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Exposição “Masanganu: memórias negras” traz diálogo entre documentos e obras artísticas sob uma perspectiva decolonial da escravidão brasileira
A reabertura do Engenho Massangana, equipamento cultural vinculado ao Museu do Homem do Nordeste da Fundação Joaquim Nabuco, será também um momento de abertura do espaço para novas narrativas, invisibilizadas por muito na história do país. Trata-se de exposição Masanganu: memórias negras, que promove um diálogo entre documentos históricos da vida dos escravizados do engenho onde cresceu Joaquim Nabuco com obras artísticas de importantes vozes pretas do país, em uma proposta de uso decolonial de um espaço tão complexo na história das populações marginalizadas do país. A mostra será aberta dia 19, às 10h.
Pelas três salas da casa-grande, materiais vindos do acervo da Fundaj e do Museu da Abolição estabelecem diálogos com obras de artistas como Zózimo Bulbul, principal referência histórica do cinema negro brasileiro, Marcelo D’Salete, um dos maiores nomes dos quadrinhos do país e Gê Viana, artista plástica maranhense que vem realizando um grande trabalho com colagens e arquivos sob uma perspectiva decolonial.
Elas se encontram ao lado de uma carta da madrinha de Joaquim Nabuco, Ana Rosa Falcão, relatando a companhia de uma criança escravizada, Marcos, para a ida do pequeno Joaquim ao Recife, uma lista dos escravizados do engenho, obtida a partir de um inventário, incluindo a pequena Roza, trazendo a infância dos escravizados como um dos fios condutores a se pensar os apagamentos demonstrados pela exposição. A curadoria foi realizada por Henrique de Vasconcelos Cruz e Victor Carvalho.
“Temos essa perspectiva decolonial aplicada aos museus, tornando protagonista determinadas populações que eram invisibilizadas. No nosso caso, os escravizados, pretos e pretas que foram contemporâneos de Joaquim Nabuco e foram esquecidos. São pessoas que permeiam a trajetória dele, mas que não eram mencionadas. Como o Marcos e a Roza, trazemos esses questionamentos: ‘será que eles conviveram e brincaram juntos?’. A gente sabe muito da infância de um e nada da infância dos outros. Temos essa perspectiva a partir do próprio nome do engenho, que vem da origem quimbundo, que significa confluência e encontro de rios”, explica Henrique de Vasconcelos.
Além das infâncias escravizadas, outro grupo que é abordado pela exposição são os das amas de leite e mucamas, escravas que eram exploradas dentro da casa grande. Essas mulheres, prestando serviços mais íntimos no dia a dia do senhorio, acabaram entrando em uma complexa teia de relações sociais violentas. Imagens delas ao lado de seus pequenos senhores se tornaram uma convenção, mas nunca identificadas, ao contrário dos amos, que possuíam longos registros. Em outros casos, os rostos das escravas também eram apagados das imagens.
“Em Minha Formação, Joaquim Nabuco fala em dois momentos da ama de leite dele, mas não fala o nome. A gente localizou uma fotografia no acervo da Fundaj que diz que a ama foi apagada propositalmente, para dar destaque só para a criança. É uma forma de apagamento. Da memória e das vivências delas. A gente trata nos textos da exposição essas perspectivas desses escravizados, a partir de pesquisas e trabalhos recentes, descrevendo o cotidiano e o que sofriam as amas, mucamas, crianças”, afirma Henrique.
Já na seara artística, a Masanganu contará com uma projeção de Alma no Olho, emblemática videoarte de Zózimo Bulbul, obra que é um dos principais marcos do cinema preto brasileira. Gê Viana traz a série de obras “Atualizações Traumáticas de Debret”, trazendo releituras de obras de Jean-Baptiste Debret, subvertendo a lógica do pintor viajante no tratamento subalternizado de pessoas negras. De Marcelo D’Salete, vem serigrafias baseadas em sua premiada HQ Angola Janga, que gira em torno das vivências no Quilombo dos Palmares. Já a obra da designer Olívia Gerônimo ficará no teto da sala onde estarão as obras do Museu da Abolição, que não possuem autoria identificada.
Serviço:
Exposição “Masanganu: memórias negras”
Engenho Massangana, Rod. PE-60, s/n - Cabo de Santo Agostinho
Abertura em 19 de agosto (sexta-feira), às 10h