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Tradição, originalidade literária e iniciativas políticas são resgatadas em celebração dos 80 anos da Academia Paraibana de Letras
Há quem diga que Paraíba significa “rio que é braço de mar”. Na Academia Paraibana de Letras pode-se dizer que esse significado se concretiza no caminho percorrido pelas águas da literatura no estado para chegar ao alcance que tem hoje. Os quadros e esculturas que eternizam imagens de intelectuais como Ariano Suassuna e Augusto dos Anjos são atravessados pelos ventos vindos do Rio Paraíba, que não fica muito distante da sede.
Para comemorar os 80 anos da Academia Paraibana de Letras, completados no dia 14 de setembro, a Fundação Joaquim Nabuco promoveu o circuito de conferências “Celebração da Memória Cultural”, nos dias 23 e 24 de setembro. Foram oito transmissões no canal do YouTube da Casa, que trouxeram à lembrança do público os aspectos históricos e culturais que marcaram a criação da Academia e sua continuidade significativa no movimento literário paraibano.
Em meio a resgates mais afetivos e outros mais biográficos, os oito conferencistas mostraram os seus universos particulares e os dos homenageados escolhidos por eles para assinalar a importância de cada um para a cultura de um estado. A APL foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP) por sua importância histórica para a Paraíba.
“É uma honra e uma alegria para a Fundação Joaquim Nabuco, nos seus mais de 70 anos de existência, se emanar e celebrar com a Academia Paraibana de Letras os seus 80 anos. A relação entre Pernambuco, onde está sediada a Fundaj, e a Paraíba não é recente. Trazendo um sentimento familiar, com essa parceria sentimos que estamos em casa. Viva a Academia Paraibana de Letras!”, celebrou Antônio Campos, presidente da Fundaj, no discurso de abertura do evento. Ele ainda registrou a alegria de ver a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da APL, ngela Bezerra de Castro.
Seguindo a abertura do ciclo de conferências, ngela falou sobre a concretização de uma instituição que interfere e valoriza a cultura do estado. “80 anos constituem um marco simbólico, tanto para os indivíduos quanto para as instituições: representam uma valiosa linha de chegada. Agradeço ao presidente Antônio Campos pela iniciativa de transformar a Fundação Joaquim Nabuco em anfitriã do aniversário de 80 anos da Academia Paraibana de Letras através da Celebração da Memória Cultural que agora se inicia na palavra dos acadêmicos conferencistas”, ressaltou.
Já o diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundaj, Mario Helio, destacou a importância da parceria com uma instituição importante para a preservação histórica e cultura da região Nordeste e do Brasil. “É saudando essa juventude de 80 anos da APL, da possibilidade que esse conjunto de palestras abre para novos trabalhos conjuntos da Fundaj com a Academia, que eu envio aos paraibanos e, especialmente aos acadêmicos da Academia, a nossa saudação'', completou.
Tradição cultural nas letras
A poesia popular que percorre e canta as ruas do Nordeste foi homenageada pelo bacharel e poeta Luiz Nunes Alves, o Severino Sertanejo. Sua conferência “Sebastianismo: morte e sangue em Pedra do Reino” foi toda versada e evocando cultura, patrimônio e memória a partir da obra de Ariano Suassuna. A obra “Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” foi inspirada nos repentes da literatura de cordel e é uma das mais populares do escritor.
Para finalizar o primeiro dia de celebrações da APL, o professor e escritor Milton Marques Júnior resgatou o simbolismo por trás da poesia do patrono da cadeira nº 1 da Academia Paraibana de Letras. Em “Augusto dos Anjos: teleologia sem princípios”, Milton falou sobre os versos originais de Augusto, marcados pelo pessimismo e angústia. “É preciso ficar claro que o desvendamento da compreensão da teoria evolucionista em Augusto vai além de uma possível curiosidade do poeta. É fundamental que compreendamos existir uma relação intrínseca entre a evolução darwiniana e a evolução espiritual”, destacou.
O conferencista é Especialista em Língua e Literatura Latina e iniciou sua relação com o poeta ainda no segundo grau. No ensino superior, aprofundou seus estudos no autor de “Eu” e pretende reunir mais de 15 artigos que publicou sobre ele em um livro. “A maioria das coisas que escrevem sobre ele é o lugar comum, confundindo a poesia com a pessoa”, opinou.
Liberdade e originalidade literária
Com sonhos que passearam pelas ruas da Paraíba e percorreram as fronteiras de Pernambuco e Rio de Janeiro, Carlos Dias Fernandes deixou um legado inovador na literatura brasileira. Sua obra e vida, que defendiam princípios como vegetarianismo, cuidados com os animais e feminismo, foram lembradas de forma minuciosa pela professora Maria das Graças Santiago na conferência “Carlos Dias Fernandes: mitos e verdades”, transmitida na manhã do segundo dia de celebração à APL.
O ciclo de palestras contou com “Juarez da Gama Batista: erudição e ousadia no ensaio literário”, pela presidente da APL, professora e crítica literária ngela Bezerra de Castro. Ao longo da conferência, a liberdade criativa na vasta produção de Juarez foi lembrada. O autor, que marcou o gênero ensaístico, teve mais de 40 títulos publicados, produzindo também crônicas, discursos, conferências, artigos e prefácios.
Juarez imprimiu ao gênero sua marca pessoal, um estilo construído com erudição e ousadia, levando essas características para a Academia Paraibana de Letras em 1968. “O ensaio foi o seu instrumento de apreciação da literatura, em função das três ideias básicas que caracterizam esse gênero na conceituação moderna: o auto exercício das faculdades, a liberdade pessoal e o esforço constante pelo pensar original”, ressaltou ngela.
Outro traço característico lembrado pelos conferencistas da APL foi a ironia, marcante nas obras de Marcus Tavares. Na palestra “Marcus Tavares reinventa a seriedade pela zombaria”, o palestrante Sérgio de Castro Pinto, poeta e professor de literatura, analisa a criação e afinidades literárias do colega de geração.
Política como aliada da cultura
A primeira conferência do ciclo foi do jornalista e cronista Luiz Gonzaga Rodrigues. Em “O governo cultural de Tarcísio Burity”, Rodrigues falou sobre o 41º Governador da Paraíba - entre 1987 e 1991 - que viu a política como sua maior aliada para o crescimento cultural do estado. “Burity governou, de fato, para não ser esquecido. A meu ver, sua grande ambição estava em impregnar, fundir no espírito do seu povo a convicção de que a terra fértil da Paraíba está na cultura”, refletiu. Tarcísio Burity foi responsável por construir o Espaço Cultural José Lins do Rego, centro que tem uma estrutura de teatro, cinema, biblioteca, planetário, museu, galeria de arte e escola de música, e o novo Mercado de Artesanato da Paraíba, do Centro Turístico.
Na Academia Paraibana de Letras, o também jurista, escritor e professor ocupou a Cadeira 26, ingressando em 1992. O seu intelecto e incentivos à cultura foram motivos de respeito, medalhas e homenagens, como a Placa de homenagem do Ministério da Educação e Cultura – FUNARTE (Brasília). O conferencista Luiz Gonzaga Rodrigues relembrou essa trajetória e destacou a importância do investimento de Burity para a cultura paraibana.
A programação contou ainda com a palestra “A cultura na obra de Celso Furtado”, do historiador Francisco Sales Gaudêncio. O conferencista traçou uma biografia afetiva e íntima do amigo e intelectual, que se destacou por defender a política de desenvolvimento e enriquecimento cultural. “Para ele, a política cultural, em face das rápidas transformações tecnológicas, deveria se preocupar não apenas em democratizar o acesso aos bens culturais, mas também em defender a criatividade”, lembrou.
O desenvolvimento cultural através de iniciativas na política também foi pautado no encerramento da Celebração da Memória Cultural, que levou o público aos primeiros anos da criação da Academia Paraibana de Letras. O conferencista Severino Ramalho Leite, que é jornalista e advogado, contou a história da instituição a partir de um dos seus maiores idealizadores. A palestra “Oscar de Castro, o primeiro sócio da APL” é um retrato da Paraíba no início do século XX.
Sobre os primeiros momentos da Academia, Severino destaca que “Adaptá-la, mobiliá-la e torná-la funcional foi obra incansável de Oscar de Castro, que partiu em busca de doações em móveis, dinheiro e obras de arte para decoração das novas instalações”. Além disso, Oscar, que foi médico, advogado e presidente da APL por mais de três décadas, desenvolveu outras iniciativas como a edição da Revista da Academia, que no seu primeiro número já teve repercussão regional e nacional.
Todas as conferências estão disponíveis no canal do YouTube da Fundação Joaquim Nabuco.