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BAGAÇO DE CANA: alimento animal versus produção de energia elétrica
João Suassuna - Eng° Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
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09/07/2002
Bagaço de cana-de-açúcar: importante alimento para o gado no período de seca no Nordeste.
No exacerbar de uma seca no Nordeste, dentre as mazelas oriundas desse flagelo, torna-se evidente no campo a falta, quase que completa, do volumoso indispensável à alimentação dos animais. Aliás, produzir os alimentos indispensáveis à vida humana e animal, em tal situação, tem-se tornado um desafio constante a ser enfrentado por aqueles que residem nos limites do Semi-árido.
Nesse sentido, e com o propósito de salvar os rebanhos da fome, alternativas promissoras têm sido evidenciadas no Nordeste, a exemplo do uso do bagaço de cana-de-açúcar, como fonte mantenedora da alimentação dos animais em patamares satisfatórios. Medidas nesse sentido foram postas em prática, desde a década de 70, através de ensaios realizados pelo saudoso químico paraibano, Sebastião Simões Filho, o qual desenvolveu, juntamente com um primo-irmão, Manelito Dantas Vilar, no município de Taperoá (PB), a técnica de hidrólise química do bagaço, através do uso da cal hidratada, para a quebra de suas células ricas em lignina e, com isso, permitir uma maior absorção de nutrientes, existentes naquele material, pelo rúmen dos animais. Tal tecnologia, aliada à uréia, proporcionou um importante avanço nas condições atualmente existentes para o seguro da pecuária nos períodos secos (na seca de 98 o uso do bagaço salvou a pecuária paraibana do total aniquilamento), trazendo a solução para o grave problema que aflige a maioria dos pecuaristas nordestinos, qual seja, o da manutenção de seus rebanhos, quando da ocorrência de secas periódicas.
Apesar de ser uma saída já aprovada, na prática, para a questão nutricional da pecuária nordestina, falta à mesma um tratamento indispensável, na esfera política, que garanta a sua consolidação como tecnologia básica para a criação de gado na região seca. Está carecendo, portanto, de uma política essencial de financiamento específico, para dar consistência econômica e material a essa importante alternativa de produção, necessária ao enfrentamento das agruras do seu clima.
Com a recente crise energética que assola o país e, em especial a região Nordeste, as questões da nutrição dos animais, nos limites do trópico semi-árido, passaram a merecer destaque, principalmente por existirem ações governamentais que tendem a dificultar ou mesmo inviabilizar as pretensões dos pecuaristas, quando da aquisição do bagaço indispensável para esse fim.
Trata-se do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, criado através da Lei 10.438, de 26 de abril de 2002, que vem estimulando os investimentos das usinas sucroalcooleiras na co-geração de energia elétrica a partir do bagaço. Para os usineiros, através dessa lei, o preço mínimo estipulado pelo governo para compra de energia é favorável. Os novos projetos de co-geração vão ser remunerados em pelo menos R$ 97,60 o MW, enquanto a média recebida hoje é de R$ 67,00.
Por essa lei, a Eletrobrás deverá comprar, em 24 meses, cerca de 1.100 MW de cada uma das três fontes previstas - biomassa, eólica e pequenas centrais hidrelétricas - no total de 3.300 MW, com o funcionamento das usinas previsto para o final de 2003, passando as fontes alternativas de energia a integrar, oficialmente, a matriz energética nacional. Hoje, o custo da energia co-gerada a partir do bagaço alcança, em média, US$ 40,00 o MW, e a tendência é a de haver um declínio para US$ 32,00 o MW, tornando-se próximo ao estipulado para as novas hidrelétricas. Essas questões têm caráter relevante se levado em consideração o fato de o bagaço, diante das alternativas de resíduos disponíveis no campo, ser a biomassa que será mais requerida para geração de energia, conforme consta nos projetos de co-geração em carteira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - Bndes, onde há estimativas de geração de cerca de 1.117 MW, quando se utiliza o bagaço, 39 MW, quando são utilizadas as sobras de madeira e 30 MW, quando utilizada a casca de arroz.
Com a existência dessa nova política, que assegura um maior volume de bagaço para fins energéticos, fica evidente a fragilidade dos pecuaristas nordestinos diante da necessidade de aquisição desse subproduto da cana para fins de alimentação dos seus rebanhos. A prioridade que é dada hoje ao setor energético, supera toda e qualquer iniciativa de seu uso no setor agropecuário. A inexistência de uma política específica no Nordeste que garanta a aquisição do bagaço salvador de rebanhos e, portanto, a viabilidade da pecuária no Semi-árido em períodos críticos, irá fazer com que o bagaço existente nas usinas seja ofertado ao pecuarista a preço de ouro, o que inviabilizaria toda e qualquer pretensão de negociação nesse sentido. A título de ilustração, no município de Desterro, na Paraíba, o bagaço de cana chegou a ser negociado a R$ 75,00 a tonelada posta nas fazendas (custa R$ 900,00 um caminhão com 12 toneladas de bagaço), oriundo de regiões úmidas do Nordeste, distantes, aproximadamente, 300 km daquele município.
Portanto, é indispensável uma política para acabar com essas distorções na produção pecuária nordestina, na qual o aperfeiçoamento do uso do bagaço se faz necessário, promovendo-se, ao mesmo tempo, a continuidade da integração secular que sempre existiu entre o Sertão e as regiões úmidas dos estados, através de trocas de produtos como o queijo, carne de sol, farinha, aguardente e rapadura, faltando, apenas, a essencial participação de uma política creditícia, para dar consistência econômica e material ao sistema de produção complementado.
Texto publicado no encarte Nordeste, da Gazeta Mercantil, do dia 24 de julho de 2002.