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AS ÁGUAS DO NORDESTE E O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
Publicado em
17/06/2019 00h00
Atualizado em
03/11/2021 09h41
Resumo
Já é sabido pelo povo brasileiro que o Brasil é um país pródigo na realização de algumas de suas obras públicas. Os “elefantes brancos”, assim chamados devido à falta de planejamento, vêm se acumulando em todo território nacional, clamando por iniciativas de conclusão por representarem, além de enormes prejuízos ao erário público, desrespeito ao cidadão brasileiro, especialmente o nordestino, que necessita de obras estruturadoras na região para promoção do seu desenvolvimento. Alguns desses exemplos podem ser atestados pela matéria do Diário de Pernambuco de 26 de novembro de 2004, intitulada “Interesse Político no Combate à Seca”, e em notícias veiculadas na internet sobre o abastecimento de Fortaleza (CE) através do Canal do Trabalhador. A notícia do Diário demonstra a importância de se fazer bom uso das águas existentes na Paraíba, aduzindo-as da represa de Coremas para a irrigação do município de Souza, através do projeto denominado Várzea de Souza, e revela, ao mesmo tempo, o descaso havido nesse mesmo projeto com o uso do dinheiro público, numa obra marcada por disputas pelo poder político local, decorrentes da rivalidade existente entre o ex-governador da Paraíba, José Maranhão, e o senador Ronaldo Cunha Lima, pai do atual governador. A iniciativa da realização desse projeto partiu do ex-governador José Maranhão, que o considerava a menina dos olhos do seu governo, por entender a importância de serem utilizadas prioritariamente as fontes hídricas já disponíveis no Estado através de uma política coerente de uso de suas águas interiores. Maranhão investiu cerca de R$ 105 milhões no projeto Várzea de Souza, metade dos quais na construção de 37 quilômetros do Canal da Redenção, objetivando a adução de parte das águas daquela represa até Souza, para a irrigação de cerca de 5 mil hectares. Além do mais, com vistas a auxiliar na infra-estrutura do projeto, foram investidos mais R$ 55 milhões na construção de barragens auxiliares e na aquisição de bombas e tubos. Com tais ações, o governo de José Maranhão deixou pronta a irrigação de 1.320 hectares em uma primeira fase, faltando apenas a continuidade dos investimentos e a necessária vontade política por parte do seu sucessor no governo para a conclusão das obras. Lamentavelmente, passados cerca de dois anos, o atual governador da Paraíba não deu a menor prioridade às ações do referido projeto, o que resultou na não realização da licitação dos lotes a serem irrigados, em avarias no canal construído e em vandalismos na rede de alta tensão. Por enquanto, a água que é conduzida no canal serve apenas para abastecer o pequeno povoado de Aparecida e para algumas poucas captações, a maioria irregular. Em suma, hoje o projeto encontra-se entregue à dura sorte. Outro caso é o Canal do Trabalhador, obra construída às pressas pelo então governador do Ceará, Ciro Gomes, no início da década de 1990, para a solução dos graves problemas de abastecimento da população metropolitana de Fortaleza. Com 110 km de extensão e capacidade para transportar 5 m³/s de água aduzidos do rio Jaguaribe, equivalentes a 70% do consumo da população da capital cearense, o canal encontra-se praticamente inoperante e sem cumprir os objetivos para os quais foi construído: irrigar 40 mil ha em suas margens e auxiliar no abastecimento da Grande Fortaleza. Segundo informações disponíveis, o projeto teve vida curta pois só operou durante sete meses, evitando o colapso no abastecimento daquela capital nordestina. Com as fortes chuvas ocorridas em 2004, os açudes cearenses voltaram a encher e o canal passou a não ter mais a importância demonstrada na época de sua construção. Atualmente, a manutenção do canal se restringe à água bombeada do açude de Pacajús, despejada por um tubo plástico no seu leito, para uso na irrigação de uma fazenda particular, e a uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), evitando-se assim que venha a secar e sofrer danos estruturais com as altas temperaturas existentes no local. Essa subutilização do canal decorreu dos bons resultados alcançados pelo programa de interligação de bacias existente no Ceará, que solucionou possíveis desabastecimentos através do seu pronto suprimento com águas oriundas de outras bacias da região em condições de fornecimento, o que, de resto, deveria ser seguido pelos demais Estados da região semi-árida. A situação dos projetos acima referidos é a cara do nosso país. Diante das constatações de falta de planejamento e da existência de “pendengas políticas”, preocupa-nos o fato de não terem prosperado projetos que objetivavam o uso coerente das águas existentes em Estados considerados receptores das águas do Projeto de Transposição do rio São Francisco. A ausência de uma política adequada de gerenciamento hídrico, aliada à falta de vontade política, certamente prejudicou o andamento das ações desses projetos nas referidas regiões. Essas questões nos fazem refletir sobre a possibilidade desses problemas voltarem a ocorrer com o uso das águas do Velho Chico. Quem irá garantir que um canal que leve água do rio São Francisco para o Semi-Árido nordestino não irá ter a mesma sorte (ou azar) dos canais da Paraíba e do Ceará? Os embates políticos e a carência de um adequado planejamento e gerenciamento das águas existentes na região são componentes de uma receita que tem prejudicado o desenvolvimento do Nordeste. A persistir essa falta de respeito para com a coisa pública, o meio-ambiente e a vida do cidadão nordestino, a milionária obra da Transposição em nada irá contribuir para a solução dos problemas hídricos do Nordeste, representando um benefício apenas para os autores do projeto e para as empreiteiras encarregadas de sua construção.
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DOI: http://dx.doi.org/10.25247/2447-861X.2007.n227.p26%20-%2036