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Limitações do Rio São Francisco no atendimento das demandas hídricas do Setentrional nordestino
Abertura do evento pelo Professor Mauro Carneiro dos Santos, Presidente da APCA
Conteúdo da conferência do acadêmico João Suassuna
O setentrional nordestino, que há seis anos vem enfrentando situações de seca, está em “estado de emergência”. Muitos dos municípios da região, como Campina Grande, na Paraíba, que tem aproximadamente 355 mil habitantes, e Caruaru, em Pernambuco, com 300 mil habitantes, enfrentam problemas de abastecimento de água para o consumo de suas populações. “Não há um Plano B para o abastecimento do povo” se não chover os volumes esperados para o atual período das águas.
As secas da região normalmente ocorrem de forma lenta e gradual, mas a atual se agravou por causa dos sucessivos períodos de estiagem nos últimos anos. As conseqüências do fenômeno podem ser observadas em todo o Semiárido onde, desde 2012, com as chuvas ocorrendo abaixo da média, açudes secaram e a agricultura sofreu um impacto muito forte, com a perda de culturas de subsistência como o milho e o feijão, o mesmo ocorrendo com a pecuária (a da Paraíba, por exemplo, diminuiu em cerca de 70% com a seca de 2013).
A deficiência (muitas vezes, a inexistência) de gestão dos recursos hídricos da região é, atualmente, o maior problema do Nordeste. Como exemplos do uso incorreto das águas, pode ser citado o açude de Boqueirão de Cabaceiras, na Paraíba, que abastece Campina Grande e mais 18 municípios de seu entorno, que chegou ao volume morto em 2017. Atualmente (maio de 2018), este açude trabalha com cerca de 35% de sua capacidade e em fase de declínio volumétrico, mesmo após os aportes provenientes das chuvas ocorridas na quadra chuvosa em vigor e dos volumes da Transposição do Rio São Francisco, a partir de junho de 2017. Outras represas igualmente interanuais (aquelas que alcançam a quadra chuvosa do ano subsequente, mesmo com o uso continuado de suas águas), como Coremas e Mãe D’Água, no interior da Paraíba, com capacidade para acumular, juntas, um bilhão e 200 milhões de metros cúbicos de água, estão atuando com 20% e 10% de suas capacidades, respectivamente. Estes volumes estão aquém daqueles necessários para o atendimento das demandas hídricas das populações locais. A represa de Coremas chegou a entrar em colapso em 2017. Neste mesmo ano, a represa de Jucazinho, que abastece as cidades de Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru, em Pernambuco, os açudes de Itans e Gargalheiras, no Rio Grande do Norte, entraram em exaustão. A maior represa do Nordeste, o Castanhão, no Ceará, e a segunda maior, a Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte, também entraram em volumes mortos em 2017. Além dessas, a represa de Sobradinho, na Bahia, com capacidade para armazenar 34 bilhões de metros cúbicos de água, há cinco meses (dezembro de 2017), se encontrava com 2% da sua capacidade. Hoje, atua com 37%, porém com esse percentual já em declínio e, segundo a previsão de alguns hidrogeólogos, entrará em volume morto até o final de dezembro próximo, caso não chova o suficiente e o uso das águas do São Francisco não se realize dentro de padrões técnicos adequados. O abastecimento da região está sendo feito por frotas de caminhões-pipa, com águas de origem duvidosa, as únicas de que se dispõe no momento, já que o Nordeste inteiro está desidratado e com baixos volumes em suas represas. Essas águas, fornecidas para o consumo humano, certamente predispõem toda região a sérios problemas de saúde pública como a hepatite, esquistossomose, verminoses, dentre outras enfermidades veiculadas pela água.
Quando uma represa é construída, ela pereniza o rio por ela represado, com uma determinada vazão. Essa vazão, denominada “vazão de regularização”, garante 100% do uso das águas, desde que os volumes retirados não sejam superiores àqueles determinados e garantidos pela represa. O que vem ocorrendo nos últimos anos no Semiárido, por falta de uma gestão hídrica adequada, é a utilização das águas, em quantidades maiores do que as tecnicamente recomendadas e sem o mínimo controle, na irrigação e no próprio abastecimento das populações. Acrescente-se a esse cenário os volumes perdidos com vazamentos, evaporação e infiltrações e se pode ter uma ideia da gravidade do problema. A represa de Boqueirão de Cabaceiras é exemplar nesse aspecto: após um longo tempo “operando no vermelho” (volume morto), apesar de ter recebido boas contribuições no período das águas de 2018, permaneceu numa situação de penúria hídrica, acumulando cerca de, apenas, 35% de seu volume total. Mesmo assim, as autoridades paraibanas do setor hídrico abriram suas comportas para socorrer Acauã, represa localizada à jusante, cujo volume se encontrava em torno de 2% de sua capacidade total. Apesar da boa intenção do poder público em recuperar a represa de Acauã, o volume defluído de Boqueirão (cerca de 4,8 m³/s) superava, em muito, o 1,25 m³/s da vazão de regularização 100% garantida pela barragem. Embora, posteriormente, essa vazão inicial de defluência tenha sido reduzida, pelo DNOCS, para cerca de 50%, a represa já dá indícios de queda volumétrica, mesmo a região estando em plena quadra chuvosa.
O que fica muito claro, a partir da análise dos dados anteriormente fornecidos, é que o preceito hidrológico de boa gestão volumétrica das águas dos açudes tem que ser respeitado, sistematicamente, e com muita determinação, porque, agindo-se de forma contrária, as represas vêm a secar. Ou seja, “cobre-se um santo, descobrindo outro”!
Outra área preocupante é a bacia do Rio São Francisco que, apesar de ter recebido boa quantidade de água por conta das chuvas mais regulares de 2018, continua sem poder garantir o abastecimento hídrico da região.
Atualmente (maio de 2018), a represa de Três Marias vem liberando cerca de 158 m³/s em direção à represa de Sobradinho. Essa baixa defluência, necessária para garantir uma capacidade volumétrica adequada ao bom desempenho de Três Marias, dentro de padrões seguros de geração, preservando o bom funcionamento da hidrelétrica que nela opera, vem provocando impactos no cotidiano das pessoas e no ambiente natural da bacia do São Francisco, principalmente no tocante à manutenção da vida de suas lagoas marginais.
A Companhia Energética de Minas Gerais – (Cemig), a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – (Chesf) e a Agência Nacional de Águas (ANA), instituições que gerenciam os volumes do São Francisco em Três Marias e em Sobradinho, vêm tomando providências para que esta última não passe a “operar no vermelho”. Além de terem instituído a quarta-feira como o Dia do Rio (quando é proibido o uso de suas águas pelo agronegócio), estão também empenhadas numa liberação volumétrica adequada da represa de Três Marias para a de Sobradinho, e desta em direção à foz do São Francisco, a fim de preservar a segurança das vazões de ambas as represas, sem comprometer o atendimento das suas inúmeras demandas hídricas, tais como a irrigação, geração de energia, navegação e abastecimento das populações. Apesar disso, em maio, começo do período da seca, em Bom Jesus da Lapa, o Velho Chico já começava a dar indicativos de que, este ano, as coisas não serão fáceis para os ribeirinhos. Os técnicos da Cemig esperam que a quadra chuvosa de 2018 ainda lhes proporcione grau de liberdade suficiente para os aumentos necessários de vazões da represa de Três Marias em direção à de Sobradinho.
Outro grande problema para a gestão dos volumes da represa de Sobradinho é a expressiva retirada de água dos subsolos dos principais aquíferos existentes na bacia do Velho Chico. Esse fato, somado ao longo período de secas ocorrido desde 2012, vem influindo no volume defluído da represa para o Submédio e o Baixo curso do rio, atualmente de apenas 550 m³/s, em média, quando a vazão mínima exigida pelo Ibama, a chamada vazão ecológica, é de 1300 m³/s, o que cria um déficit de cerca de 750 m³/s naquela região. Dessa forma, a solução definitiva para esse momento crítico da região do São Francisco passa a depender da ocorrência de chuvas, ou seja, das providências divinas, o que também se constitui o fiel da balança para a regularização do atendimento das demandas hídricas de todo o Semiárido.
Mais uma questão importante que precisa ser levada em consideração é a dos aquíferos do Rio São Francisco, dentre eles, o Urucuia e o Bambuí, que desempenham papel fundamental no regime hidrológico do Velho Chico (principalmente no volumétrico), porque apresentam geologia sedimentária, com solos porosos, o que facilita a infiltração da água da chuva, para a formação dos chamados lençóis freáticos. Segundo o hidrogeólogo José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, o Aquífero Urucuia, por exemplo, é responsável por cerca da metade da vazão de base que aflui na represa de Sobradinho. É nos lençóis freáticos desse aquífero que ocorrem, de forma lenta (cerca de alguns centímetros a cada dia), os fluxos de base em direção à calha do rio.
As águas desses aquíferos estão sendo super exploradas na irrigação, em uma região de intenso cultivo agrícola (agronegócio), para produção das culturas de soja e milho, por intermédio de equipamentos chamados pivôs centrais, que consomem uma quantidade expressiva de água (cerca de 2600 m³/h, cada unidade). No Oeste da Bahia, por exemplo, estima-se a existência de mais de uma centena deles, o que constitui uma extrema desproporcionalidade entre as águas que estão sendo exploradas e os lentos volumes de base que são direcionados, diariamente, para a calha do rio, alimentando a sua vazão. Também na região do Mapitoba (região de extensa atividade agrícola, fronteira dos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), localizada sobre o aquífero Urucuia, onde as autoridades estimam uma produção recorde de cerca de seis milhões de toneladas de grãos, as águas subterrâneas estão sendo descontroladamente exploradas, por meio de pivôs centrais e de usos indevidos (furtos e desvios para outros fins). Esses fatos têm interferido no atual quadro de crise hídrica existente na bacia do Velho Chico, contribuindo para acabar com a vida do rio.
Diante do exposto, fica evidente que a gestão correta das águas do Semiárido também diz respeito ao planejamento dos usos volumétricos dos principais aquíferos da região, respeitando-se o uso correto de suas vazões de base.
No Nordeste brasileiro existem áreas nas quais as secas ocorrem com menor intensidade, mas existe uma área denominada de “Miolão da Seca” (descrita por Otamar de Carvalho, em seus trabalhos), na qual as situações de estiagem são mais frequentes: 80% das secas do Semiárido ocorrem nessa área de sua parte setentrional. É para lá que foi planejada a chegada das águas do Rio São Francisco, através do projeto da Transposição, visando à solução dos problemas de abastecimento das populações. Hoje, boa parte dos municípios do Miolão da Seca está em estado de emergência, com o abastecimento, via de regra, sendo realizado com frotas de caminhões-pipa. Essa situação traz um enorme constrangimento para as populações, já que, além de serem abastecidas de forma precária, com água de péssima qualidade, ainda enfrentam reflexos negativos no trânsito dos municípios. Afinal, estima-se uma frota com cerca de cinco mil caminhões pipas transitando e tentando resolver as necessidades hídricas do povo.
A saída seria iniciar um programa de gestão adequada dos recursos hídricos interiores (de represas e de subsolo). Mas, como estamos em uma situação na qual não existem, ainda, volumes suficientes nas represas para se iniciar esse gerenciamento, não há outra solução, a não ser a de se esperar a quadra chuvosa iniciada no mês de novembro de 2017 e atualmente em vigor. Caso as chuvas não continuem a ocorrer de forma satisfatória, o problema tende a se agravar, já que as águas do embasamento cristalino são poucas e de má qualidade (salobras) e aquelas represadas são insuficientes para o atendimento planejado das demandas da população. Essa situação demonstra a necessidade do poder público começar a traçar estratégias de aproveitamento das águas já acumuladas nas represas, cisternas, ainda presente em poços, etc., contando, para tanto, com planos de gestão eficientes e condizentes com a gravidade da situação reinante. Já que a água é um bem natural finito, a sua busca tem que ser empreendida com muito planejamento e seu uso realizado com muita parcimônia.
Nesse aspecto, é imperioso dar a devida importância aos trabalhos desempenhados pela ASA Brasil, uma instituição não governamental (ONG), que congrega 600 outras ONGs, com ações voltadas para a convivência com o Semiárido. A ASA trabalha com cerca de 40 tecnologias do setor hídrico, a exemplo de cisternas rurais de placas, cisternas produtivas tipo calçadão, barragens subterrâneas, mandalas, entre outras. O êxito para o bom funcionamento dessas tecnologias está na racionalidade do uso das águas.
A ASA Brasil trabalha com cisternas rurais de placas, com capacidade de 16 mil litros e, também, com aquelas voltadas para fins produtivos, com capacidade para 52 mil litros. As cisternas de placas captam água dos telhados das casas, para fornecer um produto de boa qualidade (consumo e cozimento), para uma família de cinco pessoas, durante os oito meses sem chuvas na região. As cisternas produtivas (cisternas calçadão), que são implantadas no campo, captam água por meio de uma área previamente construída (calçada) para esse fim, e permitem, ao sitiante, a irrigação de uma pequena horta e algumas fruteiras, possibilitando acréscimos em sua renda familiar. Em secas pretéritas, com as dificuldades de acesso à água para uso doméstico e a gêneros alimentícios, era muito comum, no Nordeste semiárido, haver saques em supermercados e feiras livres, por parte da população. Com o uso dessas tecnologias, o cenário de dificuldades mudou radicalmente e os saques deixaram de ocorrer. Isso motivou o poder público a continuar apoiando essas ações voltadas para o campo, pela certeza do desenvolvimento que continuarão trazendo para a região, não só fixando o homem à terra, mas, e principalmente, melhorando sua qualidade de vida.
Em relação ao abastecimento das populações do Semiárido, foram duas as iniciativas para tentar resolver, de vez, essa questão: a viabilização de uma infraestrutura hídrica, no setentrional nordestino, capaz de dar acesso às águas interiores da região, e a implantação do projeto da Transposição das Águas do Rio São Francisco.
No tocante à viabilização da infraestrutura hídrica, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoveu uma reunião em Recife, em agosto de 2004, na qual reuniu cerca de 40 dos principais expoentes da hidrologia nacional, com o propósito de discutir transposição de águas entre grandes bacias hidrográficas. Nessa reunião, as questões ambientais da bacia do Rio São Francisco foram analisadas em suas minúcias, tendo sido detectadas, pelos técnicos participantes, importantes limitações na oferta de volumes do rio que poderiam dificultar o atendimento às demandas hídricas dos nordestinos. Identificados os fatores limitantes, a SBPC fez uma proposta - que consta no relatório dessa reunião - de construção de uma infraestrutura hídrica, partindo-se de jusante para montante (do setentrional em direção à bacia do São Francisco), buscando-se as águas interiores da região (de poços, represas, rios, entre outras). Com essa infraestrutura em funcionamento, se avaliaria, posteriormente, a necessidade, ou não, de novos aportes hídricos para a população. Portanto, em 2004, as águas interiores do Semiárido eram consideradas como as principais fontes de abastecimento, enquanto as águas do Rio São Francisco como de abastecimento complementar.
Em dezembro de 2006, a ANA, baseando-se na proposta técnica da reunião da SBPC, sugeriu a criação do Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água, um programa bem abrangente, em termos de abastecimento, pois possibilitava a oferta de água para um universo de 34 milhões de pessoas, em municípios de até 5.000 habitantes, a um custo de cerca da metade daquele previsto no projeto da Transposição do Rio São Francisco. Apesar de a proposta do Atlas ter ficado pronta, a mesma não prosperou porque o poder público deu prioridade ao projeto da transposição.
O projeto da Transposição do Rio São Francisco foi concebido para abastecer 12 milhões de pessoas no Setentrional nordestino, por intermédio de dois eixos, o Leste e o Norte, os quais têm a possibilidade de retirar, do rio, cerca de 127 m³/s (28 m³/s no Eixo Leste e 99 m³/s no Eixo Norte). O Eixo Leste foi inaugurado em junho de 2017, conduzindo as águas do Velho Chico para o abastecimento da represa de Boqueirão de Cabaceiras, minimizando, de certa forma, a incômoda situação de três longos anos de racionamento enfrentados pelo Município de Campina Grande. As águas começaram a ser bombeadas da represa de Itaparica, em volumes de cerca de 9 m³/s, não só para o abastecimento de pessoas, mas, também, para a irrigação de pequenas áreas (0,5 ha), em propriedades localizadas próximas aos canais. Porém, devido à urgência em abastecer as populações residentes ao longo do percurso, o poder público foi obrigado a escavar fendas nos paredões das represas de Poções e Camalau, respectivamente nos municípios de Monteiro e Camalaú, a fi m de acelerar a chegada das águas do Velho Chico. A continuidade dessa sangria, para usos diversos, principalmente na irrigação, juntamente com as perdas provenientes da evaporação e de infiltrações, acarretou uma redução na vazão em Monteiro, de cerca de 3 m³/s, registrando-se, em Boqueirão, apenas, 3,5 m³/s.
Com o início da quadra chuvosa na bacia do rio Paraíba, Boqueirão passou a receber, apenas, os volumes oriundos das chuvas caídas, uma vez que o poder público interrompeu o processo de bombeamento do Eixo Leste, alegando a necessidade de reparo dos danos causados pelos rasgos efetuados, às pressas, nos paredões das represas anteriormente citadas. Atualmente, Boqueirão de Cabaceiras permanece fornecendo água à população da região sem contar com aquelas do Rio São Francisco, apenas com os volumes acumulados na represa, pelas chuvas caídas do período chuvoso em vigor.
O Eixo Norte do projeto da Transposição ainda não foi concluído, havendo a promessa das autoridades responsáveis de entregá-lo até o final de 2018.
Diante do cenário de crise hídrica relatado, com evidências claras de limitações volumétricas do Velho Chico para suprir as demandas que lhe são imputadas, circulou, no meio político, uma proposta para transposição das águas do Rio Tocantins em direção à bacia hidrográfica do São Francisco. O propósito seria elevar o nível do espelho d´água desse último, permitindo, assim, a volta da navegabilidade, principalmente para as embarcações de grande calado. Essa proposta se constitui não só num atestado de equívoco, por parte das autoridades, em relação ao projeto da transposição do Rio São Francisco, como também um indicativo de que os erros de avaliação permanecem. De acordo com o que a mídia nordestina vem divulgando, o Tocantins tem apresentado problemas nos seus níveis volumétricos que colocam em risco a economia de todo o Estado. Não é sensato, portanto, tentar solucionar a limitação hídrica de um rio, transportando, para o interior de sua bacia, as águas de outro caudal que já se encontra limitado do ponto de vista hidrológico. Além disso, aspectos ambientais da bacia do Tocantins também devem ser evidenciados: a geologia cristalina, em alguns pontos da região, impede a existência de fluxos de base, condicionando o rio, naqueles locais, a volumes exclusivos de escoamentos superficiais provenientes das águas de chuvas. Essa característica geológica dá, ao Tocantins, uma amplitude volumétrica entre 760 m³/s, no posto de observação de Serra da Mesa, e de 450 m³/s no posto de Cana Brava. Portanto, esses volumes são insuficientes para solucionar os problemas dos baixos níveis do Rio São Francisco, tendo em vista já existir, neste último, um déficit volumétrico de cerca de 750 m³/s, à jusante de Sobradinho. Em se concretizando esse projeto de transposição do Tocantins, a excessiva utilização de suas águas pode acarretar, num futuro próximo, a necessidade de aportes volumétricos de outro rio para salvá-lo, que poderá necessitar, num futuro mais distante, de outro caudal que o socorra e assim, sucessivamente, transformando a questão “transposição” numa bola de neve sem fim!
Finalmente, é imperioso tratar tudo isso de forma sistêmica, pensando globalmente e agindo localmente, garantindo à sociedade uma solução definitiva para o abastecimento seguro das populações. Iniciando-se agora um programa consistente de revitalização de bacias e de gestão adequada dos recursos hídricos interiores, poder-se á entregar, às gerações futuras, as águas do nosso País em condições adequadas de uso, fazendo jus à importância que elas têm para a vida das pessoas e para o desenvolvimento da região.
João Suassuna é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj)
Imagens da apresentação do acadêmico João Suassuna
Imagens das discussões após a conferência do acadêmico João Suassuna