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Museu do Homem do Nordeste inicia escuta pública para o plano museológico
O primeiro dia da escuta pública realizada pelo Museu do Homem do Nordeste (Muhne), equipamento cultural vinculado à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), para desenvolver o Plano Museológico 2025-2030 foi marcado pela abordagem de temáticas como racismo religioso e mobilização social junto aos museus. O encontro aconteceu nesta quinta-feira (6), na Sala Calouste Gulbenkian, no campus Gilberto Freyre da Fundaj, em Casa Forte, e teve como tema norteador “Alianças entre museus e movimentos sociais".
A mesa de abertura foi composta pela presidenta da Fundaj, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, e pelo coordenador-geral do Muhne, Moacir dos Anjos. Em sua fala, a presidenta Márcia Angela Aguiar pontuou que um dos diferenciais do Museu do Homem do Nordeste é estar inserido em uma estrutura que envolve pesquisa e formação, como a Fundaj. Além disso, ela aplaudiu a iniciativa de estimular a reflexão crítica a partir de diferentes perspectivas. “É uma reflexão sobre toda a problemática do museu, no sentido de examinar todo esse passado e legado de forma crítica e projetar novas visões, mais sintonizadas com o nosso tempo, especialmente neste momento que estamos vivendo no Brasil de reconstrução”, afirmou Márcia Angela Aguiar.
Moacir dos Anjos, por sua vez, destacou o trabalho de quase meio século do Museu, que celebra, pontua e ressalta o território do Nordeste e sua forma de entender o mundo a partir de um ponto de vista específico. O coordenador-geral do Muhne ainda afirmou que as ações do equipamento não são apenas para refletir sobre os erros do passado, e que também “este é um momento para olhar para o futuro, para enfrentar desafios que não foram ainda enfrentados e nem tinham sido colocados para o museu, mas agora são incontornáveis e inadiáveis”.
O primeiro debate do dia teve como questão mobilizadora: “Como os museus podem ser parceiros e colaborar com a construção de imagens positivas da luta, mobilizando na sociedade - através do patrimônio - uma conduta de defesa da vida e dos movimentos sociais?”. Para inspirar o diálogo, foram convidados os palestrantes Mãe Nilce de Iansã, Iyá Egbé do terreiro Ilê Omolu Oxum e coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, e Átila Tolentino, mestre em Sociologia e membro da Coordenação de Museologia Social e Educação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). A conversa foi mediada pela chefe do Serviço de Estudos Museais do Muhne, Sílvia Barreto.
Resistência
Ancestralidade, racismo religioso, resistência e dificuldades para salvaguardar a memória foram os assuntos que nortearam a palestra de Mãe Nilce de Iansã. Ela abordou a importância da atuação social dos terreiros, como no acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica, por exemplo, e a luta contra o racismo religioso.
Além disso, a Iyá Egbé falou sobre a coleção de peças “Nosso Sagrado”, no Museu da República, no Rio de Janeiro. As peças de religiosidades afro-brasileiras que chegaram ao Museu foram confiscadas pela polícia em terreiros nas primeiras décadas do Brasil republicano.
“Esse encontro de hoje aqui na Fundação Joaquim Nabuco, no Museu, para mim foi de extrema importância porque eu, uma mulher de terreiro, uma mulher de axé lutando contra o racismo religioso, ocupar um espaço como esse foi de extrema importância. Só quero agradecer a todas as pessoas que me acolheram aqui e eu espero realmente ter contribuído e trazido ideias que as pessoas não conhecem. Infelizmente, existe um imaginário negativo sobre o povo de terreiro e eu tenho certeza que hoje pude fazer bons esclarecimentos sobre as ações do terreiro”, comentou.
Já Átila Tolentino compartilhou sua experiência e os desafios, lutas e resistências na construção do plano museológico do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, equipamento localizado no município de Sapé, interior da Paraíba. “Fazer um plano museológico não é fácil, sobretudo se pensarmos em criar um plano museológico participativo e democrático”, iniciou.
Além disso, o mestre em Sociologia e membro da Coordenação de Museologia Social e Educação do IBRAM pontuou a importância do museu enquanto espaço participativo, onde as pessoas possam se identificar, e que um programa de reparação e justiça social de um museu deve apresentar seu compromisso ético e político e, ainda, sua ideologia.
Debate
Ao longo do dia, os participantes foram divididos em quatro subgrupos que discutiram diversas questões inerentes ao tema da oficina. Após um amplo debate, cada grupo apresentou ao menos cinco sugestões para a construção do plano, que serão integradas a uma síntese geral do primeiro dia.
“Achei muito proveitoso, muito relevante o Museu ter aberto para poder ouvir a sociedade civil e de fato repensar todas as questões para que o plano museológico seja inclusivo, que ele não cumpra só uma demanda institucional, que ele reveja essas questões expositivas que afetam as pessoas. Tem questões que são muito sensíveis em relação ao recorte racial e de gênero. As proposições foram muito potentes e espero que possam reverberar em frutos”, disse a doutora em Educação e bacharel em Museologia, Manuela Dias.
Entre as sugestões de melhorias estão temas cruciais ao debate como escuta ativa, processo curatorial colaborativo, processo de pesquisa profundo sobre a exposição e suas peças, envolvimento contínuo de movimentos sociais, inclusão da sociedade em todas as etapas do processo, não apenas nos momentos decisórios, abordar o direito à memória, justiça social e reparação nas exposições, definição clara das causas que o museu deseja abordar, promovendo uma experiência política e pedagógica, garantir que as populações se sintam representadas nesses espaços, entre outras diversas sugestões importantes que continuarão sendo debatidas ao longo de todo o processo.
Para Elaine Santana, historiadora e museóloga que pensa a memória junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o momento de escuta foi muito importante para que fossem colocadas as necessidades dos movimentos sociais e no que eles podem contribuir com o Museu. “A gente também lembra que esse momento de hoje é importante como um começo, mas que é fundamental a continuidade dele e a co-construção nesse processo do novo plano museológico, para que o movimento acompanhe e participe de forma ativa da construção desse novo plano museológico, para que o movimento possa ser representado dentro do Museu de forma adequada e condizente com a forma do MST de se enxergar e de atuação”, apontou.
“A Fundaj está aberta aos movimentos sociais e abre a esses outros atores sociais para construir um novo plano. Foi um dia longo, mas muito produtivo, muito rico, com experiências de outros locais muito válidas e muito enriquecedoras. Um momento de muito agradecimento em poder participar desse processo e estar aqui com vocês ao longo desse dia”, concluiu Erick Morris, doutor em Pós-Colonialismos e mediador do encontro.