Notícias
Com homenagens e reflexões, tem início o seminário internacional dedicado à obra e trajetória de Francisco Brennand
Teve início, na noite desta quarta-feira (21), o seminário internacional “Francisco Brennand: a Oficina como território”, uma parceria inédita entre a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e a Oficina Francisco Brennand. Ao longo de cinco dias, o evento celebra a obra e história de um dos mais prestigiados artistas do país. E a abertura do encontro deu o tom do que será este seminário: reflexões sobre a obra de Brennand, fomento e difusão sobre a arte, a memória e a história social do escultor, pintor e pensador pernambucano, falecido em 2019.
Realizando a abertura institucional, tomado pela emoção de falar sobre um amigo, o presidente da Fundaj, Antônio Campos, discorreu sobre a admiração pessoal que tem de Francisco. "Pintor, desenhista, escultor, ceramista, Brennand foi artista singular, com obra marcante", iniciou. Em seguida, Campos reproduziu ao público seu artigo "Francisco Brennand e sua visão ecológica da vida", no qual detalha visita à oficina e aborda influências, obras e genialidade do ceramista. "Brennand viu o essencial, ele disse que o homem ao se achar superior aos animais, à natureza, virou inimigo comum de todos e dele mesmo, perdendo o paraíso e começou a destruir a mãe-terra, que é um dos primeiros painéis de seu santuário".
Diretora de Operações da Oficina Francisco Brennand, Ingrid Melo, ainda na fala de abertura destacou que o seminário faz parte das comemorações do cinquentenário da oficina, celebrado em 2021. Ingrid exaltou, ainda, a consolidação do vínculo simbólico que sempre existiu entre a Fundação e a Oficina, dois espaços fundamentais para cultura pernambucana e brasileira.
"Em 1961, Brennand foi convidado para elaborar um grande mural de cerâmica que continua presente na fachada da Fundaj. É uma arte pública urbana que faz parte da memória afetiva dos recifenses, um verdadeiro patrimônio artístico coletivo da cidade. Expressa o estilo marcante de Brennand, em seus elementos pictóricos, estéticos e técnicos no uso da cerâmica, além do interesse artístico pelo potencial poético das formas da natureza. O painel representa um canavial, paisagem repleta de significados sociais, econômicos e políticos, ainda mais em Pernambuco, enquanto território de relações humanas, questões sempre problematizadas pelas pesquisas da Fundaj", destacou.
A mesa redonda de abertura do seminário apresentou um pouco do que poderá ser acompanhado pelo público até o próximo domingo, dia 25 de setembro, quando se encerra o evento. A pesquisadora e historiadora Betty Lacerda, coordenadora-geral de Documentação e de Estudos da História do Brasil (Cehibra), da Fundaj, deu início à mesa com um texto escrito pelo diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Casa, Mario Helio, que não pôde estar presente na ocasião.
"É mais do que da memória do barro e das tintas feito o microcosmos da Várzea de Brennand. É uma biblioteca de formas, de frases, de palavras, escritas e inscritas, porque ali, mais do que em qualquer outra parte do Recife, o verbo se faz carne. A carne e seus muitos nomes. É também a Educação o que preside a Várzea de Brennand. Ele que ali plantou uma Academia platônica e aristotélica. É a cultura no sentido mais amplo, o antropológico. E é, principalmente, Arte, com A maiúscula. Substantivo", diz trecho do texto de Mario em homenagem ao artista.
Em seguida, Betty colocou à disposição de pesquisadores o importante acervo sobre Francisco Brennand disponível na Fundação Joaquim Nabuco. Ela destacou obras na pinacoteca, na biblioteca, no arquivo de fotografias, tanto de Brennand quanto sobre ele. Por fim, a pesquisadora citou a obra do canavial. "Quis destacar esse painel como sendo, acredito, a principal obra de Brennand do acervo da Fundaj. Então, a fundação homenageia já de cara, de imediato, a Francisco Brennand preservando sua maior obra dentro deste edifício", disse.
Além das palestras, o seminário dividirá com o público uma mostra de cinema composta por um recorte de filmes e cineastas que povoaram o pensamento criativo do artista pernambucano, um grande apreciador da sétima arte. E o jornalista Ernesto Barros, curador do Cinema da Fundação, explicou como foi composta a Mostra Francisco Brennand. "Foi uma escolha interessante, conseguimos trazer um pouco do trajeto cronológico do interesse dele pelo cinema, com as viagens que ele fez para a França, onde pôde acompanhar os filmes na Cinemateca Francesa e conhecer o cinema desde seu nascimento, com filmes de Lumière, do surrealismo, do expressionismo alemão. Dá para sentir como quase toda obra dele é de grande curiosidade intelectual, ele era aberto a novos mundos por meio da literatura, da arte, do cinema".
A mostra de cinema que terá filmes como “Maluco Genial” (de Ronald Neame); “Henrique V” (Kenneth Branagh); “O Anjo Azul” (Josef von Sternberg); “Barton Fink” e “Fargo” (Irmãos Cohen) foi inaugurada na noite desta quarta-feira com o documentário Francisco Brennand (2012), dirigido por Marianna Brennand, que apresenta o artista em seu íntimo processo de criação.
A obra de Brennand deve passar por diferentes reflexões ao longo do seminário, momento este que pode ser um divisor de águas sobre o debate crítico de seu trabalho, conforme avaliou o curador e pesquisador da Fundaj, Moacir dos Anjos. "O fato de Brennand não ter dependido da venda de seu material para viver teve consequências positivas e outras talvez nem tanto. Ele não dependeu dos humores do mercado para desenvolver sua poética singular, ele pôde criar ao longo de décadas sua obra. Mas, com a autossuficiência, se fechou ao debate crítico mais aberto e plural. Ao decidir não se expor, quase nunca, ao escrutínio do outro, ele escolheu interlocutores críticos que lhe interessavam e que o estimulassem a refletir sobre questões postas em seu trabalho. Isso gerou uma leitura crítica pouco aberta a paradoxos, contradições, desvios, como se não se prestasse a dúvidas, recuos, a quedas, algo cômodo ao artista. E não há juízo de valor aqui, mas ocorre que, ao meu ver, limitou um pouco a recepção de sua obra. Então, esse me parece ser um momento especial para reavaliar sua obra, ele nos levou a uma obra que somente em sua ausência podemos falar de mais coisa que antes", disse Moacir.
Júlia Rebouças, diretora Artística da Oficina Francisco Brennand, falou da alegria em torno da realização de um projeto sobre a trajetória de um artista que por toda a vida se dedicou a refletir sobre arte. "A oportunidade de celebrar um projeto artístico, de renovar nossos valores, por que estamos juntos? Por que compartilhamos esse tempo-espaço social? Isso não é diferente do que nos une, que é nossa cultura. Então, realizar um evento que busca refletir sobre a arte, que traz pensamento crítico, que traz vozes dissonantes, vozes consonantes, é muito importante".
Ela destacou, também, os 50 anos da Oficina. "É um privilégio ver Brennand no Marco Zero, em fachadas de prédios, em obras espalhadas pela cidade, mas a oficina é um condensado, um aglomerado importante do interesse artístico dessa figura tão importante. Quando falamos sobre oficina como território, falamos disso também, desse desejo ativo de colocar o trabalho em circulação, pois, sendo de conhecimento e domínio público, pode reverberar criticamente. Os 50 anos dessa instituição são um marco cultural do Recife, da obra e do desejo de alguém que acreditava na cultura", concluiu.
Nesta quinta-feira (22), o seminário segue tanto com palestras quanto com a mostra Francisco Brennand. As atividades começam às 14h30, com a conferência "Francisco Brennand, mestre do sonho no centro do mundo", ministrada pelo escritor e crítico Jacob Klintowitz, autor de 189 livros sobre artistas, teoria da arte, antologias e ficção. Às 16h, uma mesa redonda lança luz sobre o tema "Outros modernismos na obra de Francisco Brennand: reverberações fora de territórios hegemônicos". Por fim, às 18h, a Mostra Francisco Brennand exibe os filmes “Maluco Genial” (18h) e “Veludo Azul” (20h).
O seminário internacional “Francisco Brennand: a Oficina como território” é gratuito. As inscrições para palestras podem ser feitas pelo Google Forms, por este link Para as sessões de cinema, os ingressos estão disponíveis na bilheteria do Cinema da Fundação/Museu a partir de uma hora antes de cada exibição.