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Na celebração de seus 74 anos, Fundaj debate racismo estrutural e seus danos ao Brasil e aos países ocidentais
O aniversário de 74 anos da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) foi celebrado com um debate necessário e caro à Instituição Federal sobre o racismo estrutural e seus danos ao Brasil e aos países ocidentais. O tema, constantemente levantado na Fundação, uma casa que tem como patrono um abolicionista, teve participação especial da jurista Rita Cristina de Oliveira, titular da Secretaria-Executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e Ministra em Exercício da Pasta. Na mesa conduzida pela presidenta da Fundaj, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, a conferência foi realizada na tarde desta sexta-feira (21), Sala Calouste Gulbenkian, no Campus Gilberto Freyre, em Casa Forte e teve como título “O ideário abolicionista (re)visitado e o racismo estrutural no Brasil”.
Como debatedores, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, a pesquisadora da Fundaj, Profa. Dra. Cibele Barbosa e o Pró-Reitor de Extensão (UFRPE) e integrante do PPGECI (UFRPE/Fundaj), o Prof. Dr. Moisés de Melo Santana. “A temática abordada neste seminário foi fruto de uma posição política da nossa gestão, no sentido de demarcar uma questão estrutural na sociedade brasileira que é o racismo, e o combate a ele. Esse chamamento é importante para nossa reflexão”, destacou a presidenta da Fundaj, acrescentando que a Fundação está aberta a parcerias com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Temos toda uma capacidade dos nossos pesquisadoras e pesquisadores de fazer trabalhos juntos e importantes, pois a Fundaj é de uma riqueza ímpar e talvez seja uma das poucas do Brasil que poderá estar, também, à frente desta luta”, afirmou a presidenta.
Durante sua fala, Rita Cristina de Oliveira citou o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, para refletir sobre o racismo como uma decorrência da própria estrutura social, do modo normal com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e familiares. “É imperativo refletir sobre mudanças nas relações sociais, políticas, econômicas. Para se reproduzir, o racismo precisa se nutrir desses componentes, pois ele é estrutural e estruturante. Por isso, sua capacidade de se atualizar e de promover uma contínua subordinação de camadas expressivas da população para a concentração aguda de poder sob justificativa ideológica que falsifica a realidade da dita inferioridade racial.”
A Ministra em Exercício também destacou o decreto que revoga enaltecimento à princesa Isabel e devolve protagonismo da luta antirracista a uma pessoa negra o escritor e abolicionista Luiz Gama, com a criação de um prêmio em sua homenagem. “A referência à princesa Isabel como símbolo dos movimentos de defesa dos direitos humanos no Brasil, todavia estava completamente alheia ao histórico de lutas pela vida e liberdade emcampadas pelos movimentos sociais negros. Muito antes do ato de assinatura da Lei Áurea inúmeras foram as demandas pela abolição da escravatura, seja pela formação de quilombos, seja pelas insurreições escravagistas. A liberdade não foi concedida do dia para noite”, reforçou.
A Ministra em Exercício ainda ressaltou a importância da lei de cotas e a necessidade de prorrogação desta ação afirmativa, o que "não deveria nem estar em discussão", como defendeu, e abordou o conceito de necropolítica explicando que dentro de um engenhoso processo de atualização da opressão está o sistema de justiça criminal brasileiro, que funciona “como operador de um processo de construção da criminalidade racionalizado para produzir mortes físicas e metafísicas. E não por acaso de vidas negras”, afirmou Rita Cristina de Oliveira, que citou como exemplo a situação do Complexo Prisional do Curado, no Recife, que levou o Brasil a responder ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Por sua vez, a pesquisadora da Fundaj e historiadora Cibele Barbosa destacou a importância de um trabalho aberto à discussão com a sociedade, sem fórmulas prontas, mas sim com produção de conhecimento e combate ao negacionismo. Em sua fala, a pesquisadora explicou o quão estrutural é o racismo no Brasil e ressaltou que, durante muito tempo se pautou que o racismo não seria uma vocação brasileira, mas que existia de forma pontual. Ou seja, algumas pessoas seriam racistas, não a sociedade.
“Mas pensar racismo como estrutural é mais até do que sistêmico, ele estrutura as percepções de mundo, relações sociais, as construções de subjetividades e os lugares sociais são pensados sobre a lógica de uma tecnologia pautada no racismo. Esse é um longo debate, um acúmulo de muitas vozes que hora foram silenciadas, hora conseguiram romper”, observou Cibele Barbosa. A pesquisadora reforçou o trabalho, necessário, de historiar aqueles inviabilizados pela história, e concluiu afirmando que o racismo não é só o mais visível. “O racismo está presente até quando muitos não têm intenção nenhuma de sê-lo, pois faz parte de nossas classificações sociais, dos padrões de beleza”, concluiu.
Coube ao Prof. Dr. Moisés de Melo Santana fazer um apanhado histórico, com análise sobre as reconfigurações do racismo no País com o passar dos séculos, citando, por exemplo, a justificativa teológica e o racismo científico, que impregnou o ideário nacional em determinado período histórico. Todavia, Moisés também ressaltou a produção de conhecimento contra o racismo e a importância de instituições como a Fundaj nesse combate.
"Pensar o pós-abolição, o racismo estrutural, é pensar também na lógica das nossas forças, naquilo que conseguimos impulsionar, e acho que temos impulsionado muita coisa", disse. "É preciso pensar e se basear na obra aqui citada de Joaquim Nabuco, que propõe destruir a obra da escravidão, isso vai apontar para o que queremos para esse Brasil, que é destuir essa obra tão danosa à nossa saúde, à nossa sociedade", concluiu.
Após a conferência, a mesa foi conduzida pelo diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), Túlio Velho Barreto, que antes de finalizar o evento abriu o debate ao público presente na Calouste Gulbenkian. Entre os convidados, a Secretária-Executiva de Direitos Humanos da Prefeitura do Recife, Rita de Cássia, um grupo de servidores da Secretaria de Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife, representantes de movimentos sociais e servidores e terceirizados da Fundação Joaquim Nabuco.