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Seminário Anísio Teixeira chega ao fim com resgate histórico e reflexões sobre a obra do educador
O segundo e último dia de atividades do Seminário Anísio Teixeira, promovido pela Fundaj por meio do Museu do Homem do Nordeste, começou com mais uma série de palestras e conversas plurais em torno dos desafios da educação e da memória do educador baiano, assim como os frutos de seu legado. No início da manhã, a professora Kelma Beltrão, pós-doutora em educação, subjetividades, movimentos sociais e educação popular, apresentou a mesa “Educação e Região: Práticas Anisianas e Freyrianas fazem a educação do Recife”.
Ela trouxe um resgate histórico da atuação de Anísio Teixeira, ao lado de Gilberto Freyre, enquanto agente político que promoveu grandes transformações na educação brasileira, mas sobretudo, sua atuação enquanto formulador de práticas institucionais nessa luta, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960. “Anísio fez 100 anos no ano passado, mas a gente pouco viu comemorações. Nossa escola, nossa educação tem muito mais influência de Anísio do que a gente pensa”, afirmou Beltrão em sua fala inicial.
Ela defendeu uma visão da história da educação brasileira que desmistifica o período, buscando trazer outras ações que vão além das importantes atuações de Paulo Freire e do Movimento de Cultura Popular, demonstrando que, na verdade, ambos também bebiam na fonte de Anísio, Freyre e do Centro de Pesquisas Educacionais de Pernambuco. Ela também lançou luz sobre alguns elementos que colaboraram para silenciar a história do Centro e, por consequência, a história das lutas educacionais de Anísio e Gilberto Freyre, envolvendo fatores como uma resistência da Igreja Católica em relação à escola pública e disputas no próprio ambiente acadêmico com algumas instituições pedagógicas.
“Durante a pesquisa, percebemos Anísio Teixeira e Gilberto Freyre enquanto autores que chamamos de instituídos. Quando a gente fala Gilberto e Anísio, nos remetem a um monte de significados. Eles possuem textos, ideias e conferências muito solidificados nesse período. A tese de concurso do Paulo Freire, ele fala que as ideias que estão ali não são dele, são de Anísio, Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre, que ele diz beber na fonte e chama de mestres”, elaborou a professora.
Em seguida, às 10h30, deu-se início à conversa “Educação e Museus: Anísio Teixeira nas práticas educativas do Muhne e do Engenho Massangana”, mediada por Edna Silva, coordenadora de Ações Educativas e Comunitárias do Museu do Homem do Nordeste, com presença das educadoras Élida Nathália e Jamille Barros. Elas destacaram as ações educativas do Museu integradas ao Ano Anísio Teixeira: Educação como Prioridade, como o processo de escrita sobre os textos do livro “Anísio, Anísios Teixeira” e as ações do projeto Museu na Escola.
“É um projeto que parte da ideia de que o Museu sente a necessidade de transpor seus muros e chegar a lugares que, por diversas situações, tem pessoas que não conseguem chegar aqui. A ideia de trabalhar com as escolas não é aleatória. Em 2019, 73% do público do museu foi de grupos escolares. A gente entende nosso público, quem até a nós e quem não chega. Pensar qual educação que se faz no museu, que se relaciona com a escola, mas não apenas isso”, afirmou Élida, em sua abertura.
Ela destacou que a educação museal é não-formal, feita além dos muros da escola, complementando o currículo comum e partindo do princípio da educação da cidadania. “A partir desse ponto, repensamos nosso projeto a partir de Anísio Teixeira, que defendia uma educação democrática voltada para a cidadania. Quando nos deparamos com o desafio de pensar Anísio e de como ele poderia contribuir com nossas ações, nos debruçamos sobre a obra dele e percebemos que, mesmo sem conhecê-lo, nós, de alguma forma, já o referenciamos em nosso trabalho. Quando pensamos em um trabalho de uma educação em museu que se volta para formação cidadã, a gente está trabalhando com os ideais dele”, elaborou Élida.
Já Jamille relatou os encontros e trocas de uma atividade que resultou em seu texto para o livro. Ela relata que um dos preceitos de Anísio é pensar os locais e o contexto das pessoas para quem essa educação está sendo pensada. Então, esse pensar o lugar foi o eixo central da ação proposta, que foi realizada com alunos do Instituto Federal de Pernambuco do campus Olinda, batizada de “Conhecendo o seu Bairro”, em parceria com a professora Elisa Dantas, responsável pelas disciplinas de pintura. Foram oito encontros em um mês, com os estudantes sendo convidados a resgatar memórias sobre o lugar que os constitui enquanto coletivos.
“Boa parte da equipe se sentiu muito envolvida por tudo que Anísio falava. Eu usei como base a pequena introdução à filosofia da educação, que é um trabalho de 1968 e que já trazia uma realidade tão atual. Pensar como nossa realidade é tão antiga e que os erros e possibilidades já estavam sendo constatados por Anísio há tanto tempo, me ajudaram a pensar como a trajetória da educação tem se constituído e como eu, enquanto educadora, poderia colaborar com isso”, afirmou Jamille
Homenagens e reflexões sobre a obra de Anísio
A mesa “Atualização da inteligência nacional entre a modernidade e o modernismo (1822; 1922; 2022)” deu continuidade à programação do seminário. Com a participação do diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), mestre em História e jornalista, Mario Helio, e do mestre em Letras, Fernando Alvim, o debate levou à reflexão sobre a relação de Anísio Teixeira no processo de modernização da inteligência nacional.
“O Modernismo começa com uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que era uma tentativa de nacionalizar o país, descobrir de novo, ele começa com o pé na imitação da Europa e vergonha das próprias coisas”, explicou Mario. Ao longo da apresentação, ele e Alvim destacaram como as construções simbólicas e históricas foram fundamentais na identidade nacional.
Fernando chamou a atenção para o momento em que Anísio Teixeira apareceu como articulador do pensamento moderno nas políticas educacionais no Brasil. “Diferente dos modernistas de 22, ele não atua no campo da arte, mas ele é, como intelectual brasileiro, que se encaminha para o campo da política como estadista. Então ele tem uma grande contribuição na atualização da inteligência nacional, não só no campo do pensamento pedagógico brasileiro, mas ele traz para o campo da prática a discussão para ações políticas”, observou.
Os participantes da mesa refletiram sobre aspectos como a obra de Mário de Andrade, a língua na formação de identidade de um povo e suas relações com o poder, as diversidades e variantes linguísticas do português e também seus preconceitos a partir do olhar para o estrangeiro.
Em seguida, a conferência de encerramento do seminário, “Pedagogia e democracia: aspectos pedagógicos da democratização da cultura (1945-1971)”, contou com a participação do antropólogo e professor Marcos Cezar de Freitas (UNIFESP). Ele ressaltou a importância de Teixeira para a ampliação do pensamento de que o espaço da escola é também cultura.
Repensar o que é cultura e pedagogia como processos que fazem parte da escola pública. A partir daí, o antropólogo apresentou a obra de Anísio. “O alastramento da escola pública é um deixar falar primeiro quem todo tempo é tomado como aquele que deve falar por último ou não falar, o que diz respeito à voz que emerge do chão da escola”, refletiu Freitas.
Ele ainda respondeu perguntas e reflexões que o público fez no bate-papo do YouTube, relacionando o diálogo da democratização de Anísio com a obra de Gilberto Freyre, por exemplo.
O seminário foi encerrado com a apresentação de uma placa proposta pela antropóloga do Museu do Homem do Nordeste, Ciema Mello, em homenagem a Anísio Teixeira. A placa ficará exposta no edifício que foi construído para a Escola Experimental do Recife, reflexo do trabalho e luta de Anísio.
A homenagem da Fundação Joaquim Nabuco e do Museu do Homem do Nordeste ao educador, por meio do Seminário Anísio Teixeira: Educação como prioridade, está disponível no YouTube da Fundaj para o público.