das Velhas, um dos principais afluentes do São Francisco, tem grande poder de autodepuração. Acrescenta que o fenômeno notado nas águas do Norte de Minas ocorre a vários quilômetros da capital. “Há alguns anos, quando BH não tinha tratamento de esgoto, o fenômeno nunca ocorreu. Agora, que temos um excelente tratamento, está ocorrendo há quilômetros daqui. Isso comprova que não é o esgoto da capital que está beneficiando a cianobactéria”, diz o especialista. Ele lembra que a capital tem quatro estações de tratamento de esgoto (ETEs) e que essas unidades fazem o mesmo processo de autodepuração do rio, mas numa velocidade bem maior.
Na avaliação do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa, o esgoto despejado na Região Metropolitana de BH, o trecho mais poluído do Velhas, compromete a qualidade da água em toda a extensão do rio. “Na semana passada, sobrevoei toda a região, até Várzea da Palma. O rio está coberto por um tapete verde, uma cena horrível. A população ribeirinha, que estava eufórica com a volta dos peixes, está assustada e sem entender o fenômeno. Essa medida de proibir a pesca é uma violência contra o pescador, pois leva a um corte de relações entre o homem e o rio”, declarou Apolo.
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) matérias do jornal Estado de Minas - 17/10/2007
Enviadas por William Rosa Alves, leitor e colaborador do EcoDebate