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Meio ambiente: informação zero, artigo de João Suassuna
Revista Cidadania & Meio Ambiente
- 12, outubro de 2007
EcoDebate
VELHO CHICO: VÍTIMA DE EQUÍVOCOS
Há cerca de uma década estamos envolvidos com as questões do Rio São
Francisco, notadamente com o projeto de transposição de suas águas.
Durante esse período, chegamos à conclusão de que existe uma enorme
desinformação quanto ao tratamento das questões ambientais do Nordeste,
principalmente da sua região semi-árida e, o que é pior, estão deliberando
as ações de desenvolvimento na região com base nessa desinformação.
Na nossa ótica, o caso da transposição do Rio São Francisco é emblemático.
Várias foram as denúncias que já fizemos sobre as agressões praticadas
ao ambiente natural por onde corre o rio, sem que estas, no entanto,
tenham sido levadas a sério pelas autoridades.
Na tentativa de mantermos o leitor informado, passamos a relatar mais
algumas informações, as quais foram recentemente socializadas nos meios
de comunicação. Referimo-nos à incapacidade volumétrica do rio para
atendimento aos diversos usos a que é submetido, principalmente aqueles
referentes à geração de energia e à irrigação que se pretende realizar
fora de sua bacia hidrográfica, em áreas do polígono das secas.
Com relação aos problemas existentes
na geração de energia,
além daqueles que já socializamos
no artigo “As indefinições da geração
de energia no Nordeste brasileiro”,
trazemos à baila outras inquietações do
professor e hidrólogo José do Patrocínio
Tomaz Albuquerque, da Universidade
Federal de Campina Grande.
Ao tecer comentários sobre o projeto de
transposição do Rio São Francisco, Tomaz
Albuquerque demonstra que os diagnósticos
até então realizados estão eivados de
equívocos e impropriedades, principalmente
aqueles relacionados ao uso indiscriminado
das vazões de base provenientes dos
principais aquíferos existentes na bacia do
Rio. Em seus comentários, Patrocínio exemplifica
o uso das vazões do Urucuia –
aquífero responsável por mais da metade
da vazão de base do Velho Chico –, que
registra atualmente, a jusante de Sobradinho,
cerca de 1.200 m³/s.
VAZÃO EM PROCESSO DE EXAUSTÃO
O que nos tem preocupado é que a vazão
média regularizada do Rio São Francisco
vem diminuindo paulatinamente a cada
ano, o que julgamos ser decorrência dos
usos exaustivos que estão sendo feitos nos
aquíferos existentes em sua bacia, conforme
foi relatado pelo professor Patrocínio.
Projetada inicialmente para regularizar a
vazão média do Rio em cerca de 2.060 m³/
s, a represa de Sobradinho, no momento,
regulariza uma vazão de cerca de 1.850 m³/
s em sua foz. Essa diferença para menor é
resultado, segundo a nossa ótica, dos usos
múltiplos que já estão sendo praticados
em sua bacia, tanto na irrigação como no
abastecimento das populações.
Nossa afirmação é fácil de entender, porquanto
na abrangência do aquífero Urucuia existem
extensas áreas irrigadas em território baiano,
principalmente para as culturas da soja
e do café, áreas essas que fazem parte da
expansão da fronteira agrícola do nosso país.
Patrocínio afirma essa diminuição volumétrica,
alertando sobre as consequências que já
estão ocorrendo na diminuição do fluxo basal
para o escoamento fluvial que chega em
Sobradinho, o que provavelmente está resultando
na redução da vazão daquela represa,
com reflexos nefastos na geração de
energia e no atendimento de outras demandas,
inclusive do projeto de transposição.
Com relação aos problemas existentes na
irrigação que se pretende realizar em áreas
do polígono das secas, recentemente participamos
de um evento na Fundação Gilberto
Freyre, no Recife, no qual foram discutidas,
pelo professor da Unicamp, Carlos
Suzuki, as perspectivas de cooperação
Brasil-Japão, nos assuntos relacionados
ao biocombustível e meio ambiente.
NORDESTE: HIDROLOGIA DELICADA
Em conferência proferida basicamente
sobre as perspectivas da produção do
etanol no país, o professor Suzuki também
teceu comentários acerca do potencial
existente para o plantio de cana-de-açúcar
no Nordeste semiárido. Relacionando
cores ao potencial produtivo da
referida cultura (azul para potencialidades
altas, vermelha para potencialidades
baixas e verde e amarelo para potencialidades
intermediárias), o conferencista
apresentou um mapa, no qual, para espanto
nosso, havia, na região semiárida
nordestina, extensas áreas de coloração
azul, indicando a existência de altas potencialidades
na região seca nordestina
para a produção daquela cultura.
Ora, quem lida com questões sucroalcooleiras
bem sabe que a cana-de-açúcar
é uma cultura muito eficiente em termos
produtivos e muito exigente em
água, necessitando, portanto, de um
grande aporte hídrico para o seu desenvolvimento.
Não é por outra razão que a
cultura se desenvolveu, nos últimos 500
anos, na zona da mata nordestina, região
que apresenta precipitação média de cerca
de 1.600 mm/ano.
Durante os debates ocorridos no evento,
mencionamos os exemplos de produção
de cana-de-açúcar irrigada no
vale do Rio São Francisco (usina Mandacaru,
no município de Juazeiro, BA),
em região semiárida, onde foram registradas,
por aquela indústria, produtividades
equivalentes àquelas obtidas na
região açucareira de São Paulo, mas com
a ressalva de que não poderíamos cometer
o grave erro de extrapolar os resultados
obtidos em Juazeiro para o
semiárido como um todo. Seguramente,
o semiárido não dispõe dos volumes
hídricos necessários para assegurar
o desenvolvimento da cultura de
cana-de-açúcar em larga escala, conforme
fora informado na conferência.
Sabedores de que o Nordeste semiárido
não dispõe dos volumes hídricos exigidos
para o desenvolvimento desse tipo de cultivo,
fizemos a suposição de que os mesmos
estavam sendo considerados através
de aportes oriundos do Rio São Francisco,
via projeto de transposição. Salientamos,
no entanto, que o projeto é polêmico
e, portanto, nada está definido com relação
à implantação do mesmo. Chegamos a
considerar a possibilidade dessa suposição
ser concretizada, o que acarretará o
golpe de misericórdia em um rio, cujo regime
já se encontra limitado e, portanto, sem
a mínima possibilidade para outros fornecimentos
volumétricos. Desse modo, caso
concretizado o projeto, a instalação do
caos na bacia do rio torna-se iminente.
Ao responder a nossas inquietações, Suzuki
concordou quanto à impossibilidade de o
Rio São Francisco atender a essas novas
demandas, citando, inclusive, exemplos de
rios na China que vieram a secar, quando
submetidos a usos indiscriminados de suas
águas sem o planejamento devido.
Com relação à coloração azul do mapa em
extensas áreas do semiárido (potencial alto
para o plantio de cana-de-açúcar), o conferencista
fez questão de informar que não
havia tido participação alguma naquele estudo
e, portanto, não tinha nenhuma responsabilidade,
ficando clara a falta de compromisso
das instituições com relação às
questões do nosso desenvolvimento.
Após a conferência do Carlos Suzuki, ficou
evidente que a Unicamp não tinha conhecimento
de causa para com as questões hidrológicas
nordestinas. Faltou-lhe a informação
essencial: o conhecimento de uma realidade
que nos parece só ser conhecida dos nordestinos.
Cremos que para esses assuntos a
instituição se mostrou desinformada, o que
nos fez recordar as observações do ilustre
paraibano Lynaldo Cavalcanti, ex-presidente
do CNPq e atual secretário executivo da
Associação Brasileira das Instituições de
Pesquisa Tecnológica/Abipti, quando afirmou
que o Nordeste não necessita da transposição
das águas do Rio São Francisco. O
que realmente a região necessita é da transposição
do conhecimento, a verdadeira geração
de nossa maior riqueza.
João Suassuna – Engº Agrônomo e
Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco,
colaborador e articulista do EcoDebate