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SITUAÇÃO HÍDRICA DO SÃO FRANCISCO: AGORA SÓ NOS RESTA REZAR
João Suassuna - Eng° Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Represa de Sobradinho - a partir de novembro de 2002, quedas pluviais significativas serão fundamentais para a manutenção do sistema gerador de eletricidade do Nordeste.
Em maio de 2002, portanto no início do período seco no Alto São Francisco, publicamos um texto na Gazeta do Nordeste intitulado "GERAÇÃO ELÉTRICA: a situação é delicada". Nele, alertava-mos sobre as possibilidades de voltarmos a ter problemas na geração elétrica do Nordeste, devido aos baixos índices volumétricos alcançados na represa de Sobradinho naquele período, tendo a mesma apresentado, apenas, 63% do seu volume útil. No mesmo texto fizemos estimativas de que Sobradinho, ao final desse período seco, estaria com cerca de 20%, ficando o setor elétrico, mais uma vez, na dependência das benesses do apóstolo Pedro, para não padecer de novos racionamentos. Pelo visto, acertamos mais uma vez as nossas previsões. Estamos em outubro, portanto no final do período seco nas nascentes do Velho Chico, e Sobradinho encontra-se com 21% de seu volume útil, com perspectivas de, até dezembro, estar com aproximadamente 13% e com enormes possibilidades de acontecer o pior, ou seja, basta haver um descompasso na caídas das chuvas na região, para haver o retorno da loucura dos racionamentos vivenciados por toda população nordestina no ano passado.
Indícios dessa preocupação já começam a ser evidenciados. Referimo-nos aos prejuízos causados nos plantios de cebola na orla de Sobradinho. Segundo relato da mídia local, os ceboleiros daquela região já estimam uma queda de safra da ordem de 30%. Esse problema é devido ao esvaziamento repentino da represa, com a água se distanciando cada vez mais dos plantios irrigados, havendo a necessidade da construção de canais para o seu acesso, onerando em demasia a produção. Contudo, não se deve pensar que, os ceboleiros, apesar de viverem há muito tempo nesse ofício, simplesmente se tenham equivocado nas projeções das quebras de safra, em percentuais tão elevados. O fato é que as águas baixaram com muita rapidez, no atendimento às demandas do setor elétrico, não lhes dando tempo suficiente para restruturação dos trabalhos de campo e, o que se vê, no momento, é muito desespero na busca da água, que se esvai rapidamente.
O mês de novembro é marcado pelo início do período chuvoso na região. Isso pode ser entendido como um alívio para aqueles que labutam naquele trecho do Semi-árido, na esperança desse período vir a amenizar os problemas de escassez hídrica vividos. Mas, nunca é demais alertarmos para o fato de o fenômeno El Niño, instalado nas costas do Peru desde março do corrente ano, ter dado sinais de que não está "morto", ao contrário, tem-se manifestado em um plano global, ocasionando enchentes na Europa e secas no Brasil, especificamente no estado do Piauí e nos sertões do Araripe e do São Francisco, em Pernambuco.
Nesse sentido, já seria prudente ficarmos em estado de alerta e torcermos para que o El Niño não venha a ter influência significativa na distribuição das chuvas caídas na bacia do São Francisco, no período chuvoso em curso, trazendo conseqüências desagradáveis para o dia-a-dia dos que vivem na região. A possibilidade dessa influência existe e, o que é pior, não há soluções, pelo menos a curto e médio prazo, que propiciem a estabilização do setor elétrico, sem que haja mazelas, normalmente imputadas, tanto ao ambiente - com a poluição emanada das termelétricas que certamente serão acionadas - como também à economia - com a evasão de divisas oriunda da importação do gás natural para o funcionamento de tais térmicas. As conseqüências da falta de investimentos no setor elétrico já se fazem sentir no Nordeste, o que acarretará situações não muito agradáveis ao desenvolvimento de toda região. Nesse cenário, não nos resta outra alternativa senão a de rezar fervorosamente para enfrentarmos essa situação que apenas está no seu início, e apelar para todos os santos na busca de soluções que a região, não só necessita, como também merece ter.
Recife, 07 de outubro de 2002.
Texto publicado no encarte Nordeste, da Gazeta Mercantil, do dia 21 de outubro de 2002.