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OPÇÕES E LIMITAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA A REGIÃO SEMI-ÁRIDA DO NORDESTE.
João Suassuna - Engº Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Há cinco anos, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) vem coordenando no semi-árido nordestino, através de empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um programa que, entre outras atividades, gera e adapta tecnologias ao nível de produtor de baixa renda - o Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para o Nordeste (PDCT/ NE). Este Programa é executado por cinco Universidades da região (as federais do Piauí, Ceará, Paraíba, Rural de Pernambuco e Escola Superior de Agricultura de Mossoró), e tem como principal objetivo elevar o nível de renda do produtor, de forma a dar-lhe condições de poder resistir às adversidades climáticas da região. Tendo assumido a coordenação do subprograma de Geração e Adaptação de Tecnologias (GAT) do PDCT, adquiri, ao longo de sua vigência e através de observações periódicas nas viagens de supervisão que realizei, uma experiência de campo que reputo da mais valiosa e que vem contribuindo, sem a menor sombra de dúvida, para a ampliação de meus conhecimentos sobre a realidade nordestina. O Programa atua com oito tecnologias já testadas experimentalmente e passíveis de difusão. São elas: irrigação, agricultura de sequeiro, caprinocultura, ovinocultura, apicultura, piscicultura, reflorestamento e biogás. Iremos nos reportar neste artigo a apenas duas delas, a irrigação e a caprinocultura, por já termos adquirido uma opinião formada acerca de suas práticas nos limites do semi-árido. Quero deixar claro que este relato deve ser entendido pelo leitor como sendo uma opinião de um agrônomo, que fez observações em um Programa ao longo do tempo, e nunca como recomendações do analista de desenvolvimento cientifico, que é o cargo que ocupo atualmente no CNPq. Os projetos de Irrigação foram concebidos no PDCT levando-se em consideração as potencialidades das propriedades, em termos de qualidade de solo, quantidade e qualidade de água disponível, topografia do terreno, distância entre o ponto d'água e a área a ser irrigada, entre outras. Para cada uma dessas situações é possível a indicação de um sistema de irrigação adequado, podendo este ser por aspersão, xique-xique (sistema em que a água é posta no pé da planta de forma localizada), tubos janelados, microaspersão, gotejamento e por mangueira. A cultura principal que está sendo explorada é a banana em cerca de 1 ha por projeto, tendo sido também introduzidas outras culturas como a graviola, pinha, citros, goiaba, uva, mamão e algumas hortaliças, mas estas em menor quantidade. Ao todo, o Programa assiste 95 propriedades até 100 ha nos cinco estados da região, das quais 82 possuem projetos de irrigação. Uma característica marcante nas pequenas propriedades do trópico semi-árido nordestino é a escassez de água ou mesmo a sua inexistência. Poucas são aquelas que foram contempladas com perfuração de poços amazonas, ou mesmo com construção de pequenos açudes, através de programas de desenvolvimento regional existentes em governos passados. Este talvez tenha sido o maior problema enfrentado pelo PDCT na época da seleção das propriedades, pois sua implantação estava condicionada a existência de pontos d'água nas mesmas, sendo vedado o financiamento para a sua construção. Desse modo o Programa iniciou-se no ano de 1984, utilizando para a atividade de irrigação, na sua grande maioria, poços amazonas e em menor percentagem os grandes açudes públicos, rios perenizados e os pequenos açudes das propriedades. Do que pude depreender, ao longo dos cinco anos em que estou envolvido com o Programa, a afirmativa de que a irrigação é a salvação do Nordeste semi-árido é, no mínimo, utópica. Estamos longe de afirmar categoricamente isto. Torna-se necessário levar em consideração um fator muito importante e que é o básico de tudo: o ciclo natural da água aliado às características dos solos do Nordeste. Neste, após as precipitações pluviais, um dos destinos da água é o de se infiltrar no solo, formando os lençóis freáticos. Sabemos que no Nordeste semi-árido, as precipitações são poucas e extremamente mal distribuídas. Quando estas ocorrem, vêm em intensidade de tal ordem que o escorrimento superficial torna-se muito maior do que a percentagem de água que se infiltra no solo, ocasionando as famosas enchentes nordestinas que têm causado tanta destruição. Toda esta água, quando não aproveitada, é escoada para o mar. O que resta após passada a tormenta, é um bom período de tempo sem precipitações impedindo que as culturas completem o seu ciclo vegetativo. Quando praticamente tudo está perdido, novas precipitações são registradas, fechando-se assim o ciclo da chamada "seca verde" do Nordeste. O semi-árido nordestino está em cima de praticamente 70% de um escudo, que na linguagem geológica é chamado de cristalino. Numa comparação grosseira, é como se a mesma estivesse sobre um prato, onde a pouca quantidade de água que consegue se infiltrar no solo é armazenada no fundo. Não havendo reposição dessa água, e com a constante utilização da mesma na propriedade, aliada a uma demanda evapotranspirativa que em algumas regiões chega a atingir 2.000 mm anuais, o nível do lençol freático vai baixando paulatinamente, até o ponto de ser exaurido. É exatamente isto que ocorre no semi-árido em épocas de escassez de chuvas. Acabei de retornar de uma viagem de supervisão do Programa no Estado da Paraíba, onde visitei os municípios de Cajazeiras, Sousa, Pombal, Catolé do Rocha, Picuí e Barra de Santa Rosa. A situação é desesperadora uma vez que o inverno do ano passado (1988) foi extremamente irregular em termos de ocorrência de chuvas, os açudes receberam pouca água, o mesmo acontecendo ao nível do lençol freático. Como as chuvas de 1989 atrasaram (no dia 17 de março ainda não havia chovido na região), o problema começou a se agravar. Presenciei cenas tristes de pequenos açudes totalmente secos, outros em vias de secar, e poços amazonas com vazões extremamente baixas a ponto de, em uma hora de bombeamento, ocorrer a sua total exaustão, e o que é mais grave, apresentando a água teor de sais acima do aceitável para a irrigação, acarretando sérios problemas tanto para a cultura quanto para o solo. Duas propriedades, uma no município de Catolé do Rocha e outra em Sousa, já haviam suspendido a irrigação da cultura da banana, por se haver julgado comprometidas as produções, estando atualmente os produtores irrigando outras parcelas com citros e coco numa tentativa de não perder o projeto. Atualmente, não dispomos de dados conclusivos, a nível global, acerca do comportamento das culturas sob o regime de irrigação, uma vez que o processo avaliatório está em curso nas Universidades. O que podemos adiantar é que o aspecto vegetativo das culturas tem se mostrado variável em termos de maior ou menor vigor, de acordo com a quantidade e a qualidade da água utilizada, o que fatalmente irá se refletir na sua produtividade. Em propriedades que utilizam água de grandes represas, como é o caso daquelas às margens dos açudes públicos de Boqueirão e Condado, na Paraíba, açude de Brotas, em Afogados da Ingazeira (PE), ou mesmo às margens de rios perenizados como é o caso do Pajeú e Brígida no Sertão pernambucano, as culturas se mostram com bom aspecto e praticamente não demonstram anomalias, pelo menos mais sérias, com relação a ação de sais, o que não acontece com propriedades que têm o seu sistema de irrigação abastecido por poços amazonas. Nestas, em períodos críticos, a bananeira habitualmente apresenta uma queima no bordo das folhas tendo sido freqüente a permuta com culturas mais resistentes à ação dos sais, como é o caso da goiaba e do coco, como forma de solucionar o problema. No nosso ponto de vista, esta solução tem caráter passageiro, uma vez que é difícil se fazer um prognóstico acerca do comportamento das culturas que serão conduzidas futuramente, quando utilizada esta qualidade de água, aliada as deficientes práticas de drenagem. É provável que não se consiga conduzir qualquer tipo de agricultura em futuro próximo, face ao comprometimento dos solos. No CNPq, temos nos preocupado bastante com o problema, a ponto de executarmos, juntamente com o Office de la Recherche Scientifique e Technique d'Outre Mer(ORSTOM) unidade de pesquisa do governo francês, sob a coordenação do dr. Pierre Audry, um trabalho de análise mensal dos teores de sais das águas utilizadas nas propriedades do GAT para fins de irrigação. Este trabalho está em vias de conclusão, e dará uma idéia muito boa da existência da sazonalidade dos teores de sais na água ao longo do ano, fato este que parece não ser levado em consideração aqui no Nordeste. Diante do problema acima levantado, não quero transparecer que sou contra a irrigação no Nordeste. Muito pelo contrário, acho que ela tem o seu espaço, a exemplo das boas experiências aqui relatadas, mas não nos moldes em que está sendo praticada. O nordestino, inclusive, parece ter a memória muito curta, pois acabamos de sair de uma seca que se estendeu ao longo de cinco anos (de 79 a 83) onde a situação ficou talvez mais agravada do que aquela relatada anteriormente, bastando ser registrados alguns invernos mais ou menos regulares, para se começar a propor a irrigação de um milhão de hectares no Nordeste, sem haver a preocupação de se entender melhor a variação sazonal da disponibilidade de água no solo, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. Da forma como está sendo colocada, a proposta nos parece pouco sensata. No nosso modo de entender, para se ter o mínimo de racionalidade, a prática da irrigação no Nordeste deveria passar, necessariamente, por um zoneamento a nível estadual, onde se faria um levantamento das áreas com potencial para tal fim, levando-se em consideração a quantidade e a qualidade da água, bem como a qualidade dos solos. Neste caso, se faria um mapeamento dessas áreas, e se vinculariam a elas, as solicitações de créditos bancários para a implantação e custeio da irrigação, ou seja, as propriedades que estivessem circunscritas nestas áreas, poderiam ter acesso ao crédito, em caso contrário o mesmo deveria ser vetado. Aliás, é bom ressaltar que, mesmo em áreas pertencentes ao zoneamento, é fundamental a prática da drenagem, devendo esta ficar também sujeita às fiscalizações e exigências dos técnicos das instituições financiadoras. Só dessa forma é que começamos a vislumbrar uma possibilidade de se iniciar a prática da irrigação no Nordeste, pois o que está se fazendo na atualidade é pura "aguação". Traçado este quadro um tanto desolador, mas extremamente real, a pergunta que se faz é a seguinte: o que produzir numa região onde o fator limitante é a água? A resposta parecer ser um tanto simplória, mas é a pecuária. A caprina principalmente. O Nordeste brasileiro é detentor atualmente de 93% do efetivo nacional desse tipo de pecuária, com animais na sua grande maioria rústicos, porém improdutivos. Para se ter uma idéia, as fêmeas às vezes mal chegam a produzir leite suficiente para o sustento de suas crias, devido às adaptações que sofreram com as adversidades climáticas da região desde a época do descobrimento, quando o caprino aqui foi introduzido. O que se pretende realizar em termos de caprinocultura no PDCT é resgatar a sua produtividade, aproveitando a rusticidade que lhe é peculiar, através de cruzamentos das nossas cabras nativas, as chamadas SRD (sem raça definida), com animais de alto potencial leiteiro, como é o caso das raças Parda Alpina e Saanen, e atingir, já na primeira geração, uma meta de 1,5 Kg de leite/cabra/dia. Esta meta parece um tanto ambiciosa, já que nossas cabras nativas produzem cerca de 200 a 300g de leite/dia, mas devido ao vigor híbrido dos animais, é perfeitamente possível. O Programa, além desse manejo reprodutivo, orienta o produtor na higiene do rebanho, construção de abrigos com materiais rústicos e existentes na propriedade, na formação de bancos de proteínas com leguminosas, bem como com todos os tratos indispensáveis à condução racional da criação. O que se pôde observar ao longo dos cinco anos do Programa, foi sem sombra de dúvida, um verdadeiro sucesso em termos de ganhos tecnológicos para esta atividade. Podemos citar algumas propriedades do GAT, tais como a Nova Esperança, em Angicos(RN), Riacho dos Alcindos, em Sousa (PB), Poço Redondo, em Nazarerinho (PB), Vaca Morta, em Pau dos Ferros(RN) entre outras, que iniciaram seus rebanhos com um reprodutor e dez matrizes e hoje, passados três anos de atividade, já estão com mais de cinqüenta animais, todos em regime de produção, inclusive com o produtor fabricando queijo em sua propriedade. É impressionante o nível de satisfação do produtor diante de sua criação em época de seca. Ele fica sem acreditar como um animal sobrevive naquela situação de semideserto, parecendo até gostar do ambiente ali formado pela natureza, de pouco verde e muito cinza. É exatamente neste ambiente que o caprino leva vantagem em relação a outros animais, uma vez que ele se satisfaz com o mínimo necessário para a sua sobrevivência, seja comendo a ponta de um galho desfolhado, seja roendo a casca de uma árvore, chegando a preferir este tipo de alimento a uma suculenta touceira de capim. Acho, inclusive, que se deva tecnificar mais a criação dos caprinos ao nível de pequeno produtor, com a prática da inseminação artificial, em face da carência de reprodutores de padrão genético adequado na região. Neste sentido, foram desenvolvidos por pesquisadores do CNPq em Campina Grande (PB), equipamentos de inseminação muito práticos e eficientes, que competem com os importados, bem como adquirido pelo PDCT uma máquina para produção de nitrogênio líquido, com vistas ao acondicionamento do sêmen dos reprodutores de alta linguagem para se começar o trabalho. Esta máquina encontra-se em dependências da UFPB em Campina Grande, estando em fase de montagem. Para a prática da inseminação em si, acho que deva ser a mais simples possível, onde o técnico extensionista local de cada município poderá ser capacitado a programar o cio dos animais, através do uso de esponjas intravaginais com hormônios específicos, e retornar posteriormente à propriedade, com o botijão de nitrogênio líquido contendo as ampolas de sêmen, para a conclusão dos trabalhos. Numa simples programação, ele poderá percorrer um determinado número de propriedades por dia e executar um trabalho simples e eficiente, garantindo a melhoria do padrão genético dos nossos animais.
Coleção Mossoroense,
Série B, nº 658, 1989
http://10.0.41.18/index.php?option=com_content&view=article&id=781