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João Suassuna concede entrevista, sobre a Transposição, ao Jornal Diário do Nordeste
Julianna Sampaio - O projeto de transposição do São Francisco é a melhor alternativa para resolver o problema da seca no semiárido nordestino? Quais foram os principais equívocos desta obra?
João Suassuna - Seguramente não é a melhor alternativa. A solução dos problemas de abastecimento do povo nordestino passa, necessariamente, pela busca e uso planejado de suas águas interiores. A região possui um potencial de cerca de 37 bilhões de metros cúbicos de água, distribuídos em cerca de 70 mil represas. Esse é o maior volume represado em regiões semiáridas do mundo! Quando essas represas são bem manejadas, respeitando-se os seus volumes de regularização, 100% garantidos, elas não vêm a secar. Existe, portanto um contracenso enorme, na busca das águas para a solução definitiva do abastecimento do povo nordestino. Entre a utilização das águas interiores do Nordeste e o transporte das águas do rio São Francisco, por intermédio de canais, distando cerca de 500 km do local do consumo, a primeira alternativa é, seguramente, mais barata e sensata. No entanto o projeto da transposição foi priorizado, não se levando em consideração as limitações hidrológicas do rio. O São Francisco é submetido a múltiplos e conflituosos usos, o que o qualifica como um rio de indesejável risco hidrológico. A prova disso é que, atualmente, com a seca vivenciada em toda sua bacia hidrográfica, o rio já não dispõe mais dos volumes necessários à geração da energia demandada pela região, bem como a irrigação está sendo prejudicada pela falta da água requerida nos projetos. Sobradinho, atualmente, encontra-se com sua capacidade em torno de 5%, o que tem obrigado, a Chesf, a lançar dela, para o Submédio e baixo São Francisco, volumes bem aquém daqueles exigidos pelo IBAMA, para chegar a sua foz. A Chesf está lançando, da represa, cerca de 900 m³/s, e o IBAMA exige um volume, na foz, de cerca de 1.300 m³/s, o chamado volume ecológico. Portanto, vai haver um desastre sem precedentes de colapso hídrico na bacia do rio São Francisco, isso sem que ainda a obra da transposição esteja em fase de operação.
Julianna Sampaio - A que o senhor atribui o aumento no custo da transposição, que saltou de de R$ 4,5 bilhões para R$ 8,2 bilhões? De que outra maneira esses recursos poderiam ser utilizados para garantir a gestão da água no semiárido?
João Suassuna - Houve, e isso foi reconhecido e explicado pelas autoridades, uma discrepância descomunal entre o projeto básico da transposição, elaborado em 2001, e o projeto executivo, elaborado no transcorrer da obra. Na sua execução, pareceu muito claro que não se estava levando em consideração as características ambientais da região, principalmente a geologia cristalina por onde iria passas os canais, e o seu clima, resultando nisso em atrasos e constrangimentos outros, a exemplo de rachaduras em longos trechos dos canais. Em dezembro de 2006, a Agência Nacional de Águas (ANA) elaborou o Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Águas, projeto bem abrangente, em termos de abastecimento, que propunha levar água a 34 milhões de pessoas, em municípios de até 5 mil habitantes, a um custo estimado, na época, de cerca de 3,3 bilhões de reais. Em comparação como o Atlas Nordeste, o projeto da transposição visa o abastecimento de 12 milhões de pessoas, a um custo de 8,2 bilhões de reais. Lamentavelmente, foram atrás de implantar o projeto mais caro.
Julianna Sampaio - É possível estimar qual será o custo da manutenção das obras após a transposição?
João Suassuna - Por tratar-se de um projeto de médio e logo prazos, a transposição, que iniciou no governo Lula, orçada em cerca de 4,5 bilhões de reais, chegará, facilmente, aos 20 bilhões de reais.
Julianna Sampaio - Em sua opinião, quem vai se beneficiar com a transposição do São Francisco? Pode ser considerada como uma obra eleitoreira?
João Suassuna - Houve um erro grosseiro na busca das águas para a solução definitiva do abastecimento do povo nordestino. As autoridades queriam assegurar volumes nas principais represas nordestinas, na chamada sinergia hídrica dos reservatórios, para uso posterior das suas águas, pelo grande capital, além de beneficiar as empreiteiras. Nesse sentido, as águas do rio São Francisco serão utilizadas no agronegócio, na criação do camarão e nos usos industriais. Já foi concluído o canal da Integração ligando o Açude Castanhão, no Ceará, o maior do Nordeste, ao porto de Pecém, para o atendimento das demandas hídricas daquele empreendimento. Construíram, em Pecém, uma siderúrgica (a Ceará Steel), a qual, sozinha, consome volumes de água equivalentes ao consumo de um município de 90 mil habitantes. Já na Paraíba, estão construindo o Canal de Acauã/Araçagi, visando à irrigação de cana de açúcar na região do Brejo paraibano. Para isso as águas do São Francisco irão servir. Para abastecer a população difusa nordestina, estimada em cerca de 12 milhões de pessoas, não chegará uma gota sequer para o atendimento das necessidades desse povo. É aí onde reside a verdadeira indústria da seca! Esse projeto, além de ter sido mal concebido, serviu e serve de instrumento para angariar votos dos políticos. Em um período grave de estiagem, como o vivenciado no momento, em todo Semiárido brasileiro, subir em um palanque e garantir o abastecimento do povo com as águas do rio São Francisco, é verdadeiramente uma atitude e um gesto cruel. Isso é fazer política com o sofrimento e a miséria de um povo. A vontade política não pode e nem deve estar acima das possibilidades técnicas de se implantar as ações desenvolvimentistas do País, sob pena de cairmos no grave exemplo do Velho Chico, um rio que atualmente sequer tem volumes para gerar a energia necessária para o desenvolvimento da região.
Julianna Sampaio - Professor, o senhor saberia me dizer se, com o volume que o São Francisco apresenta hoje, daria para abastecer os estados que serão beneficiados pela transposição, caso as obras fossem finalizadas?
João Suassuna - Como falei na entrevista, o São Francisco é um rio de múltiplos e conflituosos usos. Atualmente, falta água para irrigar (os irrigantes em Juazeiro e Petrolina estão apavorados) e para gerar energia. Querer retirar água, do rio, para abastecer 12 milhões de pessoas no Setentrional nordestino, que está sedento, é fisicamente impossível. O rio não teria volumes para tudo isso. O pior é que, com a obra pronta, irão retirar assim mesmo, pondo em riscos todos os investimentos realizados na bacia do rio. Para você ter uma ideia, só no setor elétrico a Chesf investiu, no Sistema de Geração, cerca de 13 bilhões de dólares, e costumo dizer: energia é sinônimo de desenvolvimento e não podemos estar brincando com isso!
Sobre o assunto:
TCU vê R$ 734 mi em irregularidades na obra do Rio São Francisco
http://g1.globo.com/fantastico/quadros/brasil-quem-paga-e-voce/noticia/2013/01/tcu-ve-r-734-mi-em-irregularidades-na-obra-do-rio-sao-francisco.html
Canal Acauã-Araçagi vai irrigar 16 mil hectares de terras agricultáveis
http://www.suassuna.net.br/2016/10/acaua-aracagi-vai-irrigar-16-mil.html
Gestão das águas e soluções técnicas tradicionais são alternativas à transposição
http://www.suassuna.net.br/2016/10/gestao-das-aguas-e-solucoes.html
Canal das Vertentes Litorâneas, na Paraíba: Obra apresenta lentidão e está quase parada
http://www.suassuna.net.br/2016/10/canal-das-vertenteslitoraneas-na.html
Sem transposição, especialistas temem crise hídrica no Nordeste
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/nacional/sem-transposicao-especialistas-temem-crise-hidrica-no-nordeste-1.1412467
por João Suassuna última modificação 07/12/2015 18:02