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Desmatamento e poluição deixam leito do Rio São Francisco assoreado
Publicado em
23/07/2018 00h00
Atualizado em
09/11/2021 10h28
Do Alto São Francisco, em Minas, ao nordeste, passando por Sobradinho, efeito do desmatamento e da poluição é visível no leito assoreado, onde bancos de sujeira se multiplicam e a vida definha
Mateus Pereira
02/06/2015
Abaeté, Barra (BA), Felixlândia, Paraopeba, Pompéu, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias – A visão do Rio São Francisco se abrindo em águas escuras diante da proa do barco, até onde o olho alcança, é um alívio para o pescador Norberto dos Santos, de 65 anos. Minutos antes, ele percorria, com as narinas ardendo, as águas malcheirosas e turvas do Córrego Barreiro Grande, afluente do Velho Chico, para mostrar o lixo e o esgoto que descem sem tratamento pela correnteza, gerados pelos 30.600 habitantes da cidade de Três Marias. Como é um dos mais experientes navegadores da região, o pescador conhece atalhos no rio e pilota em uma área por onde despontam da água folhagens e aguapés. Em uma das manobras, porém, o barco para, em um tranco. Confuso, depois chateado, o pescador constata que o acúmulo de lixo, e sedimentos criou mais uma ilha de detritos no meio do curso d’água e fez a “voadeira” encalhar. Uma situação que se repete em diversos trechos, sobretudo no Alto Rio São Francisco, onde pesquisa inédita encomendada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) mostra que quase 60% da cobertura vegetal foi removida, permitindo que os sedimentos do solo desprotegido sejam levados pela chuva para dentro da calha.
O assoreamento reduz ainda mais o volume de águas disponíveis para o rio como um todo e, de acordo com o comitê, teve impacto ainda maior com a redução dos reservatórios de Três Marias e Sobradinho (BA). No lago do interior da Bahia, o recuo de mais de 5 quilômetros das águas expôs as ruínas da antiga Remanso, inundada em 1974. Da cidade de que se despediram os compositores Sá e Guarabyra na música Sobradinho (“Adeus, Remanso, Casa Nova, Sento-Sé, adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir”), ressurgiram no meio do sertão duas caixas d’água e estruturas de casas e edificações, denunciando a gravidade da estiagem. Em Três Marias, o aposentado Mahmud Lauar, de 80 anos, que se instalou às margens do lago no ano de sua criação, em 1958, diz nunca ter visto tão pouca água chegando à represa. “Os peixes estão acabando. Tem dias que só sobra para dar de comida à minha companheira de pescaria, esta garça, que chamo de Come Quieta”, afirma, indicando o pássaro.
O pescador Norberto é um dos mais antigos da colônia de Três Marias e, por conhecer o São Francisco há 54 anos, transformou-se em um dos embaixadores do rio em congressos no exterior. Suas palavras mostram um drama vivido em várias partes do Velho Chico. “A culpa não é só da poluição. O desmatamento das barrancas, das matas ciliares e das florestas também vai acabar com o rio, porque a chuva traz esse sedimento todo para cá. O rio está ficando raso e cheio de bancos de sujeira, pneus e terra”, lamenta. De acordo com estudo da Nemus Consultoria, que atualiza o Plano de Recursos Hídricos do Velho Chico, 59% das áreas vegetais nativas do Alto São Francisco (da nascente até Três Marias) já foram devastadas. “O desmatamento (em toda a bacia) cresce a cada dia e está em mais de 47%, sendo que a região do Baixo São Francisco aparece como a área mais desmatada”, afirmou o mestre em geografia agrária Sílvio Machado, na apresentação dos dados.
A impressão de Norberto, que muitos apelidaram carinhosamente de “Velho do Rio”, ganha amparo na visão de especialistas. “Boa parte do desmatamento se deveu ao ciclo do carvão. Cortaram-se as matas para se obter carvão para a produção de ferro-gusa nas siderúrgicas de Sete Lagoas e região. Hoje, o efeito disso é a abertura de espaços para a criação de gado e a expansão do eucalipto”, afirma o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios (LGAR) do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ricardo Mota Pinto Coelho. “O solo desprotegido, desmatado, desaba na beira do rio ou é levado pelas enxurradas para dentro do São Francisco. Assim ocorre o assoreamento”, reforça.
O pescador Norberto é um dos mais antigos da colônia de Três Marias e, por conhecer o São Francisco há 54 anos, transformou-se em um dos embaixadores do rio em congressos no exterior. Suas palavras mostram um drama vivido em várias partes do Velho Chico. “A culpa não é só da poluição. O desmatamento das barrancas, das matas ciliares e das florestas também vai acabar com o rio, porque a chuva traz esse sedimento todo para cá. O rio está ficando raso e cheio de bancos de sujeira, pneus e terra”, lamenta. De acordo com estudo da Nemus Consultoria, que atualiza o Plano de Recursos Hídricos do Velho Chico, 59% das áreas vegetais nativas do Alto São Francisco (da nascente até Três Marias) já foram devastadas. “O desmatamento (em toda a bacia) cresce a cada dia e está em mais de 47%, sendo que a região do Baixo São Francisco aparece como a área mais desmatada”, afirmou o mestre em geografia agrária Sílvio Machado, na apresentação dos dados.
A impressão de Norberto, que muitos apelidaram carinhosamente de “Velho do Rio”, ganha amparo na visão de especialistas. “Boa parte do desmatamento se deveu ao ciclo do carvão. Cortaram-se as matas para se obter carvão para a produção de ferro-gusa nas siderúrgicas de Sete Lagoas e região. Hoje, o efeito disso é a abertura de espaços para a criação de gado e a expansão do eucalipto”, afirma o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios (LGAR) do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ricardo Mota Pinto Coelho. “O solo desprotegido, desmatado, desaba na beira do rio ou é levado pelas enxurradas para dentro do São Francisco. Assim ocorre o assoreamento”, reforça.
CORTINA VERDE Para encontrar essas clareiras abertas na vegetação nativa é preciso conhecer as técnicas dos desmatadores. Observando as imagens de satélite com auxílio de especialistas, o Estado de Minas identificou vários pontos de corte. A tática consiste em abrir uma trilha mata adentro e iniciar a derrubada de árvores sempre deixando uma camada externa de vegetação, para dificultar que a fiscalização encontre o desmatamento.
Protegido por esse tipo de cortina verde, a equipe do EM encontrou um grande ponto de corte de espécimes nativas no município de Paraopeba, no Alto São Francisco, a apenas 10 quilômetros da BR-040 (BH–Brasília). Depois de passar por uma sequência de fazendas e roças, chega-se ao local, uma clareira de 6 hectares – equivalente a seis campos de futebol – aberta para servir de pastagem ao gado depois que a madeira foi removida. De acordo com os trabalhadores rurais que pastoreavam no local, o cerrado derrubado virou carvão há dois anos. A passagem para a clareira é por um represamento feito em um córrego. As águas do manancial recebem todos os sedimentos carreados pelas chuvas na área descoberta de mata, chegando inevitavelmente à Bacia do Rio São Francisco.
A devastação é observada em vários outros pontos ao longo da bacia, como em Abaeté, Pompéu, São Gonçalo do Abaeté e Felixlândia, mas também no Médio São Francisco, entre Minas e a Bahia. “Com o desmoronamento das barrancas, percebemos que o rio se torna mais largo e menos profundo. Seria necessário um programa extenso de reflorestamento, que deveria ocorrer dentro do programa de revitalização do Rio São Francisco, que o governo federal praticamente abandonou”, afirma o bispo de Barra, na Bahia, frei Luiz Cappio. No próprio município baiano, essa devastação é nítida. Tanto que, no antigo porto para as balsas que são a única forma de travessia para carros na região, o desmoronamento destruiu as rampas de concreto e ameaça as linhas de transmissão de energia elétrica.
Protegido por esse tipo de cortina verde, a equipe do EM encontrou um grande ponto de corte de espécimes nativas no município de Paraopeba, no Alto São Francisco, a apenas 10 quilômetros da BR-040 (BH–Brasília). Depois de passar por uma sequência de fazendas e roças, chega-se ao local, uma clareira de 6 hectares – equivalente a seis campos de futebol – aberta para servir de pastagem ao gado depois que a madeira foi removida. De acordo com os trabalhadores rurais que pastoreavam no local, o cerrado derrubado virou carvão há dois anos. A passagem para a clareira é por um represamento feito em um córrego. As águas do manancial recebem todos os sedimentos carreados pelas chuvas na área descoberta de mata, chegando inevitavelmente à Bacia do Rio São Francisco.
A devastação é observada em vários outros pontos ao longo da bacia, como em Abaeté, Pompéu, São Gonçalo do Abaeté e Felixlândia, mas também no Médio São Francisco, entre Minas e a Bahia. “Com o desmoronamento das barrancas, percebemos que o rio se torna mais largo e menos profundo. Seria necessário um programa extenso de reflorestamento, que deveria ocorrer dentro do programa de revitalização do Rio São Francisco, que o governo federal praticamente abandonou”, afirma o bispo de Barra, na Bahia, frei Luiz Cappio. No próprio município baiano, essa devastação é nítida. Tanto que, no antigo porto para as balsas que são a única forma de travessia para carros na região, o desmoronamento destruiu as rampas de concreto e ameaça as linhas de transmissão de energia elétrica.