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Ambientalismo, tecnologia e revitalização da bacia do rio São Francisco, artigo de Osvaldo Ferreira Valente
Revitalização de bacias hidrográficas é assunto recorrente na mídia, com base, quase sempre, em inúmeras declarações, comentários e desavenças de autoridades relacionadas com a transposição das águas do rio São Francisco. É claro que a maioria dos rios brasileiros necessita da revitalização de suas bacias, mas a do São Francisco, por estar na ordem do dia, acaba encabeçando as discussões sobre o tema. E como a expressão é citada por leigos, especialistas e aficionados, acaba por não ter um conceito bem definido. Cada um “puxando a brasa para sua sardinha”.
Arrisco-me, para abrir uma discussão que venha por um pouco mais de ordem na casa, a dizer que revitalização de bacias deve estar concentrada em três ações básicas: 1) Conservação de lençóis e nascentes, para garantia de armazenamento de água na bacia, diminuição de enxurradas e maiores vazões de estiagem; 2) Tratamento de esgotos domésticos urbanos e rurais, uso adequado de resíduos das atividades agrícolas e controle de despejos industriais; e 3) Consumo racional da água produzida. Todas as ações envolvem motivação e convencimento da comunidade e tecnologias apropriadas de conservação da bacia hidrográfica.
O ambientalismo, como movimento social, deve concentrar esforços na motivação e no convencimento das comunidades ou dos ecossistemas familiares presentes na bacia, facilitando a introdução das tecnologias necessárias. Mas deve parar por aí, pois se partir para a indicação de soluções para os problemas detectados ele pode provocar decepções futuras e criar resistências ao processo. Deve evitar, também, o apego ao uso da legislação como ferramenta principal de trabalho, pois ela é muito mais uma forma de pressão do que de convencimento. É claro que as leis têm de ser cumpridas, mas a citação, primeiro e constante de obrigações legais, principalmente no meio rural, mais atrapalha do que ajuda. Por exemplo, o produtor rural precisa ser convencido da importância da nascente para ele, como consumidor e componente da sociedade, e não atemorizado com o fato de que a água é um bem de domínio público, restando-lhe só a obrigação de protegê-la com o isolamento de faixas marginais de larguras previstas na legislação ambiental. Tal operação, mesmo se acrescida da proteção de topos de morros, outra exigência legal, não é suficiente para garantir o funcionamento otimizado do ecossistema hidrológico responsável pela formação e manutenção da nascente.
Depois de motivada, ou mesmo durante a motivação, a comunidade precisa ser capacitada e treinada para a aplicação de tecnologias apropriadas ao cumprimento das três ações básicas mencionadas acima. Apropriadas porque especificidades características de ecossistemas hidrológicos de bacias, como a do São Francisco, não permitem a adoção de receitas genéricas. Por isso deve-se ter muito cuidado, por exemplo, na introdução de práticas de conservação de solos, desenvolvidas basicamente para controle de erosões, como solução infalível para a conservação de suas nascentes. Elas podem atuar na melhoria da qualidade da água, mas não asseguram efeitos positivos no abastecimento de lençóis. Práticas de controle de erosão e de conservação de lençóis e nascentes são apenas parentes, cujos elos precisam ser hidrologicamente investigados. O mesmo acontece com as receitas de reflorestamentos para ambientes alterados, pois há sempre o risco de grandes aumentos de perdas por transpiração, se a implantação for espacialmente mal localizada. Das ações mencionadas, as de tratamento de resíduos, em suas diversas formas, são as mais beneficiadas atualmente com a aplicação de tecnologias apropriadas. Basta lembrar que nenhuma construção de estação de tratamento de esgotos é feita sem um projeto prévio, confeccionado por especialistas na área.
Infelizmente a parte fundamental da revitalização da bacia do São Francisco, que é a garantia de fornecimento de água bem distribuída no tempo e no espaço, pela conservação de suas milhares de nascentes, ainda está muito confusa e com pouca diferenciação entre preocupações ambientalistas e atitudes tecnológicas. E conservação de nascentes, por ter um forte componente científico e de inovação tecnológica, só poderá ser bem sucedida se os diversos atores envolvidos estiverem devidamente capacitados para tal.
OSVALDO FERREIRA VALENTE
Professor titular aposentado da UFV; Especialista
em hidrologia e manejo de bacias hidrográficas e
autor do livro “Conservação de Nascentes- Hidrologia
e Manejo de Bacias Hidrográficas de Cabeceiras”