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Mário Melo, 1884-1959: uma bibliografia
APRESENTAÇÃO
Rita de Cássia Barbosa de Araújo
Cadê Mário Melo?
Partiu para a eternidade
Deixando na sua cidade
Um mundo de saudade sem igual
Foliões, a nossa reverência
À sua grande ausênciaNo nosso carnaval
[...]
Nos sucessivos Carnavais de Pernambuco, ano após ano, os foliões entoam, nas ruas e nos clubes, o frevo de bloco Evocação nº 3, de Nelson Ferreira. Rememoram, cantam a saudade de Mário Melo que muitos, os nascidos da década de 1960 em diante, não conheceram pessoalmente e de quem só ouvem falar durante os festejos de Momo ou o tem na conta de nome de uma grande avenida do bairro da Boa Vista, no Recife. Todos sabem, porém, da existência de um certo Mário Melo, amante do Carnaval pernambucano, dos clubes pedestres, das troças e dos maracatus, que, de abraços abertos e cabelos desgrenhados, entregava-se de corpo e alma ao frevo e ao passo.
O desconhecimento sobre Mário Melo, sobre sua produção intelectual e os seus posicionamentos políticos, bem como sobre a influência que suas opiniões exerceram sobre diversas gerações de pernambucanos — insistimos em falar em pernambucanos uma vez que Mário Melo foi, fundamental e assumidamente, um provinciano — estende-se para além do senso comum e adentra a academia. Nascido ainda no Império, em 1884, falecido em 1959, Mário Melo vivenciou os tempos da República Velha e de suas elites oligárquicas e conservadoras. Aderiu imediatamente à chamada Revolução de 1930; e, anticomunista ferrenho, esteve ao lado do interventor Agamenon Magalhães desde as primeiras horas do Estado Novo. Com a redemocratização, elegeu-se deputado estadual pelo Partido Social Democrata – PSD, cumprindo mandato de 1947 a 1951.
O combativo jornalista testemunhou também as mudanças que alteraram radicalmente as conformações físicas, espaciais e paisagísticas do País e de sua terra natal, Pernambuco, e da cidade do Recife em particular, na primeira metade do século XX; como também acompanhou as modificações advindas da passagem de uma sociedade eminentemente rural para uma sociedade urbana e industrial, e as alterações acontecidas nas mentalidades, nos comportamentos e nos valores.
A exemplo de alguns contemporâneos e conterrâneos, como o antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre e o memorialista e escritor Mário Sette3, Mário Melo vivenciou a tensão e o mal-estar provocados, como percebiam então, pelo difícil convívio entre esses dois mundos, o campo e a cidade, comumente associados à tradição e ao moderno respectivamente. A seus olhos, a modernidade e a modernização ameaçavam o passado, o importante passado de Pernambuco que tanto procurou defender e exaltar em seus livros, artigos e pronunciamentos públicos. Porém, diferentemente dos dois intelectuais acima referidos, o “homem dos sete instrumentos”, como se autodefinia4 — foi telegrafista, jornalista, geógrafo, historiador, folclorista, político, professor, poeta, crítico teatral, músico e folião — ainda espera pelo reconhecimento da academia, no sentido de ver sua produção intelectual, suas opiniões e seus posicionamentos político-ideológicos como objetos de estudo de historiadores, de cientistas sociais e de comunicadores sociais.
O trabalho de Lúcia Gaspar e Virgínia Barbosa, bibliotecárias da Fundação Joaquim Nabuco, Mário Melo, 1884-1959: uma bibliografia, para a elaboração do qual contaram com a colaboração da bibliotecária Fernanda Ivo e do museólogo Henrique Cruz, reúne e sistematiza a dispersa e variada produção intelectual do empertigado jornalista, constituindo grande estímulo para a elaboração de estudos científicos que sistematizem e analisem densa e criticamente a obra de Mário Melo. São mais de mil registros bibliográficos e documentais à disposição dos pesquisadores, daqueles interessados em investigar a contribuição de Mário Melo para a produção do conhecimento histórico sobre Pernambuco e a marca por ele deixada na historiografia local; assim também, sua colaboração para os estudos sobre os povos indígenas da atual Região Nordeste, escritos em uma época em que eram completamente invisíveis para o Estado e para as elites nacionais.
Mário Melo participou também das discussões matriciais sobre a definição do conceito de patrimônio cultural no País e sobre o papel que caberia ao Estado, às elites e às camadas subalternas nesse campo, entre as décadas de 1920 e 1930. Defensor apaixonado de um museu regional para Pernambuco, envolveu-se nas discussões em torno da criação da Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais em Pernambuco, no ano de 1928. Devotado às manifestações culturais populares, desejando vê-las preservadas em sua autenticidade e tradicionalismo, livres das influências políticas e culturais trazidas pelo estrangeirismo e pela modernidade, Mário Melo foi um dos principais idealizadores da Federação Carnavalesca Pernambucana, criada em 1935, assumindo importante cargo nessa instituição ainda hoje existente.
A diversificada produção intelectual de Mário Melo, sua atuação profissional e sua ativa participação nos mais variados campos da vida social, política e cultural suscitam uma multiplicidade de temas de investigação e estudo, inclusive sobre a definição, o papel e a prática do ser intelectual no Brasil, na primeira metade do século XX.
O inventário documental que Lúcia Gaspar e Virgínia Barbosa ora trazem à cena se apresenta como uma provocação intelectual para todo aquele que se interessa por conhecer os possíveis e infindáveis diálogos que o presente pode estabelecer com o passado, em busca de novas interpretações e de novos sentidos que ampliem nossos horizontes conceituais e nos apontem diferentes e promissores caminhos a seguir.
[...]
De braços para o alto
Cabelos desgrenhados
Frevando sem parar
Lá vem Mário!
Defendendo Vassourinhas
Pão Duro, Dona Santa,
Dragões ou Canindés
Lá vem Mário!
Com ele já se abraçaram
Felinto, Pedro Salgado
Guilherme e Fenelon
E no palanque
Sem fim lá do espaço
Lá está Mário a bater palmas
Para o frevo e para o passo.
Recife, 27 de fevereiro de 2012.
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