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A PLANTA INTELIGENTE
Cientistas debatem um novo modo de entender a flora
MICHAEL POLLAN
Cientistas que pesquisam a “neurobiologia vegetal” sugerem que alguns comportamentos das plantas não podem ser explicados apenas por mecanismos genéticos e bioquímicos já conhecidos
ILUSTRAÇÃO: GRANDE ANGIOSPERMA SENSÍVEL _REPRODUÇÃO DO LIVRO THE TEMPLE OF FLORA , DE ROBERT THORNTON_1799_MUSEU DE BELAS ARTES DE BOSTON_COLEÇÃO GEORGE E ELITA DIKE_THE BRIDGEMAN ART LIBRARY
Em 1973, um livro afirmou que as plantas são seres sencientes que têm emoções, preferem música clássica a rock’n’roll e podem reagir a pensamentos não expressos verbalmente de seres humanos a centenas de quilômetros de distância. Entrou para a lista de best-sellers do New York Times, categoria de não ficção. A Vida Secreta das Plantas, de Peter Tompkins e Christopher Bird, apresentou uma fascinante miscelânea de ciência botânica autêntica, experimentos fajutos e culto místico da natureza que arrebatou a imaginação do público numa época em que o ideário new age começava a ser assimilado pela cultura dominante. As passagens mais memoráveis descreviam os experimentos de Cleve Backster, um ex-agente da CIA especialista em detectores de mentiras. Em 1966, porque lhe deu na veneta, Backster ligou um galvanômetro – um medidor de correntes elétricas – à folha de uma dracena plantada num vaso do seu escritório. Ficou pasmo ao constatar que, quando ele imaginava a dracena pegando fogo, a agulha do polígrafo se mexia, registrando um surto de atividade elétrica indicador de que a planta sentia estresse. “A planta poderia ter lido a mente dele?”, indagam os autores. “Backster teve vontade de sair pelas ruas gritando: ‘As plantas pensam!’”
Backster e seus colaboradores resolveram conectar polígrafos a dezenas de plantas: alfaces, cebolas, laranjas e bananas, entre outras. Ele relatou que as plantas reagiam aos pensamentos (bons ou maus) de humanos que estavam próximos e, no caso de pessoas com quem elas tinham mais familiaridade, a grandes distâncias também. Em um experimento concebido para testar a memória dos vegetais, Backster descobriu que uma planta que testemunhara o assassinato de outra (pisoteada) era capaz de identificar o assassino dentre seis suspeitos enfileirados, registrando um aumento da atividade elétrica quando punham o culpado diante dela. As plantas de Backster também demonstravam forte aversão à violência interespécies. Algumas ficavam tensas quando se quebrava um ovo diante delas ou quando camarões vivos eram jogados em água fervente, um experimento que Backster descreveu em 1968 no International Journal of Parapsychology.
Nos anos seguintes, vários botânicos sérios tentaram em vão reproduzir o “efeito Backster”. Boa parte da ciência em A Vida Secreta das Plantas caiu em descrédito. Mas o livro deixou sua marca na cultura. Americanos começaram a conversar com plantas e a tocar Mozart para elas, e sem dúvida muitos ainda o fazem. Isso pode parecer inofensivo; provavelmente sempre haverá uma veia sentimentalista a influenciar nosso modo de ver as plantas. (Dizem que Luther Burbank e George Washington Carver falavam com as plantas com as quais fizeram seu brilhante trabalho, e as ouviam também.) Mas na opinião de muitos botânicos, A Vida Secreta das Plantas causou danos duradouros a sua área de estudo. Segundo o biólogo Daniel Chamovitz, autor do livro recém-publicado What a Plant Knows [O que Sabe uma Planta], Tompkins e Bird foram responsáveis por emperrar “importantes pesquisas sobre o comportamento das plantas, pois os cientistas passaram a desconfiar de qualquer estudo que sugerisse paralelos entre sentidos dos animais e sentidos dos vegetais”. Outros argumentam que A Vida Secreta das Plantas introduziu a “autocensura” entre pesquisadores interessados em investigar as “possíveis homologias entre neurobiologia e fitobiologia”, ou seja, a possibilidade de as plantas serem muito mais inteligentes e parecidas conosco do que supõe a maioria das pessoas – dotadas de capacidades de cognição, comunicação, processamento de informações, computação, aprendizado e memória.
A citação sobre a autocensura está em um polêmico artigo de 2006 publicado na revista Trends in Plant Science, no qual os autores propuseram um novo campo de estudo e escolheram chamá-lo, talvez um tanto afoitamente, de “neurobiologia vegetal”. Os seis autores – entre eles o americano Eric D. Brenner, especialista em biologia molecular de plantas, o italiano Stefano Mancuso, fisiologista vegetal, o eslovaco František Baluška, biólogo celular, e a americana Elizabeth van Volkenburgh, bióloga botânica – afirmaram que os comportamentos complexos observados em plantas não podiam ser completamente explicados pelos mecanismos genéticos e bioquímicos então conhecidos. Os vegetais são capazes de sentir e reagir a tantas variáveis do ambiente – luz, água, gravidade, temperatura, estrutura do solo, nutrientes, toxinas, micróbios, herbívoros, sinais químicos de outras plantas – que talvez exista algum sistema de processamento de informação análogo ao cérebro para integrar os dados e coordenar a resposta comportamental de uma planta. Os autores salientaram que foram identificados em plantas sistemas elétricos e químicos sinalizadores, homólogos aos encontrados em sistemas nervosos de animais. Ressaltaram ainda que neurotransmissores como serotonina, dopamina e glutamato também foram encontrados, embora ainda não se tenha esclarecido o papel deles.
Viria daí a necessidade da neurobiologia vegetal, um novo campo “que visa entender como as plantas percebem suas circunstâncias e reagem de modo integrado a informações do ambiente”. Segundo o artigo, as plantas demonstram inteligência, definida como “uma capacidade intrínseca de processar informações de estímulos abióticos e bióticos que permite decisões ideais sobre atividades futuras em um dado meio”. Pouco antes da publicação do artigo, a Sociedade de Neurobiologia Vegetal realizou seu primeiro encontro, em 2005, em Florença. Uma nova revista científica, Plant Signaling & Behavior, foi lançada no ano seguinte.
Hoje, quando o assunto é botânica, dependendo do interlocutor, o campo da neurobiologia vegetal ou representa um novo paradigma radical em nosso entendimento da vida ou um escorregão de volta às turvas águas científicas revolvidas pela última vez em A Vida Secreta das Plantas. Para seus proponentes, não devemos mais considerar as plantas como objetos passivos – a mobília muda e imóvel do nosso mundo –, mas começar a tratá-las como protagonistas de seus próprios dramas, altamente especializadas em seus expedientes de disputa na natureza. Esses autores querem refutar o atual enfoque redutivo da biologia contemporânea sobre as células e os genes e voltar nossa atenção novamente para o organismo e seu comportamento no ambiente. Somente a arrogância humana e o fato de a vida das plantas acontecer em uma espécie de dimensão de tempo muito mais lenta nos impedem de valorizar-lhes a inteligência e o consequente sucesso. As plantas dominam cada ambiente terrestre e compõem 99% da biomassa do planeta. Em comparação, os seres humanos e todos os outros animais são, nas palavras de um estudioso da neurobiologia vegetal, “apenas traços”.
Muitos botânicos rechaçaram o nascente campo de estudo. Os primeiros foram 33 botânicos renomados (o italiano Amedeo Alpi e outros), que em resposta ao manifesto de Brenner publicaram uma carta azeda e depreciativa na revista Trends in Plant Science. “Para começar, queremos deixar bem claro que não há indícios de estruturas como neurônios, sinapses ou cérebro em plantas”, escreveram os autores. O manifesto não afirmara nada disso; falara apenas em estruturas “homólogas”, mas o uso do termo “neurobiologia” na ausência de neurônios de verdade aparentemente era mais do que muitos cientistas podiam tolerar.
“Sim, as plantas enviam sinais elétricos de curto e de longo prazos e usam certas substâncias análogas a neurotransmissores como sinais químicos. No entanto, os mecanismos são muito diferentes dos encontrados em verdadeiros sistemas nervosos”, explicou-me um dos signatários da carta de Alpi, Lincoln Taiz, professor emérito de fisiologia vegetal na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Para Taiz, os textos dos proponentes da neurobiologia vegetal pecam por “interpretação forçada de dados, teleologia, antropomorfização, filosofice e especulações mirabolantes”. Ele aposta que um dia os comportamentos das plantas que ainda não compreendemos serão explicados pelas ações de vias químicas ou elétricas, sem recurso ao “animismo”. Clifford Slayman, professor de fisiologia celular e molecular em Yale que também assinou a carta de Alpi (e que ajudou a desacreditar Tompkins e Bird), foi ainda mais contundente. “‘Inteligência das plantas’ é uma divagação idiota, não um novo paradigma”, escreveu em um e-mail recente. Slayman referiu-se à carta de Alpi como “o último confronto sério entre a comunidade científica e um bando de malucos em torno dessas questões”. Cientistas raramente usam esse tipo de linguagem quando falam de seus colegas a jornalistas, mas esse é um assunto que tira do sério, pois enevoa a nítida linha que separa o reino animal do reino vegetal. A controvérsia não é tanto sobre as notáveis descobertas da recente botânica, mas principalmente sobre como interpretá-las e nomeá-las: comportamentos observados em plantas muito parecidos com aprendizado, memória, tomada de decisão e inteligência merecem ser chamados por esses termos ou tais palavras devem ser reservadas a seres dotados de cérebro?
Nenhum dos cientistas com quem falei no grupo interdisciplinar que estuda a inteligência das plantas afirma que elas possuem capacidades telecinéticas ou sentem emoções. Tampouco alguém acredita que localizaremos nas plantas um órgão com feitio de noz que processa dados sensitivos e guia o comportamento vegetal. Mais provavelmente, na opinião dos cientistas, a inteligência das plantas assemelha-se à que vemos em colônias de insetos, uma inteligência que se supõe ser uma propriedade que emerge de numerosos indivíduos desprovidos de mente organizados em uma rede. Boa parte das pesquisas sobre inteligência das plantas inspira-se na nova ciência das redes, computação distribuída e comportamento de enxame, que demonstrou alguns dos modos como comportamentos notavelmente análogos ao de cérebros podem surgir na ausência de um cérebro verdadeiro.
“Para uma planta, possuir um cérebro não é uma vantagem”, salienta Stefano Mancuso, talvez o mais fervoroso porta-voz do ponto de vista das plantas. Calabrês quarentão, franzino e barbudo, ele tem mais jeito de professor de humanidades do que de cientista. Quando falei com ele, no Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal da Universidade de Florença, ele me contou que sua convicção de que os humanos subestimam extraordinariamente as plantas originou-se de uma história de ficção científica que ele teria lido na adolescência. Uma raça de extraterrestres que vivia em uma dimensão de tempo radicalmente acelerada chega à Terra e, incapaz de detectar movimentos nos humanos, chega à conclusão lógica de que somos “matéria inerte” com a qual eles podem fazer o que bem entenderem. E os alienígenas passam a nos explorar impiedosamente. (Mancuso escreveu depois para esclarecer que a história que ele contou era, na verdade, uma recordação truncada de um antigo episódio de Jornada nas Estrelas chamado “O piscar de um olho”.)
Na opinião de Mancuso, nossa “fetichização” dos neurônios, assim como nossa tendência a igualar comportamento a mobilidade, impede-nos de avaliar o que as plantas são capazes de fazer. Por exemplo, como elas não podem correr e frequentemente são comidas, é bom que não possuam órgãos insubstituíveis. “Uma planta tem um desenho modular, por isso pode perder 90% do corpo sem morrer”, ele diz. “Não existe nada parecido no mundo animal. Isso cria resiliência.”
De fato, muitas das capacidades mais admiráveis das plantas podem ter origem em sua circunstância existencial única de estarem enraizadas no solo e, portanto, serem incapazes de mover-se quando precisam de alguma coisa ou quando as condições tornam-se desfavoráveis. O “estilo de vida séssil”, como o denominam os botânicos, requer uma ampla e sutil apreensão do ambiente imediato, já que a planta tem de obter tudo aquilo de que precisa e defender-se sem sair do lugar. Faz-se necessário um aparato sensitivo altamente desenvolvido para localizar alimento e identificar ameaças. Evoluíram nas plantas entre quinze e vinte sentidos, entre eles cinco análogos aos que possuímos: olfato e paladar (elas percebem e reagem a substâncias presentes no ar ou em seu corpo); visão (elas reagem de modo diferente a vários comprimentos de onda luminosa e também à sombra); tato (uma trepadeira ou raiz “sabe” quando encontra um objeto sólido) e, como se descobriu, percepção de som. Em um experimento recente, Heidi Appel, ecologista química da Universidade do Missouri, constatou que, quando ela executava uma gravação de uma lagarta mastigando uma folha para uma planta que não fora tocada, o som impelia o maquinário genético da planta a produzir substâncias defensivas. Outro experimento, feito no laboratório de Mancuso e ainda não publicado, concluiu que raízes de plantas procuram chegar a um cano enterrado onde existe água correndo mesmo se o exterior do cano estiver seco, o que leva a crer que, de algum modo, as plantas “ouvem” o som da água em movimento.
As capacidades sensitivas de raízes vegetais fascinaram Charles Darwin, que na maturidade viu recrudescer sua paixão pelas plantas. Ele e seu filho Francis fizeram numerosos experimentos criativos com plantas. Muitos envolviam a raiz, ou radícula, de plantas jovens. Os Darwin demonstraram que o vegetal era capaz de perceber luz, umidade, gravidade, pressão e várias outras qualidades do ambiente e então determinar a trajetória ótima para o crescimento da raiz. A última sentença do livro O Poder do Movimento nas Plantas, que Darwin publicou em 1880, assumiu uma autoridade de sagrada escritura para alguns neurobiólogos das plantas: “Não é exagero dizer que a extremidade da radícula, […] dotada como é da capacidade de dirigir os movimentos das partes adjacentes, atua como o cérebro de um dos animais inferiores, situando-se o cérebro na extremidade anterior do corpo, a receber impressões dos órgãos dos sentidos e dirigir os diversos movimentos.” Darwin pede que pensemos na planta como um tipo de animal de cabeça para baixo, com seus principais órgãos dos sentidos e o “cérebro” embaixo, no subsolo, e os órgãos sexuais no alto.
Cientistas descobriram depois que as extremidades das raízes vegetais, além de sentirem a gravidade, umidade, luz, pressão e dureza, também são capazes de perceber volume, nitrogênio, fósforo, sal, várias toxinas, micróbios e sinais químicos de plantas vizinhas. Raízes prestes a encontrar um obstáculo impenetrável ou uma substância tóxica desviam seu caminho antes de entrar em contato com eles. Raízes podem discernir se raízes próximas são de sua própria planta ou de outra e, neste segundo caso, se a planta é parente ou estranha. Normalmente, plantas competem com estranhas por espaço para as raízes, mas quando pesquisadores puseram no mesmo vaso quatro plantas da espécie Cakile edentula encontradas nos Grandes Lagos norte-americanos, elas restringiram seus comportamentos competitivos usuais e partilharam recursos.
De algum modo, uma planta colhe e integra todas essas informações sobre seu ambiente e então “decide” (alguns cientistas usam esse termo entre aspas para indicar uma metáfora; outros as dispensam) precisamente em que direção irá espalhar suas raízes ou folhas. Quando a definição de “comportamento” expande-se para incluir características como uma mudança na trajetória de uma raiz, uma realocação de recursos ou a emissão de uma substância potente, as plantas começam a parecer muito mais acentuadamente agentes ativos que reagem a pistas ambientais de maneiras mais sutis ou adaptativas do que a palavra “instinto” sugeriria. “As plantas percebem a presença de rivais e crescem para longe delas”, explicou Rick Karban, ecologista botânico da Universidade da Califórnia, em Davis, quando lhe pedi um exemplo de tomada de decisão por plantas. “Elas são mais desconfiadas da vegetação real do que de objetos inanimados, e reagem a possíveis rivais antes que estas lhes façam sombra.” Esses comportamentos são complexos, mas, como a maioria dos comportamentos das plantas, para um animal eles são invisíveis ou extremamente lentos.
O estilo de vida séssil também ajuda a explicar o extraordinário dom das plantas para a bioquímica, imensamente superior ao dos animais e, provavelmente, dos químicos humanos. (Muitas drogas, da aspirina aos opiáceos, derivam de compostos engendrados por plantas.) Incapazes de sair correndo, as plantas servem-se de um complexo vocabulário molecular para sinalizar sofrimento, dissuadir ou envenenar inimigos e recrutar animais para prestar-lhes vários serviços. Um estudo recente publicado na revista Science mostra que a cafeína produzida por muitas plantas pode funcionar não só como uma substância defensiva, como se pensava antes, mas, em alguns casos, como uma droga psicoativa contida em seu néctar. A cafeína incentiva as abelhas a lembrar-se de uma planta específica e voltar para ela, e isso as transforma em polinizadoras mais fiéis e eficazes.
Uma das áreas de pesquisa mais produtivas em botânica nos anos recentes é a da sinalização das plantas. Sabe-se desde o começo dos anos 80 que, quando as folhas de uma planta são infectadas ou mastigadas por insetos, emitem substâncias voláteis que sinalizam a outras folhas para que armem uma defesa. Às vezes esse sinal de alerta contém informações sobre a identidade do inseto, obtidas com base no gosto de sua saliva. Dependendo da planta e do atacante, a defesa pode consistir em alterar o gosto ou a textura da folha ou em produzir toxinas ou outros compostos que tornam a matéria da planta menos digerível para os herbívoros. Quando antílopes comem acácias, as folhas dessa árvore produzem taninos que as tornam intragáveis e difíceis de digerir. Há relatos de que, quando há escassez de alimentos e os animais passam a esgotar as acácias, as árvores produzem quantidades de toxina suficientes para matá-los.
Talvez o mais engenhoso exemplo de sinalização das plantas tenha a participação de duas espécies de inseto, a primeira no papel de praga, e a segunda, de exterminadora. Várias espécies, entre elas o milho e o feijão-de-lima, emitem um pedido de socorro químico quando são atacadas por lagartas. Vespas parasíticas que se encontram a certa distância localizam a origem do odor, dirigem-se à planta atacada e lentamente destroem as lagartas. Os cientistas chamam esses insetos de “guarda-costas das plantas”.
As plantas empregam um vocabulário químico que não somos capazes de perceber ou compreender diretamente. As primeiras descobertas importantes sobre a comunicação vegetal foram feitas em laboratório nos anos 80, isolando vegetais e suas emissões químicas em câmaras de Plexiglas, mas Rick Karban, o ecologista da Universidade da Califórnia, em Davis, e outros incumbiram-se da tarefa mais intrincada de estudar como as plantas trocam sinais químicos na natureza. Estive recentemente no terreno que Karban reserva para esses estudos na Estação de Pesquisas de Campo de Sagehen Creek, da Universidade da Califórnia, a alguns quilômetros de Truckee. Em uma encosta ensolarada no alto das Sierras, ele me mostrou os 99 pés de artemísia – arbustos baixos verde-acinzentados de crescimento lento, marcados com bandeirinhas de plástico – que ele e seus colegas vêm acompanhando atentamente há mais de uma década.
Karban, um esguio ex-nova-iorquino de 59 anos e cabeleira branca encaracolada que mal cabe no chapelão, mostrou que quando folhas de artemísia são cortadas na primavera – simulando um ataque de insetos que desencadeia a liberação de substâncias voláteis –, tanto a planta cortada como suas vizinhas intactas sofrem significativamente menos danos por insetos no decorrer da estação. Karban supõe que a planta alerta todas as suas folhas para a presença de uma praga, mas suas vizinhas também captam o sinal e se preparam contra o ataque. “Achamos que, no fundo, as artemísias bisbilhotam a vida umas das outras”, ele disse. Karban constatou que, quanto maior o parentesco entre as plantas, maior é a probabilidade de elas reagirem ao sinal químico, e isso sugere que talvez disponham de alguma forma de reconhecimento de parentesco. Ajudar os parentes é um bom modo de aumentar a probabilidade de sobrevivência para seus próprios genes.
O trabalho de campo e a coleta de dados necessários para fazer descobertas desse tipo são extremamente minuciosos. No fundo de uma pradaria varrida pela luz do verão, dois colaboradores japoneses, Kaori Shiojiri e Satomi Ishizaki, trabalhavam à sombra de um pequeno pinheiro, acocorados diante de pés de artemísia que Karban etiquetou e cortou. Usando contadores eletrônicos, eles contavam cada folha tridentada de cada ramo, depois contavam e anotavam cada dano nas folhas, uma coluna para mordida de inseto, outra para doença. No alto da pradaria, outro colaborador, o ecologista químico inglês James Blande, amarrava sacos plásticos ao redor de caules de artemísia e os inflava com ar filtrado. Depois de aguardar por vinte minutos enquanto as folhas emitiam suas substâncias voláteis, ele bombeava o ar por meio de um cilindro metálico contendo um material absorvente que coletava as emissões químicas. No laboratório, um cromatógrafo a gás-espectrômetro de massa gerava uma lista dos compostos coletados: mais de uma centena. Blande sugeriu que eu pusesse o nariz num daqueles sacos; o ar era intensamente aromático, lembrando mais uma loção pós-barba do que um perfume. Fitando a pradaria de artemísias, não consegui imaginar a conversa química invisível, incluindo pedidos de socorro, que acontecia por lá – tampouco que aquelas plantas imóveis estivessem ocupadas em algum tipo de “comportamento”.
No futuro, as pesquisas sobre a comunicação das plantas talvez venham a beneficiar a agricultura. Substâncias causadoras de sofrimento em plantas poderiam ser usadas para desencadear suas defesas, reduzindo a necessidade de pesticidas. Jack Schultz, ecologista químico da Universidade do Missouri responsável por parte do trabalho pioneiro sobre a sinalização das plantas no começo dos anos 80, está ajudando a projetar um “nariz” mecânico que, ligado a um trator e transportado por uma plantação, poderia ajudar os agricultores a identificar plantas sob ataque de insetos, o que lhes permitiria borrifar pesticidas somente quando e onde fossem necessários.
Karban contou-me que, nos anos 80, os estudiosos da comunicação vegetal foram alvo do mesmo tipo de insulto dirigido aos cientistas que hoje investigam a inteligência das plantas (um termo que ele aceita com cautela). “A coisa era imensamente polêmica”, ele diz, referindo-se aos primeiros tempos das pesquisas sobre a comunicação das plantas, um campo de trabalho que hoje é plenamente aceito. “Demorou anos para que eu conseguisse a publicação de alguns desses artigos. As pessoas gritavam de verdade umas com as outras nos encontros científicos.” E acrescenta: “Os botânicos costumam ser incrivelmente conservadores. Todos pensamos que desejamos ouvir ideias novas, mas não; no fundo, não.”
Conheci Karban em um encontro científico em Vancouver em julho de 2013, quando ele apresentou um artigo intitulado “Plant Communication and Kin Recognition in Sagebrush” [Comunicação das plantas e reconhecimento de parentesco em artemísias]. O evento teria sido o sexto encontro da Sociedade de Neurobiologia Vegetal, porém quatro anos antes, sob pressão de certos setores do establishment científico, o nome da entidade fora trocado para um menos provocativo, Sociedade de Comportamento e Sinalização das Plantas. Uma das fundadoras da associação, a botânica Elizabeth van Volkenburgh, da Universidade de Washington, disse-me que o nome fora mudado depois de um acirrado debate interno; em sua opinião, provavelmente foi melhor descartar o termo “neurobiologia”. “Um membro da National Science Foundation (NSF), a agência federal norte-americana de fomento à ciência, me declarou que sua organização jamais concederia verba para qualquer coisa que levasse o nome ‘neurobiologia vegetal’. ‘Neuro’ é para os animais, ele disse.” (Um porta-voz da NSF afirmou que, embora a associação não se qualifique para receber financiamento pelo programa de neurobiologia da fundação, “a NSF não pratica nenhum tipo de boicote contra a associação”.) Dois dos cofundadores da entidade, Stefano Mancuso e František Baluška, argumentaram tenazmente contra a mudança de nome, e continuam a usar o termo “neurobiologia vegetal” em seus próprios textos e nos nomes de seus laboratórios.
O encontro consistiu em três dias de apresentações em PowerPoint para cerca de 100 cientistas, numa sala de conferência grande e moderna na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá. A maioria dos ensaios trazia material altamente técnico sobre sinalização de plantas – o tipo de ciência incremental que acontece confortavelmente dentro dos limites de um paradigma científico estabelecido, o que a sinalização das plantas hoje é. Mas alguns dos oradores apresentaram trabalhos acentuadamente condizentes com o novo paradigma da inteligência das plantas, e suscitaram reações arrebatadas.
A apresentação mais polêmica foi “Animal-Like Learning in Mimosa pudica” [Aprendizado semelhante ao animal em Mimosa pudica], um paper não publicado de Monica Gagliano, de 37 anos, ecologista animal da Universidade da Austrália Ocidental que trabalhava no laboratório de Mancuso em Florença. Alta, de longos cabelos castanhos partidos ao meio, ela baseou seu experimento em um conjunto de protocolos comumente usados para testar o aprendizado em animais. Concentrou-se em um tipo elementar de aprendizado conhecido como “habituação”, no qual um sujeito de experimento é ensinado a desconsiderar um estímulo irrelevante. “A habituação permite que um organismo se concentre nas informações importantes e descarte as inutilidades”, ela explicou à plateia de botânicos. Quanto tempo um animal leva para reconhecer que um estímulo é uma “inutilidade”, e depois por quanto tempo se lembrará do que aprendeu? A questão experimental da pesquisa era estimulante: seria possível fazer a mesma coisa com uma planta?
A Mimosa pudica, também chamada de “sensitiva”, é daquelas raras espécies de planta com um comportamento tão rápido e visível que os animais podem observá-lo; outro exemplo é a dioneia. Quando tocamos nas folhas da mimosa, parecidas com folhas de samambaia, elas se retraem depressa, presumivelmente para assustar insetos. A mimosa também retrai as folhas quando a derrubamos ou esbarramos nela. Monica Gagliano plantou 56 mimosas em vasos e montou um dispositivo que as fazia sofrer uma queda de 15 centímetros a cada cinco segundos. Cada “sessão de treinamento” consistia em sessenta quedas. A cientista relatou que algumas das mimosas começaram a reabrir suas folhas depois de apenas quatro, cinco ou seis quedas, como se houvessem concluído que aquele estímulo podia ser ignorado sem perigo. “No final, elas estavam totalmente abertas”, ela disse aos ouvintes. “Não se importavam mais.”
Seria apenas fadiga? Aparentemente não: quando as plantas eram sacudidas, tornavam a fechar-se. “Epa, isso é novo”, disse Monica, imaginando esses acontecimentos do ponto de vista das plantas. “É preciso estar atento para as coisas novas que surgem. Em seguida, voltávamos às quedas, e elas não reagiam.” Monica relatou que depois de uma semana deixou as plantas em repouso e constatou que elas continuaram a desconsiderar o estímulo da queda, um indício de que se “lembravam” do que tinham aprendido. Passados 28 dias, a lição ainda não fora esquecida. A cientista lembrou aos colegas que, em experimentos semelhantes com abelhas, os insetos esqueciam o que tinham aprendido depois de apenas 48 horas. Ela concluiu afirmando que “cérebros e neurônios são uma solução refinada, mas não um requisito necessário para o aprendizado” e que existe “em todos os sistemas vivos algum mecanismo unificador capaz de processar informações e aprender”.
Seguiu-se uma discussão acalorada. Alguém objetou que deixar cair uma planta não era um estímulo desencadeador relevante, já que isso não ocorre na natureza. Monica retrucou que o choque elétrico, um estímulo igualmente artificial, é frequentemente usado em experimentos sobre aprendizado animal. Outro cientista aventou que talvez as plantas da pesquisa não estivessem habituadas, apenas exaustas. Ela redarguiu que 28 dias seriam tempo suficiente para reconstruírem suas reservas de energia.
Na saída da sala de conferência, topei com Fred Sack, eminente botânico da Universidade da Columbia Britânica. Perguntei-lhe o que achara da apresentação de Monica Gagliano. “Besteira”, ele respondeu. Explicou que a palavra “aprendizado” implica um cérebro e deve ser reservada a animais: “Os animais podem exibir aprendizado, mas as plantas ganham adaptações pela evolução.” Ele estava fazendo uma distinção entre as mudanças comportamentais que ocorrem durante o tempo de vida de um organismo e as que surgem ao longo das gerações. No almoço, sentei-me em companhia de um cientista russo, que também menosprezou o trabalho da pesquisadora. “Não é aprendizado”, disse ele. “Portanto, não há nada a discutir.”
Na parte da tarde, Monica pareceu ao mesmo tempo melindrada e desafiadora diante de algumas das reações a sua apresentação. Adaptação é um processo lento demais para explicar o comportamento que ela havia observado, disse-me. “Como as mimosas podem ser adaptadas a algo que nunca vivenciaram no mundo real?” Ela salientou que algumas de suas plantas aprendiam mais depressa do que outras, um indício de que “não se trata de resposta inata ou programada”. Muitos dos cientistas na plateia estavam apenas começando a acostumar-se às ideias sobre “comportamento” e “memória” em plantas (termos que até Fred Sack declarou-se disposto a aceitar); usar palavras como “aprendizado” e “inteligência” em plantas parecia-lhes, nas palavras de Sack, “impróprio” e “esquisito”. Quando descrevi o experimento para Lincoln Taiz, ele sugeriu que os termos “habituação” ou “dessensibilização” seriam mais apropriados do que “aprendizado”. Monica contou que seu estudo sobre a mimosa fora rejeitado por dez revistas: “Nenhum dos pareceristas encontrou problemas nos dados.” Em vez disso, fizeram careta para a linguagem que ela empregou na descrição desses dados. Mas a cientista não queria empregar outros termos. “Se não usarmos a mesma linguagem para descrever o mesmo comportamento” – observado em plantas e animais – “não poderemos compará-lo”, explicou.
Rick Karban consolou Monica depois de sua apresentação. “Também passei por isso, levei bordoada de todo lado”, disse a ela. “Mas você está fazendo um bom trabalho. O sistema é que não está pronto.” Quando perguntei a Karban o que ele achava do paper dela, ele respondeu: “Não sei se ela tem tudo bem amarrado, mas é uma ideia legal que merece ser divulgada e posta em discussão. Espero que ela não se desencoraje.”
Muitos cientistas constrangem-se em falar sobre o papel da metáfora e da imaginação em seu trabalho, mas o progresso científico depende de ambas. “Metáforas ajudam a estimular a imaginação investigativa dos bons cientistas”, escreveu o botânico britânico Anthony Trewavas em uma enérgica réplica à carta de Alpi que criticava a neurobiologia vegetal. “Neurobiologia vegetal” é obviamente uma metáfora; plantas não possuem o tipo de células excitáveis e comunicativas que chamamos de neurônios. Ainda assim, a introdução do termo suscitou uma série de questões e inspirou um conjunto de experimentos que prometem aprofundar nossa compreensão não só das plantas mas também, potencialmente, dos cérebros. Se existem outros modos de processar informações, outros tipos de células e de redes celulares capazes de ensejar de algum modo um comportamento inteligente, estaremos então mais inclinados a indagar, como fez Mancuso: “O que os neurônios têm de tão especial?”
Stefano Mancuso é o poeta-filósofo do movimento, decidido a obter para as plantas o reconhecimento que elas merecem e talvez, no processo, baixar um pouquinho o topete dos humanos. Seu Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal, um nome um tanto ambicioso, consiste em um modesto conjunto de laboratórios e salas em um prédio baixo moderno a alguns quilômetros de Florença. Ali, um punhado de colaboradores e pós-graduandos trabalham nos experimentos que Mancuso concebe para testar a inteligência das plantas. Ele me mostrou o laboratório e exibiu pés de milho cultivados sob lâmpadas que estavam sendo ensinados a desconsiderar sombras; um álamo novo ligado a um galvanômetro para medir sua reação à poluição do ar; uma câmara onde uma máquina conhecida como PTR-TOF – um tipo avançado de espectrômetro de massa – registra continuamente todas as substâncias voláteis emitidas por uma sucessão de plantas, de choupos e pés de tabaco a pimenteiras e oliveiras. “Estamos fazendo um dicionário de todo o vocabulário químico de cada espécie”, ele explicou. Mancuso calcula que uma planta tenha em seu vocabulário químico 3 mil substâncias – em comparação com “o aluno médio, que tem apenas 700 palavras”, ele diz sorrindo.
Mancuso é ardorosamente dedicado às plantas. Um cientista tem de amar seus objetos de estudo para fazer-lhes justiça, ele diz. E também é afável e despretensioso, mesmo quando declara algo chocante. Em um canto de sua sala há uma tristonha figueira-chorona (Ficus benjamina), e nas paredes veem-se fotos de Mancuso de macacão de astronauta flutuando na cabine de uma aeronave de gravidade zero; ele colaborou com a Agência Espacial Europeia, que financiou suas pesquisas sobre comportamento das plantas em micro e hipergravidade. (Um de seus experimentos foi feito a bordo do último voo do ônibus espacial Endeavor, em maio de 2011.) Uma década atrás, Mancuso persuadiu a fundação de um banco florentino a avalizar boa parte de suas pesquisas e ajudar no lançamento da Sociedade de Neurobiologia Vegetal; seu laboratório também recebe subsídios da União Europeia.
No começo da nossa conversa, pedi a Mancuso que definisse “inteligência”. Depois de passar tanto tempo com os neurobiólogos de plantas, eu sentia que meu entendimento sobre essa palavra andava fraquejando. Acontece que não estou sozinho: filósofos e psicólogos discutem sobre a definição de inteligência há pelo menos um século, e qualquer consenso que possa ter existido no passado vem se dissipando rapidamente. A maioria das definições de inteligência insere-se em uma dentre duas categorias. A primeira é expressa de um modo que supõe um cérebro para haver inteligência, referindo-se a qualidades mentais intrínsecas, como razão, discernimento e pensamento abstrato. A segunda categoria, menos ligada ao cérebro e menos metafísica, salienta o comportamento, definindo inteligência como a capacidade de reagir da maneira mais adequada aos desafios apresentados pelo ambiente e pelas circunstâncias. Os estudiosos da neurobiologia vegetal jogam neste segundo campo, o que não é de surpreender.
“Minha definição é bem simples”, diz Mancuso. “Inteligência é a capacidade de resolver problemas.” Em vez de um cérebro, “o que procuro é um tipo de inteligência distribuída, como o que vemos em uma revoada de pássaros”. Na revoada, cada pássaro precisa apenas seguir algumas regras simples, como manter uma distância prescrita de seu vizinho, e no entanto o efeito coletivo de numerosas aves executando um algoritmo simples é um comportamento complexo e surpreendentemente bem coordenado. A hipótese de Mancuso é que algo semelhante acontece com as plantas, cujos milhares de extremidades de raízes teriam um papel análogo ao dos pássaros individuais: coligir e avaliar dados do ambiente e responder de modos localizados, mas coordenados, que beneficiam o organismo como um todo.
“Talvez os neurônios sejam superestimados”, diz Mancuso. “Na realidade, eles não passam de células excitáveis.” As plantas possuem suas próprias células excitáveis, muitas delas em uma região contígua à extremidade da raiz. Nessas áreas, Mancuso e seu colaborador frequente, František Baluška, detectaram níveis incomumente elevados de atividade elétrica e consumo de oxigênio. Em uma série de artigos, eles trabalharam com a hipótese de que essa chamada “zona de transição” pode ser o local do “cérebro na raiz” aventado por Darwin. A ideia permanece polêmica e sem comprovação. “Não compreendemos o que acontece ali”, diz Lincoln Taiz, “mas não há indícios de que seja um centro de comando.”
Como as plantas fazem o que fazem sem um cérebro – uma “mestria impensante”, nas palavras de Anthony Trewavas – é uma questão que remete a outra: como o nosso cérebro faz o que faz. Quando perguntei a Mancuso sobre a função e a localização da memória nas plantas, ele conjeturou sobre o possível papel de canais de cálcio e outros mecanismos, mas depois ressalvou que ainda paira o mistério em torno de onde e como nossas memórias são armazenadas: “Poderia ser o mesmo tipo de mecanismo; quem sabe descobri-lo nas plantas nos ajude a descobri-lo nos humanos.”
A hipótese de que o comportamento inteligente nas plantas seria uma propriedade emergente em células que trocam sinais numa rede pode parecer forçada, mas o modo como a inteligência emerge de uma rede de neurônios talvez não seja muito diferente. A maioria dos neurocientistas concordaria que, embora o cérebro considerado em seu todo funcione como uma central de comando para a maioria dos animais, dentro do cérebro não parece existir nenhum posto de comando; o que encontramos é uma rede sem líder. A impressão que temos quando pensamos sobre o que poderia governar uma planta – de que não há ninguém ali, nenhum mágico atrás das cortinas acionando as alavancas – pode aplicar-se também a nosso cérebro.
No romance A Informação, de Martin Amis, publicado em 1995, encontramos um personagem que almeja escrever “A história da humilhação crescente”, um tratado que narra o destronamento gradual da humanidade de sua posição como centro do universo, começando por Copérnico. “A cada século, ficamos menores”, escreve Amis. Em seguida veio Darwin, que nos rebaixou com a notícia de que somos produto das mesmas leis naturais que criaram os animais. No século passado, as antes nítidas linhas que separavam os humanos dos animais – nossos monopólios da linguagem, raciocínio, fabricação de ferramentas, cultura e até autoconsciência – foram borradas, uma após outra, à medida que a ciência reconhecia essas faculdades em outros animais.
Mancuso e seus colegas estão escrevendo o próximo capítulo da “História da humilhação crescente”. Seu projeto acarretará a derrubada dos muros entre os reinos vegetal e animal, e avança não só de experimento em experimento, mas também de palavra em palavra. A começar pelo arisco termo “inteligência”. Particularmente quando inexiste uma definição dominante (e quando se provou que medidas de inteligência, como o Q.I., sofrem de viés cultural), é possível definir inteligência de um modo que ou reforça a fronteira entre animais e plantas (por exemplo, um modo que implique o pensamento abstrato) ou a solapa. Os neurobiólogos das plantas escolheram definir inteligência democraticamente, como uma capacidade para resolver problemas ou, mais precisamente, para reagir de modo adaptativo às circunstâncias, inclusive aquelas não previstas no genoma.
“Concordo que os humanos são especiais”, diz Mancuso. “Somos a primeira espécie capaz de debater sobre o significado de inteligência. Mas é a quantidade, e não a qualidade” de inteligência, que nos distingue. Existimos em um continuum em que se encontram a acácia, o rabanete e as bactérias. “A inteligência é uma propriedade da vida”, declara. Pergunto por que, na opinião dele, as pessoas têm menos dificuldade para admitir a existência de inteligência em computadores do que em plantas. (Fred Sack disse-me que tolera o termo “inteligência artificial”, mas não “inteligência vegetal”, porque, no primeiro caso, a inteligência é modificada pela palavra “artificial”. Ele não explica sua posição, apenas diz: “Estou com a maioria que acha isso meio esquisito.”) Mancuso supõe que estamos dispostos a aceitar a inteligência artificial porque os computadores são criações nossas, portanto refletem de volta para nós sua inteligência. Além disso, ao contrário das plantas, eles são nossos dependentes: “Se desaparecêssemos amanhã, as plantas ficariam bem, mas se as plantas desaparecessem…” Nossa dependência das plantas engendra o desprezo por elas, acredita Mancuso. Em sua visão meio virada pelo avesso, as plantas “nos lembram da nossa fraqueza”.
“Memória” pode ser um termo ainda mais espinhoso para aplicarmos indistintamente aos reinos da natureza, talvez por conhecermos muito pouco sobre seu funcionamento. Tendemos a conceber as memórias como algo imaterial, mas em cérebros animais algumas formas de memória envolvem a formação de novas conexões em uma rede de neurônios. No entanto, existem modos de armazenar informações biologicamente que não requerem neurônios. Células imunes “lembram” sua experiência com agentes causadores de doenças, e recorrem a essa memória em encontros subsequentes. Em plantas, sabe-se há tempos que experiências como o estresse podem alterar o invólucro molecular ao redor dos cromossomos; isso, por sua vez, determina quais genes serão silenciados e quais se expressarão. Esse chamado efeito “epigenético” pode persistir e às vezes ser transmitido aos descendentes. Mais recentemente, cientistas descobriram que acontecimentos como trauma ou fome produzem mudanças epigenéticas em cérebros animais (favorecendo a codificação para altos níveis de cortisol, por exemplo), mudanças essas que são de longa duração e também podem ser transmitidas a descendentes – uma forma de memória bem semelhante à observada em plantas.
Enquanto conversava com Mancuso, não me saíam da cabeça palavras como “vontade”, “escolha” e “intenção”, que ele parecia atribuir sem cerimônia às plantas, quase como se elas agissem conscientemente. A certa altura, ele me falou sobre uma trepadeira parasita, a Cuscuta europaea, que se enrosca no caule de outra planta e suga dela o alimento. A cuscuta “escolhe” entre várias hospedeiras possíveis, avaliando, pelo odor, qual delas possui o maior potencial nutritivo. Depois de selecionar o alvo, a trepadeira faz uma espécie de cálculo de custo–benefício antes de decidir exatamente quantas gavinhas deve investir – quanto mais nutrientes houver na vítima, mais gavinhas a trepadeira faz. Perguntei a Mancuso se sua atribuição de intenção às plantas era literal ou metafórica.
“Vou mostrar-lhe uma coisa”, ele falou. “E aí você me diz se as plantas têm ou não intenções.” Girou o monitor do computador e abriu um vídeo.
A fotografia em time-lapse talvez seja a melhor ferramenta para transpormos o abismo entre a escala temporal das plantas e a nossa. Esse exemplo era o de uma leguminosa jovem, fotografada no laboratório ao longo de dois dias, um quadro a cada dez minutos. Uma estaca de metal em um carrinho está a quase 1 metro de distância. A planta “está procurando” algo para se enroscar. Toda primavera, vejo esse mesmo processo em tempo real no meu jardim. Sempre supus que as trepadeiras simplesmente cresciam para qualquer lado até que por fim topavam com alguma coisa apropriada para se enroscar e subir. Mas o vídeo de Mancuso parecia mostrar que aquela trepadeira “sabia” exatamente onde estava a estaca de metal muito antes de ter contato com ela. Mancuso conjetura que a planta talvez empregue alguma forma de ecolocalização. Há indícios de que as plantas produzam estalidos baixos quando suas células se alongam; é possível que sejam capazes de sentir o reflexo dessas ondas sonoras que ricocheteiam na estaca metálica.
A trepadeira não desperdiça tempo nem energia “procurando” – ou seja, crescendo – em qualquer outra parte; segue sempre na direção da estaca. Esforça-se (não há outro termo para isso) para chegar lá: espicha-se, alonga-se, atira-se repetidamente como uma vara de pescar, estendendo-se alguns centímetros mais a cada lançamento nas tentativas de enroscar sua extremidade curva na estaca. Assim que acontece o contato, a planta parece relaxar; suas folhas crispadas começam a adejar suavemente. Tudo isso pode não passar de uma ilusão da fotografia em time-lapse. Mas quando assistimos a esse vídeo sentimo-nos, momentaneamente, como um dos extraterrestres da história de ficção científica que influenciou Mancuso na adolescência; esse filme é uma janela para uma dimensão temporal na qual esses seres antes inertes espantosamente ganham vida, parecem ser indivíduos conscientes dotados de intenções.
Em outubro, baixei o vídeo da leguminosa em meu laptop e segui para Santa Cruz, para mostrá-lo a Lincoln Taiz. Ele começou questionando seu valor como dado científico: “Talvez ele tenha dez outros vídeos nos quais a trepadeira não fez isso. Não se pode pegar uma variação interessante e generalizar com base nela.” Em outras palavras, esse comportamento da trepadeira seria o relato de um fato isolado, e não um fenômeno. Taiz ressaltou também que já no primeiro quadro a trepadeira estava inclinada na direção da estaca. Mancuso enviou-me então outro vídeo com dois espécimes da leguminosa perfeitamente a prumo que mostravam comportamento muito semelhante. Desta vez, Taiz ficou interessado. “Se ele encontra esse efeito consistentemente, seria fascinante”, disse – mas não é, necessariamente, uma prova de que a planta tem intenção. “Se o fenômeno for real, seria classificado como tropismo”, na mesma linha do mecanismo que faz as plantas inclinarem-se para a luz. Neste caso, o estímulo permanece desconhecido, mas os tropismos “não requerem que postulemos uma intencionalidade ou uma conceitualização ‘como a de um cérebro’”, Taiz explica. “O ônus da prova para esta última interpretação claramente caberia a Stefano.”
Talvez a mais problemática e inquietante de todas as palavras quando falamos em plantas seja “consciência”. Se definirmos consciência como uma percepção íntima de si mesmo vivenciando a realidade – “o sentimento de si”, nas palavras do neurocientista António Damásio –, poderíamos (provavelmente) concluir com segurança que as plantas não a possuem. Mas, se definirmos o termo simplesmente como o estado de estar desperto e alerta para seu ambiente – “online”, como dizem os neurocientistas –, então as plantas podem qualificar-se como seres conscientes, pelo menos segundo Mancuso e Baluška. “A leguminosa sabe exatamente o que há no ambiente a sua volta”, disse Mancuso. “Ignoramos como. Mas essa é uma das características da consciência: conhecer sua posição no mundo. Uma pedra não conhece.”
Para corroborar sua hipótese de que as plantas são cônscias de seu ambiente, Mancuso e Baluška ressaltam que é possível tornar as plantas inconscientes com os mesmos anestésicos usados em animais para esse fim: drogas podem induzir em plantas um estado de não reação semelhante ao sono. (Uma dioneia tirando um cochilo não notará um inseto que transponha seu limiar.) E mais: quando plantas são danificadas ou sofrem estresse, produzem uma substância – etileno – que produz efeitos semelhantes aos de um anestésico em animais. Quando Baluška falou-me em Vancouver sobre esse fato espantoso, perguntei-lhe, timidamente, se ele estava aventando que as plantas podiam sentir dor. Baluška, um careca sisudo de rosto redondo, arqueou uma sobrancelha e me lançou um olhar que interpretei como significando que minha pergunta era impertinente ou absurda. Mas, pelo visto, não era.
“Se as plantas tiverem consciência, então, sim, elas devem sentir dor”, ele respondeu. “Quem não sente dor desconsidera o perigo e não sobrevive. A dor é adaptativa.” Devo ter demonstrado algum espanto. “É uma ideia assustadora”, ele reconheceu, encolhendo os ombros. “Vivemos em um mundo no qual temos de comer outros organismos.”
Despreparado para considerar as implicações éticas da inteligência das plantas, senti enrijecer minha resistência a toda essa ideia. Descartes, para quem só o ser humano possuía autoconsciência, não podia admitir a ideia de que outros animais eram capazes de sentir dor. Por isso, menosprezava os gritos e urros dos bichos como meros reflexos, tão desprovidos de significado quanto os ruídos fisiológicos. Poderia ser remotamente possível estarmos agora cometendo o mesmo erro com as plantas? O perfume do jasmim ou do manjericão, ou o aroma de grama recém-aparada, que achamos delicioso, seria (como gosta de dizer o ecologista Jack Schultz) o equivalente químico de um grito? Ou será que, meramente por fazer uma pergunta como essa, escorregamos de volta às turvas águas de A Vida Secreta das Plantas?
Lincoln Taiz torce o nariz para a ideia de dor nas plantas, e questiona: o que, na ausência de um cérebro, produziria a sensação? Conclui sucintamente: No brain, no pain (sem cérebro, sem dor). Mancuso é mais comedido. Nunca poderemos determinar com certeza se as plantas sentem dor ou se sua percepção de um dano é suficientemente semelhante à de um animal para ser chamada pelo mesmo nome. (Ele e Baluška têm o cuidado de escrever “percepção da dor específica das plantas”.) “Não sabemos; por isso temos de nos calar.”
Para Mancuso, como as plantas são seres com sensibilidade e inteligência, somos obrigados a tratá-las com certo respeito. Isso significa proteger seus hábitats da destruição e evitar práticas como a manipulação genética, a monocultura e o cultivo em forma de bonsai. Mas não nos impede de comê-las. “As plantas evoluíram para ser comidas; é parte de sua estratégia evolutiva”, ele diz. E, para respaldar sua afirmação, ele cita a estrutura modular e a ausência de órgãos insubstituíveis nos vegetais.
A questão central que separa os proponentes da neurobiologia vegetal e seus críticos parece ser a seguinte: faculdades como inteligência, percepção da dor, aprendizado e memória requerem a existência de um cérebro, como argumentam os críticos, ou podem ser desvinculadas de suas amarras neurobiológicas? Essa é uma questão filosófica além de científica, pois a resposta depende de como definimos os termos. Os defensores da inteligência das plantas argumentam que as definições tradicionais são antropocêntricas – uma réplica engenhosa às acusações de antropomorfismo que frequentemente lhes fazem. Sua tentativa de ampliar essas definições é facilitada porque os significados de tantos desses termos não são engessados. Ao mesmo tempo, como originalmente essas palavras foram criadas para descrever atributos animais, não nos deveria surpreender que não se encaixem bem às plantas. Parece provável que, se os pesquisadores da neurobiologia vegetal estivessem dispostos a acrescentar o qualificativo “específico das plantas” aos termos inteligência, aprendizado, memória e consciência (como Mancuso e Baluška admitem fazer quando se referem à dor), então pelo menos parte dessa “controvérsia científica” poderia evaporar.
Na verdade, encontrei mais consenso do que esperava. Até Clifford Slayman, o biólogo de Yale que assinou a carta de 2007 menosprezando a neurobiologia vegetal, admite que, mesmo não achando que as plantas possuam inteligência, ele julga que elas, tanto quanto as abelhas e formigas, são capazes de “comportamento inteligente”. Em uma troca de e-mails, Slayman fez questão de frisar essa distinção: “Não sabemos o que constitui a inteligência; sabemos apenas o que podemos observar e avaliar como comportamento inteligente.” Ele definiu “comportamento inteligente” como “a capacidade de adaptar-se à mudança de circunstâncias”, e salientou que ela “deve sempre ser medida em relação a um ambiente específico”. Os humanos podem ser ou não intrinsecamente mais inteligentes do que os gatos, ele escreveu, mas quando um gato depara com um camundongo, seu comportamento tende a ser demonstravelmente mais inteligente.
Slayman reconheceu ainda que “é perfeitamente possível que um comportamento inteligente se desenvolva sem um sistema nervoso, sede, diretor ou cérebro – seja lá qual for o nome que dermos. Em vez de ‘cérebro’, pense ‘rede’. Ao que parece, muitos organismos superiores são dotados de redes internas de tal modo que mudanças locais”, por exemplo, a maneira como as raízes reagem a um gradiente de água, “causam respostas muito localizadas que beneficiam o organismo inteiro”. Dessa perspectiva, ele acrescentou, o ponto de vista de Mancuso e Trewavas é “bem condizente com minha noção sobre as redes bioquímicas/biológicas”. Ele ressaltou que, embora seja compreensível a parcialidade humana pelo modelo do “centro nervoso”, também possuímos um segundo sistema nervoso, o autônomo, governador dos nossos processos digestivos, que “na maior parte do tempo funciona sem instruções superiores”. Os cérebros são apenas um dos modos como a natureza consegue levar à realização de trabalhos complexos, lidando inteligentemente com os desafios apresentados pelo ambiente. Mas não são o único: “Sim, eu diria que o comportamento inteligente é uma propriedade da vida.”
Definir certas palavras de modo a pôr plantas e animais sob o mesmo guarda-chuva semântico – inteligência, intenção ou aprendizado – é uma escolha filosófica com consequências importantes para o modo como nos vemos na natureza. Desde A Origem das Espécies compreendemos, ao menos intelectualmente, as continuidades entre os reinos da vida: somos todos cortados do mesmo tecido. Mas nosso cérebro grande, e talvez nossa experiência do próprio interior, permite-nos sentir que devemos ser fundamentalmente diferentes, pairando acima da natureza e das demais espécies como que suspensos por um “gancho no céu” metafísico, usando aqui por empréstimo a expressão do filósofo americano Daniel Dennett. Os estudiosos da neurobiologia vegetal tencionam remover nosso gancho no céu, completar a revolução que Darwin iniciou mas permanece, pelo menos psicologicamente, incompleta.
“Aprendemos com Darwin que a capacidade precede a compreensão”, disse Dennett quando telefonei para conversar sobre a neurobiologia vegetal. Sobre um alicerce das capacidades mais simples – como o interruptor liga-desliga de um computador ou a sinalização elétrica e química de uma célula – podem ser construídas capacidades cada vez mais superiores que acabem por resultar em algo muito parecido com inteligência. “A ideia de que existe uma linha clara, com a compreensão real e as mentes reais do lado de lá do abismo e os animais e plantas do outro, é um mito arcaico.” A noção de que as capacidades superiores como inteligência, aprendizado e memória “nada significam na ausência de cérebro” é, para Dennett, “cerebrocêntrica”.
Todas as espécies se deparam com os mesmos desafios existenciais – obter alimento, defender-se, reproduzir-se –, porém sob circunstâncias imensamente variadas, por isso a evolução lhes providenciou ferramentas de sobreviver imensamente variadas. O cérebro vem a calhar para criaturas que se deslocam bastante, mas é uma desvantagem para as que estão enraizadas num lugar. A autoconsciência, por mais impressionante que nos pareça, é apenas outra ferramenta para viver, boa para algumas tarefas, inútil para outras. Não surpreende que os humanos atribuam tanto valor a essa adaptação específica, uma vez que ela veio a ser um brilhante resultado da nossa longa jornada evolutiva, juntamente com o epifenômeno da autoconsciência que chamamos de “livre-arbítrio”.
Além de estudar a fisiologia das plantas, Lincoln Taiz escreve sobre a história da ciência. “A começar pelo avô de Darwin, Erasmus”, ele me disse, “os estudos botânicos têm mostrado um alto grau de teleologia” no hábito de atribuir propósito ou intenção ao comportamento das plantas. Perguntei a Taiz sobre a questão da “escolha”, ou tomada de decisão, nas plantas em situações como a de precisar decidir entre dois sinais conflitantes do ambiente, por exemplo, água e gravidade.
“A planta decide da mesma maneira que nós escolhemos numa lanchonete entre um hambúrguer e um X-tudo?”, rebateu Taiz. “Não, a resposta da planta baseia-se totalmente no fluxo final de auxina e outros sinais químicos. O verbo ‘decidir’ é inadequado no contexto da botânica. Ele implica o livre-arbítrio. Naturalmente, também é possível argumentar que o ser humano não tem livre-arbítrio, mas essa é outra questão.”
Perguntei a Mancuso se ele achava que uma planta decide do mesmo modo que nós escolhemos numa lanchonete entre um hambúrguer e um X-tudo.
“Sim, do mesmo modo”, Mancuso respondeu, ressalvando, porém, que não fazia a menor ideia do que fosse um X-tudo. “É só trocar o X-tudo (seja lá o que for isso) por nitrato de amônia e o hambúrguer por fosfato, e as raízes tomarão a decisão.” Mas a raiz não responde simplesmente ao fluxo final de certas substâncias? “Desculpe, mas nosso cérebro toma decisões exatamente do mesmo modo.”
“P
or que uma planta se interessaria por Mozart?”, replicava o falecido etnobotânico Tim Plowman quando lhe perguntavam sobre os prodígios catalogados em A Vida Secreta das Plantas. “E, mesmo que se interessasse, por que deveríamos nos impressionar com isso? Elas comem luz – isso não basta?”
Um modo de exaltar as plantas é demonstrar suas capacidades semelhantes às dos animais. Mas outro é concentrar-se em todas as coisas que as plantas são capazes de fazer e nós não. Alguns estudiosos da inteligência das plantas questionam se a ênfase “animalcêntrica”, juntamente com a obsessão pelo termo “neurobiologia”, não seria um erro e possivelmente um insulto às plantas. “Não tenho interesse em ver as plantas como animaizinhos”, escreveu um cientista durante a pendenga pelo nome a ser dado à associação. “As plantas são únicas”, escreveu outro. “Não há razão para […] chamá-las de semianimais.”
Quando jantei com Mancuso durante a conferência em Vancouver, ele me pareceu um botânico recuperando-se de um acesso de “inveja do cérebro” – a motivação dos neurologistas das plantas, segundo Taiz. Se pudéssemos começar a entender as plantas pelo que elas são, ele disse, “seria como fazer contato com uma cultura alienígena. Mas poderíamos ter todas as vantagens desse contato sem nenhum dos problemas, pois ela não quer nos destruir!”. Como as plantas fazem todas as coisas impressionantes que fazem sem cérebro? Sem locomoção? Destacando a singularidade das plantas em vez de sua semelhança, argumentou Mancuso, teremos a chance de aprender coisas valiosas e desenvolver novas tecnologias importantes. Esse seria o tema de sua apresentação na conferência que faria na manhã seguinte sobre o que ele chama de “bioinspiração”. Como o exemplo da inteligência das plantas poderia nos ajudar a projetar melhores computadores, robôs ou redes?
Mancuso estava prestes a começar um trabalho em colaboração com um renomado cientista da computação: o projeto de um computador baseado nas plantas, tendo como modelo a computação distribuída realizada por milhares de raízes que processam um número imenso de variáveis ambientais. Seu colaborador, Andrew Adamatzky, diretor do Centro Internacional de Computação Não Convencional, da Universidade do Oeste da Inglaterra, é um grande estudioso dos mixomicetos e da utilização das capacidades desses organismos para orientar-se em labirintos e executar tarefas computacionais. (Os mixomicetos estudados por Adamatzky, um tipo de ameba, crescem simultaneamente na direção de várias fontes de alimento, em geral flocos de aveia, e no processo computam e se lembram da distância mais curta entre dois flocos; Adamatzky usou esses organismos como modelo para redes de transporte.) Em um e-mail, Adamatzky disse que, como fundamento para a computação biológica, as plantas têm vantagens e desvantagens em comparação com os mixomicetos. “As plantas são mais robustas”, ele escreveu, “e podem manter sua forma por muito tempo”, embora seu crescimento seja mais lento e elas não tenham a flexibilidade dos mixomicetos. Mas como as plantas já são “computadores elétricos analógicos” que trocam inputs e outputs elétricos, ele espera que, junto com Mancuso, consigam usá-las em tarefas computacionais.
Mancuso também estava trabalhando com Barbara Mazzolai, uma bióloga que enveredou para a engenharia no Instituto Italiano de Tecnologia, em Gênova, para criar o que ele chamou de “plantoide”: um robô projetado segundo princípios vegetais. “Analisando a história dos robôs, vemos que eles sempre foram projetados com base em animais – são humanoides ou insetoides. Quando queremos algo que nade, tomamos por molde um peixe. Mas e se, em vez disso, imitássemos as plantas? O que isso nos permitiria fazer? Explorarmos o solo!” Financiados pelo Programa Tecnologias Futuras e Emergentes da União Europeia, sua equipe está criando uma “raiz robótica” que, usando plásticos capazes de alongar-se e depois endurecer, será capaz de penetrar lentamente no solo, sentir as condições e, com base nelas, alterar sua trajetória. “Se quisermos explorar outros planetas, o melhor será enviar plantoides.”
Aparte mais instigante da apresentação de Mancuso sobre a bioinspiração foi sua discussão sobre redes vegetais subterrâneas. Citando as pesquisas de Suzanne Simard, ecologista florestal da Universidade da Columbia Britânica, e seus colegas, Mancuso mostrou um slide que retratava como as plantas de uma floresta organizam-se em vastas redes, usando a rede subterrânea de fungos micorrízicos que conecta suas raízes para trocar informações e até bens. Essa “wood-wide web” (“rede florestal”), como a designaram no título de um artigo, permite que numerosas árvores em uma floresta transmitam avisos sobre ataques de insetos e também que enviem carbono, nitrogênio e água a árvores necessitadas.
Quando falei por telefone com Suzanne Simard, a cientista descreveu como ela e seus colegas rastrearam o fluxo de nutrientes e sinais químicos por meio dessa rede subterrânea invisível. Eles injetaram abetos com isótopos de carbono radioativo e então acompanharam a disseminação dos isótopos pela comunidade florestal usando vários tipos de sensor, entre eles um contador Geiger. Em poucos dias, provisões de carbono radioativo foram rastreados de espécime a espécime. Cada árvore em um lote de 30 metros quadrados estava ligada à rede; as mais antigas funcionavam como eixos, algumas com até 47 conexões. O diagrama da rede florestal lembrava um mapa de rotas aéreas.
O padrão do tráfego de nutrientes mostrou como “árvores mães” usavam a rede para nutrir brotos à sombra, entre eles seus descendentes – que as árvores aparentemente reconhecem como parentes –, até que atinjam altura suficiente para alcançar a luz. E, em um assombroso exemplo de cooperação interespécies, Suzanne descobriu que abetos usaram a rede fúngica para trocar nutrientes com bétulas no decorrer da estação. A espécie perene sustentava a decídua quando tinha açúcares de sobra, e cobrava a dívida mais para o fim da estação. Para a comunidade florestal, o valor dessa economia cooperativa subterrânea parece ser uma saúde geral melhor, mais fotossíntese total e maior resiliência na presença de perturbações.
Em sua apresentação, Mancuso justapôs um slide que mostrava os nós e ligações dessas redes florestais subterrâneas a um diagrama da internet e afirmou que, em alguns aspectos, a rede florestal é superior. “Plantas são capazes de criar redes de unidades que mantêm, operam e reparam a si próprias, ajustando tudo isso na escala necessária”, ele disse. “Plantas.”
Ouvindo Mancuso decantar as maravilhas que acontecem sob nossos pés, ocorreu-me que as plantas têm mesmo uma vida secreta, ainda mais estranha e fascinante que a descrita por Tompkins e Bird. Quando a maioria de nós pensa nas plantas, se é que pensamos nelas, achamos que são velhas – remanescentes de um passado evolutivo mais simples, pré-humano. Mas para Mancuso as plantas detêm a chave para um futuro que será organizado em torno de sistemas e tecnologias em rede, descentralizados, modulares, reiterados, redundantes – e verdes, capazes de nutrir-se de luz. “As plantas são o grande símbolo da modernidade.” Ou deveriam ser: não terem cérebro revelou-se a sua força, e talvez a mais valiosa inspiração que podem nos dar.
No jantar em Vancouver, Mancuso comentou: “Depois que você me visitou em Florença, encontrei uma frase de Karl Marx e fiquei obcecado por ela: ‘Tudo que é sólido desmancha no ar.’ Sempre que construímos alguma coisa, nós nos inspiramos na arquitetura do nosso corpo. Por isso, a obra tem uma estrutura sólida e um centro, mas é inerentemente frágil. Esse é o significado da frase ‘Tudo que é sólido desmancha no ar’. Portanto, eis a questão: Seremos agora capazes de imaginar algo totalmente diferente, algo inspirado nas plantas?”
Jornalista norte-americano, dá aulas de escrita de não ficção na Universidade Harvard e de jornalismo em Berkeley, na Universidade da Califórnia