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TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: UM ERRO QUE PODERÁ SER FATAL
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Rio São Francisco: o volume útil de geração de energia elétrica de seus reservatórios deveria ser tratado como uma questão de segurança nacional.
O Ministro do Meio Ambiente, Gustavo Krause, declarou ao Jornal do Brasil, na edição do dia 14 de maio último, que o governo federal investirá, até dezembro, mais de 1 bilhão de reais em projetos para ampliação da oferta de água e da área de culturas irrigadas no Nordeste. O Ministro fez uma defesa veemente do projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, o que denominou de "uma obra de engenharia mais política do que hídrica", quando se referiu à oferta de água para a região.
Como técnico da área, gostaria de alertar o senhor Ministro que a vontade de transpor as águas do Velho Chico poderá trazer conseqüências de proporções desastrosas.
Em primeiro lugar, como recifense, o Ministro não poderia deixar de lembrar do desagradável racionamento de energia elétrica ocorrido na cidade do Recife, no final da década de oitenta, motivado por problemas de vazão do rio, o qual levou a população a participar de uma verdadeira maratona para cumprir as inatingíveis cotas de oferta de energia elétrica estipuladas pela CELPE. Aquilo doeu, e doeu muito, no bolso da população. Sem desconsiderar a seriedade e a capacidade de trabalho do nosso Ministro, não posso concordar com suas declarações ao afirmar tratar-se de uma obra de "engenharia política", dando claros sinais de que o lado "técnico", no caso o da "engenharia hídrica", fica em um plano secundário. Ao ler a notícia, como cidadão brasileiro, entendi como mais uma alternativa política de convencimento da população para a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em segundo lugar, o Rio São Francisco não irá suportar mais esta retirada de água, no volume pretendido - 50 a 60 metros cúbicos por segundo -, sem que haja conseqüências negativas na geração de energia elétrica no complexo de Paulo Afonso. O Rio São Francisco, que teve prioridade inicial de geração e irrigação, corre inteiramente no Semi-árido sobre uma geologia cristalina, na qual seus afluentes têm caráter temporário. Este aspecto, por resultar numa constante diminuição de sua vazão ao longo do tempo, obrigou a CHESF a construir a represa de Sobradinho para manter a sua vazão em patamares seguros ao processo de geração. Ocorre que a represa de Sobradinho tem operado em regimes críticos - em janeiro de 98 ela apresentava um volume útil de geração de apenas 13% - nos levando a acreditar que praticamente o rio voltava a correr no seu leito como antes de ser represado. Não vamos ter água suficiente para gerar energia elétrica, irrigar e abastecer as cidades.
Se o problema é levar água ao Nordeste, por que não se pensar na integração das bacias Tocantins/São Francisco, onde, o custo para esta operação, segundo informações seguras de técnicos da CHESF, é da ordem US$ 116 milhões, em detrimento dos US$ 1,01 bilhões que é o verdadeiro custo da Transposição do Rio São Francisco? É uma alternativa que não deverá ser descartada.
Com tudo isso, fico surpreso com o silêncio da CHESF com relação a esta problemática. Acho que o momento é extremamente oportuno para a manifestação da instituição, que, no meu entender, é uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento da Região Nordeste, onde o fator Água é a sua principal razão de ser.
Finalmente, gostaria de alertar o Ministro, que o povo, aos pouquinhos, vai aprendendo as lições do dia-a-dia. Quando as alternativas políticas resultam em aperto monetário, e esta, fatalmente, será uma delas, a população costuma escolher aquela mais simples e consistente técnica e financeiramente. Outras eleições estão por vir e aconselho os políticos não cometerem erros dessa natureza, sob pena de terem dificuldades de se eleger, até quando o pleito for para vereador.
Texto publicado na FOLHA DE PERNAMBUCO do dia 28 de maio de 1998