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Transposição de Águas do São Francisco: com a corda no pescoço e de mãos atadas
João Suassuna - Eng° Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Fornecimento de energia: agora só nos restam os apagões
Na edição do Jornal do Commércio, do Recife, do dia 9 de novembro de 1999, foi apresentado um quadro bastante realista da situação volumétrica dos principais reservatórios do setor elétrico brasileiro. Nele, os percentuais referentes à capacidade volumétrica das principais represas do nosso país, naquele período, era estarrecedor. Represas como Três Marias e Sobradinho, pertencentes à bacia do São Francisco, estavam com percentuais acumulados de 18 e 13%, respectivamente; Serra da Mesa e Tucuruí, pertencentes à bacia do Tocantins, estavam com 34 e 55%; Furnas, Maribondo e Água Vermelha, pertencentes à bacia do Rio Grande, com 13, 12 e 24%; Ilha Solteira, localizada na bacia do Paraná, com 13% e Barra Bonita, Promissão e Três Irmãos, na bacia do Rio Tietê, com 17, 32 e 13%, respectivamente. Fazendo-se uma análise comparativa dos percentuais volumétricos acumulados auferidos por aquelas represas, pertencentes a diversas bacias hidrográficas do país, conclui-se que os problemas de acumulação hoje vividos não dizem respeito apenas às represas localizadas nas bacias hidrográficas nordestinas. Parece que o problema é de ordem mais ampla. O problema passou a ser nacional.
Esse é realmente um problema que nos assusta, se levarmos em consideração o crescimento do nosso país. Para se ter idéia da magnitude do problema, só o crescimento anual da demanda de energia elétrica da região nordeste é da ordem de 5,6%. O governo federal está consciente disso e parece que acordou. Comenta-se a implantação de um programa de termelétricas movidas a gás natural (serão construídas 49 unidades geradoras em todo o país), com o gás oriundo da Bolívia, da produção nacional e de outras regiões do planeta, como é o caso do gás proveniente da Nigéria. O governo federal acordou, mas é bem provável que tenha acordado tardiamente, tendo em vista ser de aproximadamente 3 anos o intervalo de tempo necessário para se montar o empreendimento termelétrico e de se gerar energia a partir dele. Talvez não tenhamos tempo suficiente para a conclusão dessas obras. O Brasil irá entrar, com antecedência, em regime de apagões. Essa assertiva está sendo defendida, atualmente, por Dr. Luiz Pinguelli Rosa, Vice-Reitor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos maiores físicos do nosso país. Segundo Dr. Pinguelli, a ameaça de colapso foi apresentada ao governo federal ainda na primeira gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, bem antes do apagão do ano passado (1999). Ele atribui a culpa do colapso iminente à falta de investimentos, às privatizações e à falta de uma política para o setor elétrico. Dr. Pinguelli comenta que, nos últimos dez anos, o Brasil deixou de investir na expansão do setor elétrico porque o Governo acreditou que o mercado faria os investimentos necessários, e prevê que o Governo não irá conseguir implantar as 49 térmicas num prazo de três anos. Ele entende que esse programa é, em parte, idealista.
Se traçarmos um paralelo dessas inquietações com as questões da transposição de águas do Rio São Francisco, iremos chegar a conclusão de que o problema é ainda mais complexo, pois o Rio São Francisco já vem apresentando, com certa freqüência, fragilidades no tocante à geração e, conseqüentemente, no atendimento às demandas energéticas nordestinas. Para se ter uma idéia do problema, em janeiro de 2000, a CHESF estava importando de Tucuruí - usina geradora pertencente à bacia do rio Tocantins (PA) - cerca de 800 MW, ou seja, aproximadamente 15% do consumo de energia do Nordeste. Atualmente, o governo federal dá sinais de que continuará investindo nessas questões, tendo em vista a recente inauguração de mais de 60 mil km de redes de transmissão de energia no país. No caso específico do Nordeste, entendemos que essa questão tem caráter paliativo: resolve-se, momentaneamente, um problema de fornecimento de energia aqui, criando-se outro de igual magnitude na região Norte, traduzido na possibilidade de exaustão precoce do seu potencial gerador. Até quando a usina de Tucuruí irá suportar essa oferta extra de energia para o Nordeste? Esse é um caso para ser pensado e levado em consideração em futuros planejamentos do setor elétrico. Se a questão, em termos de geração, já está atingindo esse grau de preocupação, imaginem nesse quadro de penúria hídrica, querer-se transportar parte das águas do Rio São Francisco para fins de abastecimento das populações. Certamente não iremos ter água para atendimento das populações sedentas, sem antes agravarmos mais ainda o quadro de geração de energia. Em outras palavras: se já estamos com a corda no pescoço e com as mãos atadas, o que estão pretendendo fazer, com relação à transposição, é dar apenas um empurrãozinho no tamborete.
Recife, 5 de julho de 2000