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Fundaj vem desenvolvendo a pesquisa "O Crescimento do Sionismo Cristão na América Latina"
Sionismo é um movimento surgido no século 19 na comunidade judia na Europa que buscava uma solução para a criação de um Estado Judeu. O sionismo cristão antecede em dois séculos esse movimento, por diferentes razões, mas tendo em comum o apoio à volta dos judeus à Palestina. De lá pra cá, o Estado de Israel foi criado em 1948, e o sionismo cristão se difundiu, cada vez mais associado ao campo conservador protestante. E a partir da segunda década dos anos 2000, dois países da América Latina começaram a chamar atenção pela visibilidade e organização do sionismo cristão, unindo especificamente religião e política: Brasil e Guatemala.
Só para se ter uma ideia, nesses dois países, a grande quantidade de igrejas evangélicas e sua politização ajudaram a levar o sionismo cristão aos parlamentos e à política externa de seus governos. Apoiados no forte filossemitismo (fenômeno cultural caracterizado pelo interesse ou afeição pelo povo judeu e pela sua cultura, história ou língua) presente entre os evangélicos, esses militantes sionistas acabam assumindo uma posição estranha de patriotismo, por exemplo. "Essas pessoas defendem muito mais os interesses de Israel do que os dos próprios países onde moram", afirmou o pesquisador emérito inglês naturalizado brasileiro Paul Freston.
Para avaliar essas mudanças, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), através da Diretoria de Pesquisas Sociais (Dipes), está realizando a pesquisa "O Crescimento do Sionismo Cristão na América Latina". "Aqui no Brasil, esse movimento começou a se fortalecer a partir de 2014 e se consolidou com o impeachment da presidenta Dilma e com a eleição de Bolsonaro", explicou Joanildo Burity, pesquisador do Centro de Estudos de Cultura, Identidade e Memória (Cecim), da Fundaj.
Joanildo e Paul estão entre os nomes que estão à frente da pesquisa. De 4 a 7 de dezembro, os dois estiveram reunidos, no Campus Apipucos da Fundaj, com a pesquisadora guatemalteca Brenda Carranza, também integrante da equipe do projeto, para realizar uma oficina de análise e escrita sobre o trabalho de campo realizado na Guatemala, em 2022, fazendo assim um comparativo com a realidade brasileira. Também fazem parte da pesquisa as professoras Cecília Mariz, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e Maria das Dores Campos Machado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que participaram de uma das seções de debate virtualmente.
Segundo Joanildo Burity, a partir do início do Governo Bolsonaro, isso se traduziu também em termos de mudanças explícitas na política externa brasileira com o ministro Ernesto Araújo que, apesar de não ser evangélico, e sim católico conservador, assumiu inteiramente essa pauta de identificar Israel e Estados Unidos como dois aliados estratégicos do Brasil. E na Câmara e no Senado, os parlamentares mais conservadores, principalmente os evangélicos e alguns católicos, passaram a fazer, abertamente, a defesa do Estado de Israel, dizendo que o Brasil tinha que assumir uma maior proximidade.
“O Governo Bolsonaro, inclusive, encaminhou negociações que se transformaram em acordos de cooperação técnica entre Brasil e Israel, que não eram comuns antes. E em que outro lugar na América Latina havia um fenômeno semelhante? Na Guatemala. Sendo um país centro-americano, obviamente, muito menor que o Brasil, mas com uma enorme população evangélica. Algo em torno de meio a meio com os católicos, em termos de números, e com uma presença evangélica muito forte na política. Tendo tido presidentes evangélicos no passado. De 2015 a 2018, houve um deles chamado Jimmy Morales que foi o responsável pelo traslado da Embaixada da Guatemala, em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo imediatamente a decisão de Donald Trump de também fazer isso para os Estados Unidos. Mais do que isso, percebemos que havia no parlamento guatemalteco uma Liga de Amizade Parlamentar Guatemala/Israel muito ativa e esse processo todo já vem de alguns anos”, explicou.
Burity fez questão de frisar que esse discurso pró-Israel não é só uma espécie de amor à cultura judaica. “É uma atitude política, de defesa do atual Estado de Israel em tudo que ele venha decidir, justificada em termos das doutrinas cristãs, de que Israel é o povo escolhido de Deus e que, por isso, tem que se abençoar Israel. Então, o nosso estudo se propôs a avaliar essa conexão entre discursos sionistas e evangélicos, mas, por outro lado, também identificar o peso desse crescimento do discurso pró-Israel no contexto brasileiro e no guatemalteco, comparando os dois países”, complementou.
Enquanto isso, Paul Freston esclareceu que nem sempre o sionismo teve relação com os pensamentos de direita e extrema direita. “Tudo começou a mudar quando acontece a Guerra dos Seis Dias, em 1967, com Israel conquistando os territórios ocupados, como Cisjordânia e Faixa de Gaza. Isso fez com que todo o contexto internacional fosse ficando desfavorável a Israel, e a esquerda política vai deixando de apoiar os israelenses. Além disso, começou a haver mudanças em Israel a partir de 1977. Antes eram governos mais de esquerda e centro-esquerda, e depois passaram a ser governos predominantemente de direita. Esse governo atual é, provavelmente, o mais à direita de todos os tempos em Israel. E isso vem ajudando a caracterizar o apoio a Israel por parte dos sionistas cristãos como uma atividade associada mais com a direita”, justificou.
Mas, segundo Freston, o que também vem chamando a atenção é a expansão geográfica do sionismo cristão para o Sul global. “Uma coisa que começou na Europa e se fortaleceu muito nos Estados Unidos, mas que, hoje em dia, está se tornando forte em outras partes do mundo, em vários países da América Latina, da África subsaariana e até em alguns lugares na Ásia, como Coreia do Sul e Filipinas. Então, isso, obviamente, está associado ao crescimento de igrejas cristãs nessas partes do mundo, principalmente as evangélicas”, afirmou.
Etapas da pesquisa
Professora do Departamento de Antropologia na Universidade de Campinas (Unicamp) e atualmente pesquisadora visitante na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a pesquisadora guatemalteca Brenda Carranza destacou que o projeto iniciou há pouco mais de três anos e é constituído de cinco fases. “Na primeira, houve uma discussão e revisão bibliográfica com todos juntos para, de certa maneira, ter uma base comum de discussão conceitual, e realizou-se a pesquisa documental e de entrevistas no Brasil. No segundo momento, trabalhamos com especialistas que podiam nos ajudar a entender o fenômeno do sionismo cristão que tem crescido tanto no Brasil como na Guatemala e outros países. Também se realizou nesta fase uma oficina internacional virtual, com mais de uma dezena de expositores(as) sobre o tema em âmbito global, além da participação dos membros da equipe em eventos acadêmicos. Já a terceira fase foi a de campo, onde Paul, Joanildo e eu viajamos à Guatemala, onde fizemos 35 entrevistas e visitamos igrejas e organizações, inclusive o Parlamento.”
No momento, segundo ela, o trabalho está na quarta fase, que é a da análise de dados. “Aqui no Recife, estamos analisando os dados que se referem à Guatemala. No ano passado, fizemos análises dos dados tanto da Guatemala quanto do Brasil, que já tínhamos acumulado da terceira fase, que contou também com coletas de materiais e entrevistas tanto do Brasil quanto da Guatemala. No ano que vem, entraremos na quinta etapa que é publicação e divulgação dos resultados.