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Transposição do São Francisco no estado da Paraíba: problemas técnicos e políticos
João Suassuna - Eng° Agrônomo, Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Barragem Armando Ribeiro Gonçalves - Açu (RN)
Além de serem desconsideradas as informações técnicas, o problema da transposição também passa a existir no trema na letra "o" de alguns organismos internacionais.
Temo-nos empenhado nos últimos anos em mostrar a necessidade de se ter um orçamento hídrico para, a partir dele, se planejar, de forma coerente, a solução dos problemas de abastecimento da região Nordeste. Freqüentemente, temo-nos reportado às questões relacionadas ao clima, à geologia, às vazões dos grandes rios da região - o rio São Francisco é o principal alvo de nossos comentários - na tentativa de mostrar a importância dessas variáveis para o suprimento de água às populações.
Recentemente, ao lermos o Jornal "O Norte", na Paraíba, edição do dia 5 de março de 2000, causou-nos curiosidade e até surpresa a matéria intitulada "Curema excluído da Transposição", alusiva a exclusão da principal represa da Paraíba, das alternativas que haviam sido propostas para a referida transposição no estado. Haviam sido concebidos, para a Paraíba, três eixos principais pelos quais passaria um volume de 20 m³/seg oriundo do São Francisco, para o suprimento dos que habitam as zonas secas do estado. O primeiro eixo, chegando pela represa de Curema, o segundo, entrando pelo município de Monteiro, na região do Carirí, e o terceiro, através do município de São José de Piranhas, fazendo chegar a água ao município de Sousa através do Açude Engenheiro Ávidos.
Segundo a matéria publicada, em uma reunião realizada em Brasília (DF), os secretários de recursos hídricos dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará houveram por bem excluir o ramal que ia com destino a Curema, ficando o estado da Paraíba, com o aval de seu secretário, com apenas dois eixos: o de São José de Piranhas e o de Monteiro.
Não se sabe ao certo as razões que levaram os secretários dos estados a tomar esse tipo de decisão, mas entendemos, e aqui voltamos a bater na mesma tecla, que a principal causa dos enganos cometidos está na ânsia de se querer levar água, a todo custo, para resolver os problemas hídricos da região, sem haver a preocupação de uma necessária averiguação das reais possibilidades das fontes supridoras. Se essa questão foi posta em discussão na reunião com os secretários, não ficou clara a razão de ter sido o eixo de Curema o principal escolhido para se proceder a referida exclusão, tendo em vista a existência, nesse eixo, de um potencial enorme de abastecimento.
A matéria trazida pelo jornal faz alusão a um componente político como o verdadeiro responsável pela exclusão do eixo Curema do processo de transposição na Paraíba, mas acreditamos que, além do componente político, deve ter havido também um erro técnico de escolha. Segundo o Coronel João Ferreira Filho, engenheiro civil especializado em recursos hídricos no Nordeste brasileiro e defensor da permanência das três entradas de águas para o estado da Paraíba, existe um canal recentemente construído pelo governo do estado (Canal da Redenção), pelo qual são levadas as águas da represa de Curema até as várzeas do município de Sousa. A exclusão do eixo Curema irá prejudicar as funções do Canal da Redenção, uma vez que, através do Rio do Peixe, as águas chegam às várzeas de Sousa por gravidade. Sem o referido eixo, as águas do Canal da Redenção só chegarão às várzeas de Sousa, através de uma estação elevatória, onerando demasiadamente o processo transpositório.
Nesse contexto, cabe uma questão: o rio São Francisco suportaria os três eixos transportando o volume de água pretendido para o atendimento das populações das regiões secas do estado da Paraíba? Entendemos que esse tipo de resposta só poderá ser obtida através da realização de um estudo de impacto ambiental por instituições que realmente conheçam com profundidade as questões nordestinas. A esse respeito, causou-nos espanto a informação contida no final da matéria de "O Norte", de que o estudo de impacto ambiental da transposição já havia sido preparado por um consórcio internacional, a Jaakko PÖyry-Tahal.
Não temos nada contra a capacidade técnica dos estrangeiros em tratar de assuntos ligados a avaliações ambientais, desde que essas avaliações sejam feitas em seus países de origem. Da forma como a questão está sendo aqui tratada, percebe-se claramente (aí já passa a ser uma questão de cunho monetário) que o estudo foi deliberadamente encomendado para se ter uma resposta bem definida: a de que é possível realizar a transposição sem haver maiores danos no ambiente nordestino.
Em um primeiro lance de vista, e pela forma de como o consórcio é grafado, fica até difícil se imaginar a origem dos países que o integram. É inconcebível, no entanto, se pensar que em um país como o Brasil, o qual tem um número significativo de universidades, centros de pesquisas, órgãos de gestão ambiental, não possua ou não possa contar com um corpo técnico qualificado, capaz de assumir e de dar conta de um estudo dessa magnitude. Certamente nós temos e podemos fazê-lo. Talvez o que esteja faltando aos nossos dirigentes é um pouquinho mais de seriedade para com as causas nacionais. Cremos que o trema existente sobre a letra "o" do nome do consórcio internacional aqui referido, bem reflete a competência que o mesmo irá dispensar à questão. Da forma como a transposição está sendo conduzida, infelizmente passamos a não acreditar no sucesso do empreendimento.
Recife, 13 de março de 2000.