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Inauguração de exposição “Elas”, na Fundaj, reúne potência feminina na cultura, arte e história do país
Visibilidade e transformação histórica em forma de diferentes expressões artísticas. Não é possível simplificar a abertura da exposição Elas: onde estão as mulheres no acervo da Fundaj?, mas esses dois conceitos certamente estiveram presentes no evento que inaugurou a mostra, na quinta-feira (15). A exposição marca a reabertura do primeiro andar do Museu do Homem do Nordeste (Muhne) com uma reflexão importante e urgente: de que forma um equipamento cultural, em diálogo com a sociedade, pode se movimentar para mudar a desigualdade de gênero que também atinge o processo artístico? O Muhne é vinculado à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Até dezembro deste ano, a visitação ao espaço expositivo do Muhne segue gratuita.
Com a primeira mulher a presidir a Fundaj em seus 75 anos de existência, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, a exposição faz parte das ações comemorativas ao aniversário da instituição e aos 45 anos do Muhne. “Estamos vivenciando um dia muito significativo. Olhando essa exposição, vemos a potência das mulheres. E a Fundação dá um passo significativo no que se trata dessa reflexão crítica, de um dos seus equipamentos culturais tendo cuidado de se colocar em uma posição que mostra que a Fundação Joaquim Nabuco dá um passo adiante para o respeito, a cidadania e o compromisso com a formação, a pesquisa e o conhecimento”, celebrou a presidenta.
Disposta em módulos, a mostra reúne em seus 450 m² mais de 400 itens, dentre publicações, vídeos, fotografias, obras de arte, discos, rótulos comerciais, cartões-postais e outras peças preservadas, apresentando, rememorando e fazendo firme a presença das mulheres na história do país. “Eu me sinto honrada pelo convite para estar aqui e mostrar um pouco da minha arte. As mulheres representadas na maquete estão à frente, nas palafitas. Elas pescam e trazem sustento para casa com sururu, mangue, marisco e peixe. E a minha obra mostra o fim de semana delas. Elas trabalham a semana toda e também têm a oportunidade de se divertir”, comentou Elizângela das Palafitas, que tem sua obra “Cabaré de Biu Véia” exposta na mostra.
A cirandeira Lia de Itamaracá, Patrimônio Vivo de Pernambuco, também teve seu trabalho representado na exposição e prestigiou a abertura. Ela se disse admirada com o que viu e falou um pouco sobre sua história. “É uma maravilha. O bom é que estou viva e vendo isso, agora como protagonista, recebendo reconhecimento. O disco exposto foi o primeiro da minha carreira, "A Rainha da Ciranda", gravado com Fernando Borges e outros cantores. Era muito difícil para as mulheres, especialmente para quem não tinha capital de giro e não podia alcançar um patamar como o que eu consegui agora.”
A coordenadora de Exposições do Muhne, Silvana Araújo, destacou que a organização da exposição em módulos foi uma forma de contribuir para que o público fizesse uma leitura do acervo. “São cinco módulos que retratam perfis que nos colocaram e que não nos amarramos. Encontramos muita coisa sobre mulheres, mas que foram contadas pelos homens, mas queríamos colocar na exposição o olhar da mulher sobre ela própria”, explicou.
“Elas” é resultado de um esforço coletivo e institucional. A necessidade de agregar cultura, arte, memória e educação em uma perspectiva crítica e inovadora foi uma causa abraçada por todos os setores da Fundaj, desde a segurança patrimonial ao restauro das peças que seriam expostas, como observou o coordenador-geral do Muhne, Moacir dos Anjos. Todos os quadros, por exemplo, estavam no Laboratório de Pesquisa, Conservação e Restauração de Documentos e Obras de Arte Antônio Montenegro (Laborarte) para restauro, antes da exibição ao público.
A mostra tem curadoria de três mulheres: Sílvia Barreto, chefe do Serviço de Estudos Museais do Muhne, Sylvia Couceiro, coordenadora do Centro de Documentação e Pesquisa (Cdoc) do Centro de Estudos da História Brasileira (Cehibra), e Cibele Barbosa, pesquisadora e historiadora do Cehibra, além de Henrique Cruz e Albino Oliveira, museólogos do Muhne. Já a expografia é assinada pela cenógrafa e diretora de arte, Séphora Silva. A conexão e o diálogo entre os agentes envolvidos na Fundaj são reforçados pela curadora Sylvia Couceiro, que afirma que “o trabalho foi uma troca”. Ela reforça, ainda, a importância dos dados estatísticos para compor a mostra. “Quem entrar na exposição vai ver um pouco da autocrítica institucional, que é também da sociedade como um todo. Ela reflete uma sociedade desigual, preconceituosa e misógina”, ressaltou.
Riqueza do acervo
O acervo da exposição é proveniente de aquisições e doações de entidades e acervos pessoais, em sua maioria preservados pelo Cehibra e pelo Muhne, ambos equipamentos culturais vinculados à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundaj, sob gestão do diretor Túlio Velho Barreto. Dos itens e documentos preservados pela instituição, que somam mais de 800 mil, uma pequena parte foi produzida por mulheres ou deram a elas uma representação com olhar feminino: dentre as esculturas, menos de 15% das peças têm autoria feminina; dos 3,5 mil folhetos de cordel, 2,3% foram escritos por elas; dos 1.166 autores identificados no acervo, 14,3% foram são mulheres; das 156 coleções iconográficas, 5% possuem nomes femininos; e das 233 coleções textuais, 3,5% têm nomes de mulheres.
Apesar desse apagamento histórico - que se estende à sociedade brasileira e se reflete na entrada da mostra, com a parede dos apagamentos -, é possível notar a potência da produção das (e para as) mulheres nos módulos que compõem o espaço. “Não é uma exposição que fecha uma ideia. Ela abre perspectivas e busca provocar no público questionamentos e reflexões. A ideia é ser algo que se abre para discussão e chama a sociedade para refletir”, explica Cibele Barbosa. “A exposição inaugura uma nova maneira de expor, de tratar e de pesquisar o acervo, e, principalmente, de dialogar. No século XXI, não dá para o Museu não estabelecer esse diálogo”, completa Henrique Cruz.