Lista dos objetos
1 - Coração (ex-voto)
Madeira, século XX
Engenho Quebrangulo, Alagoas.
Os ex-votos são objetos variados doados em agradecimento aos santos por uma graça alcançada. São representações da graça, geralmente feitas em madeira ou parafina, ou ainda pinturas, deixados nas capelas para algum santo específico como forma de retribuição. É uma manifestação popular artístico-religiosa que faz parte de uma herança cultural que até hoje é seguida por fiéis de diversas religiões.
A peça aqui referida é a representação de um coração, um ex-voto feito em madeira de autoria não identificada. Se tornou a peça símbolo do Museu do Homem do Nordeste em 2008, ilustrando o cartaz da abertura da exposição Nordestes: Territórios Plurais e Direitos Coletivos por ser o primeiro objeto catalogado pelo Museu de Antropologia do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais e de onde provém parte da coleção atual do Muhne.
Este ex-voto anatômico tem sua relevância não somente por ser exemplar da cultura material referente a uma crença, e uma prática popular. Assim como todos os objetos musealizados, esta peça ganhou novos significados quando adentrou o âmbito museológico. É mais que um coração de madeira (que remete à cura) e que foi registrado no acervo, como os outros ex-votos que existem no museu, ela se destacou por ser a primeira a ser catalogada e tornou-se o “Coração do Museu”.
Suzianne França e Silvia Barreto
2 - Menino de Azul
Nino (João Cosmo Felix)
Madeira policromada, século XX
Juazeiro do Norte, Ceará
João Cosmo Félix, conhecido como Nino (1920-2002), nascido em Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, foi cortador de cana durante muitos anos e trabalhou como ferreiro antes de se dedicar à escultura em madeira. Em nenhum momento da vida recebeu educação artística. Começando na arte fazendo brinquedos, passou, mais tarde, a retratar animais e pessoas articuladas, a exemplo dos seus famosos macacos. Registros como casamentos, o dia a dia na feira de seu bairro, e pessoas em situações diversas, eram sempre esculpidos de forma magistral por ele com uso e inovação de cores, em peças que podiam ultrapassar um metro de altura.
Em 1980, Nino se afilia a uma Cooperativa de Artistas, o que garantiu uma demanda maior de obras e com diversidade. Pouco tempo depois, 1987, Nino participava de sua primeira exposição, Arts Populaires , projeto coletivo de artistas populares, em Paris, além de ter exposto individualmente no Rio de Janeiro (2000), na exposição cujo tema era: "NINO - O essencial em estado bruto".
Sua obra é composta essencialmente por esculturas de madeira (imbiruba ou timbaú) pintadas com cores vividas e contrastantes de tinta óleo e d'água. A obra em destaque é o Menino de Azul, adquirida por meio de compra, processo datado de 29 de dezembro de 2011, técnica de entalhamento em madeira clara, e representa a figura de um menino com vestuário em azul.
Luigi Miranda e Marília Bivar
3 - Equilibrista
Nhô Caboclo (Manuel Fontoura)
Madeira, tecido e metal, sem data
Águas Belas, Pernambuco
Tão enigmático quanto sua obra Nhô Caboclo, nascido Manoel Fontoura, dizia: “Não conheci ninguém, nasci só”. Descendente de índios, nasceu em uma aldeia Fulni-ô, localizada em Águas Belas, agreste pernambucano, não se sabe precisamente em que ano do século XX.
Desde criança mostrava ter inclinação artística trabalhando com o barro e outros materiais pouco comuns. Fez uma passagem por Caruaru “tirando peça de barro com Vitalino” mas, segundo ele, as peças eram “mortas”. Foi em Recife, já adulto, que começou a trabalhar com madeira, sucata, flandres, criando uma obra singular, cheia de movimento e equilíbrio. O mistério sobre sua origem se reflete em suas peças de construções ímpares com figuras igualmente inusitadas.
Artista à frente do seu tempo, em sua obra expõe as lutas e resistência do povo através dos navios guerreiros, dos navios de escravos acorrentados, do toré, dos ranchos, seres em luta e em busca de equilíbrio. Nhô Caboclo faleceu em 1976.
Esta peça foi adquirida entre 1967 e 1975, sendo registrada no Livro de Tombo do Museu de Arte Popular (MAP) em 1975, não se sabendo a data exata da sua aquisição. Naquele momento o MAP já estava sob administração do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco.
Albino de Oliveira e Geliane Baracho
4 - Medalha Comemorativa da Tomada do Arraial do Bom Jesus
Bronze, 1637
Holanda
Esta medalha cunhada homenageia a tomada do Arraial do Bom Jesus pelas tropas comandadas pelo polonês Cristovão Artichofski Arciszewski. A tomada durou três meses. Um exemplar desta medalha foi oferecido pela Companhia das Índias Ocidentais a Cristóvão Arciszewski, pendente de uma corrente de ouro, depois do seu regresso à Holanda em 1637, como prova do reconhecimento pelos valiosos serviços prestados no Brasil.
O Forte Real do Bom Jesus (Arraial Velho) foi construído a uma quase uma légua de Recife e Olinda para impedir o acesso do inimigo as áreas produtivas da Capitania. O Forte foi edificado em terra e resistiu cinco anos aos ataques das tropas holandesas (1630-1635). Após a rendição foi totalmente destruído. Esta unidade de defesa foi considerada um marco da resistência luso-brasileiras contra os batavos. Após a destruição do Forte Real do Bom Jesus os portugueses continuaram resistindo a dominação holandesa. Hoje existe um sítio arqueológico no Sítio da Trindade, bairro de Casa Amarela, em Recife, demarcando parte da localização do Forte.
O anverso da medalha apresenta à direita o mapa topográfico do arraial do Bom Jesus e à esquerda a planta do campo de batalha de Mata Redonda. No primeiro plano um troféu de armas com o estudo português, que representava o monumento que a companhia mandou erigir no Brasil em comemoração das ações de guerra do comandante polonês a seu serviço.
A medalha foi doada ao Museu do Açúcar por José Ferraz Camargo, em 1960, e transferida ao Museu do Homem do Nordeste em 1979.
Henrique de Vasconcelos Cruz
5 - A Hora de Fazer Promessa
Givanildo Francisco da Silva
Madeira, década 1980
Bezerros, Pernambuco
A Hora de Fazer Promessa é uma matriz de xilogravura que retrata uma cena típica do sertão nordestino, em que o devoto cumpre um juramento para alcançar a graça suplicada. A xilogravura é uma técnica onde a matriz de madeira (xilo) é entalhada com a ajuda de um instrumento cortante, deixando a imagem a ser impressa em relevo que, após ser coberta por tinta, é transferida para o papel ou outro suporte, como um carimbo. Conhecida pelos chineses desde o século II, o que expressa esta técnica para além das suas características específicas é a forma como o artista interpreta e retrata a realidade em que vive.
O autor, Givanildo Francisco da Silva, nasceu no município de Bezerros, no agreste pernambucano, em 08 de julho de 1962, iniciando-se no fazer artístico aos 13 anos com seu tio J. Borges, xilogravurista brasileiro reconhecido mundialmente. Com poucos incentivos para o desenvolvimento da sua arte, muitas vezes teve de recorrer ao trabalho de pedreiro para a complementação da renda familiar. Suas obras chegaram ao Museu do Homem do Nordeste através de uma proposta de aquisição apresentada pelo próprio artista no ano de 1984, numa negociação concluída em 1985.
Albino de Oliveira e Suzianne França
6 - Figura com Máscara de Elefante
Porfírio Faustino
Cerâmica, sem data
Canhotinho, Pernambuco
Porfírio Faustino nasceu em Canhotinho, agreste pernambucano, no início do século passado. Artista intrigante pela excepcionalidade de sua obra, produziu – entre os anos de 1920 e 1940 – o que Lélia Coelho Frota (2005) afirmou ser “figuras isoladas, precursoras da mudança do repertório cerâmico da região”. Faustino modelou um barro branco, fazendo figuras mascaradas ou com aspectos zoomórficos, como essa em exposição, um homem com máscara de elefante, ou seria um homem-elefante?
Entre os que o estudaram, o que se fala é que o artista modelou figuras de folguedos (Frota, 2005). Porém, a coleção do Museu do Homem do Nordeste vai além. As figuras femininas criadas por ele possuem vestidos coloridos e abotoados, cabelos ora cumpridos ora Chanel , com os detalhes feitos à linha cirúrgica. As obras apresentam movimento, como se as figuras estivessem dançando.
A coleção do Muhne possui 169 peças, e começou a ser formada em 1966, quando foi assinado o convênio entre o Governo do Estado de Pernambuco e o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, que resultou na incorporação ao Instituto de um grande acervo de arte popular e no qual constavam 26 obras do artista. Em 1976, a coleção doada pela família do fotógrafo Benício Dias complementou o acervo de Porfírio Faustino. É desta doação a obra Figura com Máscara de Elefante.
Síntese a partir do texto de autoria de Eduardo Castro para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
7 - Foice
Ferro e madeira, século XX
Goiana, Pernambuco
A foice de cabo comprido está há 56 anos distanciada de sua função original como instrumento de trabalho na terra. Possui as marcas do uso e do tempo decorrido desde quando foi separada da vida para tornar-se objeto de museu. A foice entrou para a coleção do Museu do Açúcar em 1963, mesmo ano em que este ilustre predecessor do Museu do Homem do Nordeste inaugurou sua sede definitiva no Recife, neste edifício modernista projetado por Carlos Antônio Falcão que hoje é a sede do Muhne.
Criado em 1960, no Rio de Janeiro, pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), autarquia federal que promovia a indústria sucro-alcooleira, o Museu do Açúcar tinha como finalidade recolher, classificar e expor objetos relacionados a elementos técnicos e aos aspectos sociais e artísticos que fossem representativos da cultura do açúcar, cultura associada à presença perene da atividade econômica açucareira no Brasil.
É possível que a foice de cabo comprido tenha sido exibida pela primeira vez na exposição inaugural deste museu, O Açúcar e o Homem, concebida e desenhada por Aloísio Magalhães e Armando de Holanda Cavalcanti . Referida à época como plasticamente bela, a exposição iniciava com a exibição das técnicas de cultivo da cana-de-açúcar e seus instrumentos, e seus autores não se furtaram a inserir referências ao modo de vida do trabalhador rural e do morador de engenho, apresentados em grandes painéis fotográficos.
Que a permanência da foice em exposição nos faça pensar nas mãos que suportaram o peso de todas as foices, e nos corpos de trabalhadores que empreenderam esforço no cultivo da cana de açúcar para sustentar a pujante economia da secular cultura do açúcar no Nordeste.
Síntese a partir do texto de autoria de Silvia Barreto para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
8 - Cágado Cultural
Véio (Cícero Alves dos Santos)
Madeira policromada, 2005
Nossa Senhora da Glória, Sergipe
O Museu do Homem do Nordeste - Muhne realizou em 2005 o EcoFestival do Baixo São Francisco e assim foi montado Salão de Arte Popular do São Francisco - Polo Xingó, no qual contou com 71 peças dos diversos artesãos da região do baixo São Francisco, celeiro de rica produção na arte popular. Ainda em 2016 o Muhne adquiriu, para compor sua coleção de arte popular, todas as que fizeram parte do Salão. Na ocasião foram adquiridas duas obras de autoria do artista escultor Cícero Alves dos Santos, uma delas leva o título de “Cágado Cultural”.
Cícero Alves dos Santos, o Véio (Nossa Senhora da Glória – SE, 1948). O nome foi em homenagem ao Padre Cícero, já o apelido recebeu ainda criança por gostar de ouvir histórias dos mais idosos. Autodidata, em seu trabalho o artista utiliza madeira, em formato original, para criar esculturas híbridas, de cores fortes, de diferentes dimensões, representando homens, mulheres, crianças, animais, que nos remete ao seu universo cultural e imaginário fantástico. Os personagens que produz têm vida e movimento, falam das alegrias e tristezas do sertanejo. A exemplo da peça Cágado Cultural, com as palavras do Veio explica que: “É como anda a cultura no Brasil. Devagar como um cágado”.
Para o Museu do Homem do Nordeste a peça Cágado Cultural tem um valor estético, cultural, antropológico, na medida em que Cícero Alves dos Santos, o Véio, nos traz toda beleza de sua arte impactante, ao tempo que nos faz refletir sobre os problemas sociais e culturais pelos quais ainda passam grande parte do povo brasileiro.
Síntese a partir do texto de autoria de Silvana Araújo para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
9 - Praiá (Povo Pankararé)
Cícero Marruá
Caroá e penas, 2008
Glória, Bahia
Veste ritual utilizada nas práticas religiosas de diversos povos indígenas originários do nordeste brasileiro. Está relacionada ao Toré, ritual comum a vários povos, como os Pankararu e Pankararé, ao longo do qual são invocados os Encantados, entidades espirituais dessas tradições indígenas cuja representação física é o Praiá. Composto por duas partes, a máscara ou casaco, chamado Tanam, e a saia, seu objetivo é preservar a identidade do dançador, que ao vesti-la, seguindo os preceitos religiosos, se torna o próprio Encantado.
Confeccionado em palha de caroá (também conhecido como croá) por um artesão especializado, o Praiá foi adquirido em 2008, juntamente com outras 130 peças oriundas de 8 nações indígenas dos estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe, para compor o acervo do Museu do Homem do Nordeste, no contexto do planejamento da exposição “Nordeste: Territórios Plurais e Direitos Coletivos”, que estava sendo concebida. Chama atenção o fato de que o objeto não possui grafismo da etnia ao qual pertence, sendo isso justificado pelo fato de que a peça em questão não passou pelo ritual sagrado, tendo sido confeccionado com a finalidade de ser exposto ao público, juntamente com objetos oriundos de outras nações indígenas da região como os Xucuru, Fulni-ô, Trucá e mesmo de seus “primos” Pankararu.
Síntese a partir do texto de autoria de Edna Maria, Elida Nathália para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
10 - Urna Funerária Indígena
Argila, 1.500 anos atrás
Bom Jardim, Pernambuco
Urna funerária indígena, com opérculo tipo Brocotó Simples, da tradição ceramista, com datação de aproximadamente 1500 anos atrás. Foi encontrada durante as escavações arqueológicas controladas, entre 1972 e 1973, coordenadas pelo doador da peça, arqueólogo e professor Armand François Laroche, na Fazenda Campinas Monte do Angico, na cidade de Bom Jardim - PE. Incorporada ao acervo Museu do Homem do Nordeste na década de 1980.
As urnas funerárias se faziam presentes nas culturas indígenas brasileiras, no período pré-colonial. Esses vasilhames de cerâmica podiam ser feitos em vários tamanhos, dependendo da finalidade, que geralmente eram duas: o sepultamento primário, quando a utilizavam para conter o corpo do morto, realizado com o cadáver na íntegra, ou sepultamento secundário, quando era utilizada para conter os ossos do morto, sendo esse definitivo.
Larissa Queiroz e Marília Bivar
11 - Açucareiro
Ouro, rubis, brilhantes e safira, sem data
Birmânia, Ásia
O açucareiro de ouro foi adquirido ao colecionador Alceu Santana de Oliveira no Rio de Janeiro para se somar a outros açucareiros da coleção do Museu do Açúcar (1960- 1977), e atualmente se encontra em salvaguarda no Museu do Homem do Nordeste.
Confeccionado muito mais como símbolo de poder e riqueza, mas destituído da sua função de recipiente destinado ao serviço de chá na Birmania, o açucareiro uniu dois mundos, duas culturas distintas, sob um mesmo tema, o açúcar no Brasil e no mundo.
A museóloga Virgínia Santos era a responsável pela guarda dos objetos do Museu do Açúcar. Ela era o que poderíamos chamar de “guardiã” do patrimônio daquele especialíssimo acervo museológico. No contexto do Museu do Açúcar, fazia sentido ir à busca do “raro e precioso”, agregado ao fato de que a coleta dos objetos deveria ressaltar “a importância do açúcar na formação econômica, social e cultural da sociedade” (PASSOS; PASSO, 1972, p. 93-95). O status do açucareiro de ouro continuou, tendo sido apresentado como a peça vip da exposição de inauguração do Museu do Homem do Nordeste, em 1979.
Peça de fina ourivesaria, contramarcado Solid gold from Burmah, cravejado de pedras preciosas, e adornado com elementos zoomorfos, folhagens e arabescos, o açucareiro é decorado em reservas laterais com as fases da extração, produção e comercialização do açúcar retirado da seiva da palmeira indiana (Arenga pinnata), o que denota a sua origem asiática e a quem pertenceu: possivelmente a um rico produtor de açúcar, talvez, um nobre birmanês.
Síntese a partir do texto de autoria de Regina Batista para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
12 - Viramundo
Ferro fundido, século XIX
Origem não identificada
Viramundo tem seu passado ligado ao Museu Simoens da Silva, uma instituição particular, criado em meados do ano de 1879, pelo então pequeno Simoens, de 8 anos, mais tarde vindo a ser reconhecido como Dr. Antonio Carlos Simoens da Silva (1871), na própria residência de seus pais, com objetos em retalhos e cacos de louças da índia encontrados no terreno ao redor da casa, consumidas e deterioradas pelo tempo, e também coisas que o seu pai lhe ofertava.
Em 1880/1881, com uma coleção considerável de xícaras, pratos, jarros, leques antigos, pentes e outras coisas, a população ao redor e seus familiares vendo seu apreço em colecionar sempre o incentivavam, com adornos de valor histórico ou artístico, até os 12 anos, época decisiva nos estudos.
A peça em questão, denominada "Viramundo de Ferro para pernas e braços de escravos", produzida em ferro, foi adquirida juntamente com outras 29 peças do Museu Simoens da Silva, pelo Museu do Açúcar, em 15 de Julho de 1957, no leilão realizado por Horácio Ernani de Melo. Em 1977, o acervo do Museu do Açúcar foi transferido para o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.
Luigi Miranda e Silvia Barreto
13 - ABC da Cana
Jonathas de Andrade
26 fotografias coloridas, 2014
Recife, Pernambuco
O
ABC da Cana
foi realizado em 2014 pelo artista Jonathas de Andrade, nascido em Maceió, em 1982, e residente no Recife desde o início da década de 2000. Um homem do Nordeste, portanto. As 26 fotografias que compõem o
ABC da Cana
pertencem, desde 2016, à coleção do Museu do Homem do Nordeste- Muhne, criado por Gilberto Freyre em 1979.
Elas integram também, contudo, o acervo de um outro Museu do Homem do Nordeste – MHN, inventado pelo próprio Jonathas de Andrade em 2013. Museu sem sede que serve como dispositivo flexível para reunir trabalhos do artista que, embora bastante diversos entre si, têm a ambição comum de rasurar narrativas estáveis sobre a região, inclusive as que ancoram o Muhne, como se fosse seu duplo ou sua sombra contemporânea.
Um museu ficcional que reúne instalações, filme, objetos, textos e fotografias e que ainda acolhe, a cada vez que é apresentado em museus de fato ou galerias, documentos de outras instituições públicas e privadas do Nordeste do Brasil, desestabilizando seus significados mais assentados. Ter o
ABC da Cana
na coleção do MUHNE é, assim, ter nele a lembrança de um gesto artístico que lhe é evidentemente próximo mas também conceitualmente distante; é admitir em seu acervo um corpo estranho a uma instituição que, como qualquer museu, tem na conservação física e simbólica do que exibe uma de suas principais missões.
É, nesse sentido, um exercício institucional de se abrir às fissuras que a arte contemporânea provoca no campo dos discursos estabelecidos e de se expor às disputas embutidas em quaisquer representações que sejam feitas, no campo do sensível, desse “homem” do Nordeste brasileiro.
Síntese a partir do texto de autoria de Moacir dos Anjos para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
14 - Cazumbá
Abel Teixeira
Tecido, 2006
Zona Rural de São Luís, Maranhão
Durante o ciclo junino, as brincadeiras de Bumba-meu-boi — com seus rituais e símbolos religiosos e festivos, danças, músicas, indumentárias e encenações dramáticas — invadem o estado do Maranhão. Festa em devoção aos santos católicos, e aos voduns, orixás e encantados cultuados nos terreiros de matriz africana, o Bumba-meu-boi constitui um auto narrado de forma irreverente e cômica, que celebra a vida, a morte e a ressurreição do boi. Perseguidas pela polícia até meados do século XX, por estarem associadas à população negra e pobre, rural e suburbana, as brincadeiras de Boi só vieram a ser aceitas pelas elites e autoridades governamentais maranhenses a partir da década de 1950. Nas décadas de 1970 e 1980, o Bumba-meu-boi sofreu modificações em suas formas de expressão e significados, convertendo-se em objeto de interesse turístico e em produto no mercado de bens culturais. Transformado em um espetáculo grandioso, o Bumba-meu-Boi firmou-se como símbolo de identidade do Maranhão e em 2011, foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil.
A Baixada Maranhense, berço dos cazumbas ou cazumbás, é uma região eminentemente afrodescendente, território de brincantes como Abel Teixeira, nascido em 1939, mestre artesão de caretas que confeccionou a indumentária de cazumbá existente no acervo do Museu do Homem do Nordeste. O conjunto da roupa de cazumbá foi adquirido do artesão e pesquisador maranhense Jandir Silva Gonçalves em 2006, para integrar a atual exposição de longa duração do Muhne, Nordeste: território plural, cultural e direitos coletivos, inaugurada em 2008. Abel Teixeira trabalhou na roça, plantou mandioca e semeou arroz. Todos os meses de junho, Abel e seus companheiros compravam um pano barato para confeccionar a careta, a máscara do cazumbá, e faziam a vestimenta com os sacos de estopa utilizados para estocar arroz. As caretas eram bem simples, improvisadas e de uso efêmero, feitas por trabalhadores pobres que não dispunham de tempo e dinheiro para investir no visual do personagem.
Síntese a partir do texto de autoria de Rita de Cássia Barbosa de Araújo para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
15 - Carrinho de Café
Madeira policromada, plástico e ornamentos, 2009
Salvador, Bahia
Nos anos 70, Salvador experimentava o crescimento de um novo tipo de comerciante ambulante, os vendedores de café coado, acondicionado em garrafas térmicas organizadas em caixas de madeira chamadas guias . Ante o inconveniente de carregar essas caixas apareceram as primeiras guias acrescidas de rodas e volantes, para facilitar o deslocamento necessário ao modelo de negócio. Aos poucos, os ambulantes foram acrescentando detalhes a essas guias no intuito de atrair e conquistar os clientes, e para ficarem semelhantes à miniaturas de veículos, especialmente a caminhões. Outros elementos foram sendo acrescentados e além da venda de café, encontramos leite, chocolate, cigarros, isqueiros, cartão de telefone, bombons e chicletes, etc.
No embelezamento do instrumento de trabalho a principal referência de visualidade da época eram os trios elétricos. Como eles, os carrinhos eram enfeitados com cores vibrantes, plásticos, adesivos e uma série de objetos expostos como uma coleção de tudo. O avanço das tecnologias também permitiu a “eletrificação” dos carrinhos de café, primeiramente com os rádios portáteis (a pilha), e depois, com a incorporação de baterias, tornou-se possível a instalação de aparelhos reprodutores de CD e até televisão.
A visualidade despertou a atenção não apenas de clientes, mas também de profissionais do mundo das artes e do design, e isto foi traduzido na realização de várias edições de um Concurso de Guias e Carros de Cafezinho. A peça que o Museu do Homem do Nordeste adquiriu em 2009 pertenceu a um colecionador de Arte Popular, Dimitri Ganzelevitch, colecionador de arte, francês nascido no Marrocos e radicado em Salvador desde 1975, que também estava a frente da instituição cultural responsável pela realização dos Concursos, a Associação Cultural Viva Salvador.
Síntese a partir do texto de autoria de Maurício Antunes para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
Joias de Fios de Cabelo
Fios de cabelo, ouro e pérola, século XIX
Origem não identificada
Broche, colar e par de brincos, confeccionados com fios de cabelo e acabamento em ouro e pérolas. Esses objetos eram usados pela Sra. Maria Amélia Matos Pontual, esposa do Sr. Leocádio Alves Pontual, retratado no broche, e antigo proprietário da Usina Aripibu, localizada na cidade de Escada - PE. O conjunto foi doado em julho de 1969, ao antigo Museu do Açúcar, pela Sra. Thereza Pontual Brotherhood, neta de Leocádio e Maria Amélia. Atualmente faz parte do acervo do Museu do Homem do Nordeste.
O uso de cabelos para a confecção de joias data muitos séculos, porém alcançou seu auge na Era Vitoriana (1837 - 1901). A procura era tanta que existiam joalheiros especializados no trabalho com esse tipo de material. Além de usar as joias, era muito comum as mulheres presentearem seus amados com broches ou correntes de relógio feitos com seus próprios cabelos. Mas também poderia ser uma joia póstuma, feita pela família, em memória, com os fios de cabelo do falecido.
Larissa Queiroz e Marília Bivar
Bacia de Barbear
Cobre, século XVII
Rio de Janeiro, RJ
A nossa Bacia de Barbear foi confeccionada provavelmente do século XVII, por autor desconhecido, contudo conhecemos bem seus usos. Como o nome sugere, era instrumento de trabalho utilizado pelos barbeiros e parte destes compunha um segmento específico da mão de obra escravizada, chamados “escravos de ganho”. Tendo maior mobilidade social em relação a outros que habitualmente trabalhavam nas lavouras, os barbeiros escravizados trabalhavam em lojas ou como ambulantes, indo em busca de clientela para, ao final do dia, trazerem os rendimentos para o seu dono ou locatário.
Junto à bacia, os barbeadores carregavam outros utensílios como navalhas, bisturis, linha e agulha, com os quais alguns estariam aptos a realizar pequenos procedimentos cirúrgicos, além de utilizar da Medicina alternativa. E desse modo, numa época em que era caro e escasso o contingente médico formal, esses conhecedores das artes de curar atendiam boa parte dos habitantes menos abastados. Esses barbeiros, presentes desde o século XVII eram tão requisitados, a ponto de haver conflitos com a Sociedade de Medicina e com a Administração nos principais centros urbanos do Brasil. A presença deles e atuação deles foi tratada como questão de saúde pública.
A bacia de barbear em exposição, foi adquirida pelo Museu do Açúcar em 1957, através do leiloeiro Horácio Ernani de Mello, no leilão da coleção Museu Simoens da Silva, no Rio de Janeiro. Registros desta peça nos livros de tombo e catálogos demonstram que circulou entre os acervos do Museu do Açúcar, estando no catálogo de 1969, no Museu Joaquim Nabuco, registrado no catálogo de 1981, e no Museu do Homem do Nordeste, desde 1979.
Síntese a partir do texto de autoria de Alisson Henrique para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
18 - Painel de Azulejos
Porcelana, século XVI
Portugal
O Muhne abriga 1.898 peças de azulejos em grande variedade de tamanho e temas, com cores, tipos, estampas florais e geométricas, em sua maioria do século XIX, boa parte de origem francesa e portuguesa. A maioria dos azulejos do Munhe revestiam as fachadas dos sobrados dos séculos XVIII e XIX e raros são aqueles tipos tapete, do século XVII, que formavam painéis de azulejos nas paredes internas dos monumentos históricos brasileiros.
Azulejos são placas cerâmicas de espessura variável, quadradas – variando de 13cm x 13cm a 15cm x 15cm - ou retangulares usadas para formarem molduras e arremates de painéis. A predominância da forma quadrada se deve, provavelmente, ao fato de facilitar não só a aplicação nas fachadas e paredes, mas também para possibilitar o variado “arranjo” decorativo entre a grande variedade de cores e estampas.
A peça escolhida pertence à coleção doada pela família de Benício Dias, que, segundo classificação do historiador de arte português Santos Simões , é azulejo tipo “Massaroca de Repetição” nas cores azul e amarelo, sobre fundo branco, formando uma composição de 2x2 azulejos, resultando um quadrifólio de espigas de milho e elementos fitomorfos.
Síntese a partir do texto de autoria de Frederico Almeida para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
19 - Autorretrato
Mestre Vitalino (Vitalino Pereira dos Santos)
Cerâmica, década 1950
Alto do Moura, Pernambuco
No final da década de 1940, surge no mundo das artes um ceramista do interior de Pernambuco: Vitalino Pereira dos Santos, Mestre Vitalino (1909-1963). Natural de Caruaru, iniciou um estilo de fabricação de esculturas em barro, que influenciou gerações de artistas populares do Brasil, além de dar visibilidade ao gênero artístico. Filho de agricultor com uma louceira, teve seis filhos que seguiram sua maneira de fazer esculturas em barro. Era devoto de Padre Cícero e muito religioso. Em barro cozido, Vitalino fez um autorretrato e o utilizou para pagar promessa na capela de Santa Quitéria de Frexeiras, em Garanhuns, ou seja, era um ex-voto.
Conforme seus biógrafos, Vitalino frequentava a capela de Santa Quitéria de Freixeiras, além de outras na região. Na obra, o artista se representa com manchas vermelhas nas pernas, sintomas da erisipela, infecção bacteriana na pele que atinge sua porção mais profunda (derme profunda e tecido gorduroso), causando vermelhidão, dor e edema (inchaço) da região afetada. A fisionomia da escultura apresenta características que lembram o rosto de Vitalino, o início de calvície e o formato do bigode. A peça foi adquirida pelo Museu do Homem do Nordeste em 2007, de Ivanildo Guilherme Nanes Júnior, proprietário das terras onde está localizada a capela.
Síntese a partir do texto de autoria de Henrique de Vasconcelos Cruz para a publicação 40 Anos em 40 Peças, comemorativa aos 40 anos do Muhne, a ser lançada em breve.
20 - Busto de D. Pedro II e Tereza Cristina
Açúcar, século XIX
Recife, Pernambuco
Uma das peças mais intrigantes do Museu, supostamente esculpida em pasta de açúcar, representa o busto de Dom Pedro de Alcântara e Dona Teresa Cristina, os últimos imperadores do Brasil, razão pela qual é referida como Alfenim Imperial.
Jamais foi retirada de sua redoma, visto que os museólogos temem que a presumida fragilidade de sua matéria prima não resista à exposição direta ao meio ambiente.
A seu respeito é imperativo mencionar a existência de outra peça semelhante nas dimensões e na forma - quase uma réplica - esculpida em miolo de figueira pertencente ao acervo do Museu Imperial.
Pasta de açúcar ou madeira? Não sabemos. Mas nossos museólogos continuam a temer que um dia o Casal Imperial possa vir a amanhecer derretido! Sob a pequena redoma de vidro repousa, talvez, uma das lendas da museologia brasileira.
A peça foi doada ao Museu do Homem do Nordeste em 1985, por Sofia Soares Brandão.
Ciema Mello