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Fundaj debateu olhar plural e crítico para coleções afro-brasileiras e africanas em seminário internacional
A Coordenadora-Geral do Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira (Cehibra), vinculada à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), promoveu entre os dias 4 e 5 de dezembro o seminário internacional “Repensar arquivos, reescrever histórias: coleções africanas e afro-brasileiras em museus e acervos históricos brasileiros”. Realizado na Sala Calouste Gulbenkian, no campus Gilberto Freyre da Instituição Federal, em Casa Forte, o Seminário apresentou, debateu e elaborou propostas críticas e construtivas sobre as coleções africanas e afro-brasileiras em museus e acervos históricos brasileiros.
No primeiro dia, o evento contou com uma mesa de abertura formada pela presidenta da Fundaj, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, pelo diretor da Dimeca, Túlio Velho Barreto, pela coordenadora do Cehibra, Nadja Tenório, e pela historiadora e pesquisadora da Fundaj, Cibele Barbosa. “O título desse Seminário ‘Repensar arquivos, reescrever histórias’ fala do passado, do presente e do futuro, exatamente em um momento em que estamos vivenciando uma etapa de reconstrução do estado democrático de direito no Brasil. Isso significa abrir as portas para rever essa história e construir novas histórias e disponibilizar à sociedade esse rico acervo da Fundaj, que é objeto de muita atenção de pesquisadores e pesquisadoras. Eu sei que podemos construir estratégias para dar maior alcance à visibilidade desse acervo, porque um povo que não conhece sua história, não tem identidade”, afirmou a presidenta da Fundaj.
Na primeira mesa, os participantes também destacaram que o Seminário faz parte das comemorações dos 50 anos do Centro de Documentação da Fundaj, importantíssimo na salvaguarda da memória de Pernambuco, do Nordeste e do próprio Brasil. O diretor Túlio Velho Barreto destacou o papel do Cehibra na própria ampliação do papel institucional da Fundaj. “Completando praticamente 50 anos, o que ocorre no próximo ano, o Cehibra tem pessoas que deram grande contribuição à instalação e consolidação do Centro como referência, não só para nós da Fundação Joaquim Nabuco, mas para todo o campo em que ele atua, sendo uma referência nacional. Meio século é bastante tempo e ter uma unidade como o Cehibra funcionando há 50 anos, ainda mais numa perspectiva sempre de ampliação de sua atuação, isso não é pouco”, comentou.
Coordenadora da Cehibra, Nadja Tenório destacou o papel da Coordenação na difusão do acervo para pesquisa. “Importantíssimo esse Seminário, é pertinente, neste momento em que temos mudança de tecnologia e muita digitalização de arquivos. Precisamos ter o cuidado para não sermos acumuladores da documentação, tanto impressa quanto digital, precisamos levar esse material às pesquisadoras e pesquisadores que estão ansiosos por material para trabalho”.
Após a mesa, a historiadora e pesquisadora Filipa Lowndes Vicente, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, realizou a conferência de abertura do minicurso sob a temática “Por uma ética ‘decolonial’ da fotografia”. Doutora pela Universidade de Londres em 2000, Filipa apresentou estudos de casos, como versos de cartões postais, que mostram como a fotografia pode fazer parte de um projeto colonial e compõe coleções de instituições ao redor do mundo. A pesquisadora questionou a dicotomia entre o valor atribuído aos corpos das mulheres negras e brancas nos acervos, e como essas hierarquias continuam vigentes e se reproduzir essas imagens é também uma forma de violentar as mulheres.
“É sobre o estudo de caso específico das mulheres africanas no arquivo colonial visual português que falo porque, a partir dele, comecei a pensar questões éticas que debatemos, pesquisadores, historiadores, arquivistas, artistas, museólogos”, disse a pesquisadora que, em seguida, apresentou postais que depreciam a imagem de mulheres africanas. Filipa também explicou a complexidade em torno do debate sobre mostrar ou não essas imagens, mesmo que seja para debatê-las de forma crítica. “Começo a acreditar que esses álbuns não devem ser mostrados, esse debate é diferente em diferentes países. Em alguns, querem mostrar para denunciar. Em outros, a ideia é não mostrar, mas sim pensar em outras estratégias para debater o assunto”, concluiu.
Em seguida foi realizada a mesa-redonda que tratou de imagens da África em coleções fotográficas. Participaram, Naiara Krachenski (UNESPAR), Yuri Agostinho (Universidade de Luanda), Marcus de Oliveira (UFF), Cibele Barbosa (Fundaj) e Giselda Brito (UFRPE), que mediou o encontro. Segundo Cibele Barbosa, é necessário debater não apenas as questões técnicas dos acervos, mas as significações e ressignificações que eles carregam. Nos últimos anos, estudos críticos sobre exposições, coleções e acervos de instituições ocidentais têm suscitado debates sobre certas práticas curatoriais e sobre a deontologia em torno do que mostrar a cultura material dos outros. A restituição tem sido, igualmente, tema de polêmicas.
Segundo dia
No segundo dia, a pesquisadora da Fundaj Cibele Barbosa coordenou a mesa-redonda “Pesquisando em coleções africanas e afro-brasileiras”, composta por Bruno Véras (Universidade de Toronto), Luiza Reis (UFPE), Henrique Cruz (Fundaj) e Mariza de Carvalho Soares (UNIFESP). “O evento não fecha, mas abre perspectivas para que nossas instituições e nossos trabalhos possam incorporar essas questões e pensarmos mais acerca das curadorias, da difusão e dos padrões que repetimos acerca dos acervos”, destacou Cibele.
Em sua apresentação, Bruno abordou a cultura material africana no Brasil a partir do trabalho de James Wetherell, que tem em seu acervo peças afro-brasileiras e indígenas, e também peças importadas para a costa do Brasil. Véras mostrou, ainda, de que forma o público pode acessar e conhecer melhor esta coleção, através do site do The British Museum, que detém muitas das obras de Wetherell.
O debate seguiu com a abordagem histórica, cultural e social de Luiza sobre os brasileiros e brasileiras nos Festivais de Artes Negras: Dacar, em 1966, e Lagos, em 1977. Sobre o primeiro festival, Reis destacou que os anos 1960 foram de grande efervescência, uma vez que os países africanos se tornavam independentes e a “orientação da diplomacia brasileira era selecionar artistas que valorizassem a mistura e a mestiçagem brasileira, que está dentro do entendimento do que nós chamamos de democracia racial. Eles não aceitariam artistas que promovessem o que eles chamavam separatismos, ou seja, a cultura negra de maneira isolada”.
Já durante o II Festival Mundial de Artes e Cultura Negra, a diplomacia brasileira não queria valorizar a religiosidade, mas quando percebeu a possibilidade de estabelecer relações políticas com a Nigéria, começou a fortalecer esse aspecto identitário.
Mariza de Carvalho Soares intitulou sua apresentação como “A Coleção Adandozan do Museu Nacional. Rio de Janeiro 1818-2018”. Ela falou sobre a coleção africana que era abrigada pelo Museu Nacional e explicou que a coleção se constrói ao longo do tempo, então é importante pensar nos objetos ao longo de suas histórias: eles começam como objetos, vão para museus e se tornam objetos de pesquisa. “Um historiador por ofício está trabalhando com o tempo. Nós, especificamente, temos a obrigação de pensar o tempo dentro do trabalho da gente”, finalizou.
O Museu do Homem do Nordeste e o Engenho Massangana
Em paralelo às discussões em âmbito nacional e internacional, o museólogo do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), Henrique Cruz, abordou como o museu e o Engenho Massangana se relacionam com os seus acervos no momento atual. Para isso, ele falou sobre as exposições “Massanganu: memórias negras”, com foco no protagonismo de pretas e pretos escravizados, e “A sua casa não tem porta e nem janela”, que pontua a ancestralidade e a memória.
Henrique chamou atenção para o apagamento das pessoas negras de fotografias presentes na Coleção Francisco Rodrigues, e também para toda violência moral e sexual que as amas de leite passaram e o quanto as imagens delas ainda são romantizadas - como é o caso da foto de Mônica.
Passeio por museus
Convidado para fazer o encerramento do evento, o pesquisador Silvio Correa (UFSC) apresentou a conferência “Do passeio por museus. Notas peripatéticas de pesquisa sobre coleções africanas”. Ele afirmou que, a partir dos apontamentos de Georg Simmel, Achim Schrader atentou para os cinco atributos do espaço através dos quais o viajante pode observar a realidade social: espaços que são exclusivos, que podem ser subdivididos e limitados, que são fixados para a representação social, que permitem a proximidade sensorial e que podem ser trocados.
A partir daí, ele propôs como espaços museais podem ser observados. O pesquisador analisou, então, quatro museus, como o Africa Museum (Tervuren) e o Museu Nacional de Etnologia (Lisboa). “Saindo do espaço do museu, encontramos também outros elementos, mesmo que o museu tenha uma proposta decolonial, em processo de descolonização. O museu não é uma ilha e essas etimologias de espaço tentam entender esse museu nas suas dinâmicas interespaciais”, ressaltou.
O seminário
O encontro, na modalidade híbrida, foi marcado pela parceria com a Coordenadoria de Estudos de África da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Laboratório de História da África da Universidade Federal de Santa Catarina e o GT de História da África da Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH-PE). O evento abre as comemorações dos 50 anos do Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira. Ele foi transmitido e pode ser encontrado no canal do YouTube da Fundação Joaquim Nabuco.