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UTILIZAÇÃO DAS ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO: NOVOS ENFOQUES
João Suassuna - Engº Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
A sociedade tem que se definir com relação aos usos múltiplos das águas do São Francisco, para que o setor elétrico tenha tempo suficiente para se organizar e alterar a origem da energia.
O que já era previsto aconteceu. Entrou em vigor, semana passada, em todo o Nordeste brasileiro, o plano B do governo federal para racionar energia. Não podia ser diferente. Mesmo depois de tantas idas e vindas nas orientações do Ministério do Apagão, não houve jeito: os feriadões foram decretados para se evitar o pior - o famigerado apagão.
O incrível é imaginar que, diante dessa situação caótica em que se encontra o setor elétrico brasileiro, o governo federal havia apostado todas as suas fichas, no projeto de transposição de águas do rio São Francisco. Ora, transpor o quê, se já não existe água sequer para gerar energia? Fico a imaginar que isso também possa ter sido coisa de terroristas....
Mas, a julgar pelo que está por vir, creio que é chegada a hora de analisarmos a questão por outro ângulo.
A água é um bem comum e, como tal, ninguém é dela proprietário. Especificamente na região semi-árida nordestina, imagina-se fazer de tudo um pouco: a dessedentação de animais, a exploração do potencial irrigável da região, a geração de energia para o seu desenvolvimento, a navegação ou mesmo o abastecimento de uma infinidade de pessoas que tem seu sistema de fornecimento deficitário ou inexistente. Essas alternativas de usos, até certo ponto, são válidas, mas não devemos esquecer-nos dos pesados investimentos já realizados no setor elétrico nordestino (estimados em cerca de U$ 13 bilhões), os quais foram suficientes para instalar, na região, cerca de 10 mil MW, utilizando-se as águas do São Francisco ( o rio é responsável pela geração de mais de 90% da energia produzida no Nordeste).
A considerar que energia não é coisa banal e, como tal, não se pode estar brincando com ela (com o racionamento a economia do país foi atingida na sua essência), acredito que se deva tratá-la como um fator de segurança nacional, tendo o seu potencial resguardado, mediante a elaboração de um planejamento específico para o setor. Por outro lado, a bacia do São Francisco tem possibilidades técnicas para irrigar cerca de 1.000.000 de ha, com o uso de suas águas feito com muita parcimônia. Com essa área irrigada, poderemos ser o celeiro do mundo. Só para se ter idéia do que isso significa, o Chile, em apenas 200.000 ha irrigados, exporta, anualmente, cerca de U$ 1,5 bilhão em frutas. Temos, seguramente, no vale do São Francisco, cinco vezes mais possibilidades de produção de alimentos do que o Chile, com uma vantagem adicional: no Nordeste não neva.
O que preocupa, no entanto, é que o nosso país, que tem a sua matriz energética calcada em hidrelétricas, está com os investimentos nesse setor há muito defasados, fato que põe em risco o seu desenvolvimento. O país conta atualmente com cerca de 72.000 MW de potência instalada, dos quais 64.000 MW são específicos de hidrelétricas. Essa capacidade instalada irá produzir, no ano de 2001, cerca de 340.000.000 de MW/h, sendo 300.000.000 MW/h oriundos de hidrelétricas. Se considerarmos o crescimento da demanda energética do país, em cerca de 6% ao ano (percentual alcançado no Nordeste), em doze anos o país terá que duplicar a sua capacidade instalada, ou seja, terá que atingir 144.000 MW, com vistas a satisfazer a sua demanda. Ao invés de serem gerados anualmente 340.000.000 de MW/h, haverá necessidade de um total de 680.000.000 MW/h, dos quais 600.000.000 produzidos em hidrelétricas. Nesse sentido, é bom salientar que o potencial gerador do São Francisco já está praticamente esgotado. Portanto há de se perguntar: futuramente, onde será gerada a energia necessária para o desenvolvimento do Nordeste?
As discussões, doravante, terão que ser conduzidas, necessariamente, sob essa ótica. Caso a sociedade concorde na necessidade de se planejar os usos múltiplos das águas do São Francisco, através da elaboração de um orçamento que garanta volumes para irrigação, geração de energia, abastecimento das populações, transposição, uso industrial, etc., seria de bom termo que essa decisão fosse tomada com certa antecedência, para possibilitar, ao setor elétrico, tempo suficiente para se organizar e alterar a origem da energia, tendo em vista os prazos necessários que terão de ser obedecidos para o início e o término das obras das unidades geradoras (uma hidrelétrica leva, em média, de 7 a 10 anos para ser construída e uma termelétrica, de 4 a 6 anos). Essas medidas são importantes para serem postas em prática, pois ajudarão a população a se conscientizar da importância da questão - ÁGUA - no contexto desenvolvimentista do país.
Recife, 16 de outubro de 2001
Texto publicado no encarte Nordeste, da Gazeta Mercantil, do dia 13 de novembro de 2001.