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Abertura de exposição no Muhne promove diálogo entre carnaval, religião e questões de gênero e sexualidade
Cinema, mesa redonda e exposição de objetos e fotografias. A tarde desta quinta-feira (21) foi marcada pela integração das artes para estimular o debate sobre a memória do babalorixá Mário Miranda / Maria Aparecida na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). O evento aconteceu na Sala Calouste Gulbenkian, no campus Gilberto Freyre da Fundaj, em Casa Forte, integrando a programação do Museu do Homem do Nordeste (Muhne) na 17ª Primavera dos Museus, e celebrou a abertura da intervenção expográfica no espaço, com acervo do babalorixá, exposto pela primeira vez ao público. A exposição promove o diálogo e trânsito entre Umbanda, carnaval e questões de gênero e sexualidade e já pode ser visitada pelo público.
A intervenção é composta por cerca de 40 objetos, adquiridos em 1991, como fotografias, documentos, artefatos e roupas usados em cerimônias religiosas e em celebrações carnavalescas que revelam um pouco da vida do recifense, conhecido também como o Rei da Umbanda de Pernambuco. Nascido na periferia do bairro de Casa Amarela, bairro da Zona Norte do Recife, Mário tornou-se figura pública na vida social e religiosa da capital pernambucana entre as décadas de 1960 e 1980, conquistando pessoas nos terreiros e nas ruas onde desfilava sua alegria, como a Avenida Guararapes.
Para iniciar o encontro, o público assistiu à exibição do filme “Babalorixá Mário Miranda, Maria Aparecida no Carnaval” (1974), do cineasta Jomard Muniz de Britto. O curta-metragem é uma entrevista com o babalorixá Mário Miranda, religioso negro do Recife, que gosta de ir pro carnaval vestido de mulher. “O fato de o museu ter mantido em invisibilidade este acervo por mais de 30 anos, tendo sido o babalorixá uma figura tão importante no Recife, confirma a dificuldade que os museus tradicionais têm de lidar com o tema da diversidade sexual e de gênero, excluindo os corpos dissidentes desse espaço”, comentou Silvia Barreto, servidora da Divisão de Estudos Museais do Muhne.
Para compor a mesa redonda que abordou a temática da produção artístico-cultural do homenageado, o historiador e monitor do Museu do Homem do Nordeste, George Pereira, mediou uma conversa entre o pesquisador Nairam Santana da Cunha, que estudou a história do babalorixá, e a pesquisadora aposentada da Fundaj Rosalira dos Santos Oliveira. George Pereira relembrou a importância dos museus na construção da memória social de um país e a oportunidade que o Muhne está tendo de trazer essa história e repensar sobre qual museu se quer, quais histórias se quer contar e para quem. “Os museus têm um papel importante na construção da história oficial e essa história oficial é feita de apagamentos. Então é muito importante estarmos aqui para falar da figura de Mário Miranda”, disse.
Para Rosalira dos Santos, é fundamental esse resgate de uma personalidade tão marcante na vida cultural do Recife e na tradição religiosa afrodescendente da cidade. A doutora em Ciências Sociais fez um resgate do contexto histórico e social do Recife na época em que Miranda cresceu. “Acredito que não cabe, aqui, o clichê de um homem à frente do seu tempo. Ao contrário, penso Mário/Maria como uma pessoa do seu tempo porque este era o tempo. O Recife dos anos 70 e 80 era, por exemplo, o tempo do Pai Edu. Era também o tempo em que, levada inicialmente por Múcio Catão, Consuelo, mais tarde Consuella, a primeira travesti reconhecida na sociedade pernambucana, brilhava nos desfiles de fantasia do Bal Masqué”.
O historiador Nairam Santana da Cunha, que desenvolveu seu mestrado em um trabalho intitulado "O que se vê pode não ser. Será?": a figura de Mário Miranda no Xangô pernambucano (1960-1970)”, falou sobre suas pesquisas e análises de coleções fotográficas. “Era a Aparecida que a maioria das pessoas conheciam porque Mário era o Pai de Santo, que o povo do terreiro tinha conhecimento, mas Maria Aparecida era o que toda a classe social reconhecia no dia a dia. E, embora com o tempo as personalidades se misturassem e tornavam-se um ser só, Mário adotou o nome de Maria Aparecida em referência à Nossa Senhora Aparecida, sincretizada com Oxum”, explicou.
Após as apresentações da mesa, o público, que contava com a presença do coordenador-geral do Muhne, pesquisador da Fundaj, curador e crítico de arte, Moacir dos Anjos, e do museólogo Henrique Cruz, fez intervenções e reflexões acerca da vida do babalorixá homenageado. A programação dos equipamentos culturais da Fundaj, Muhne e Engenho Massangana, vinculados à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), na 17ª Primavera dos Museus segue até 22 de setembro. O evento nacional é coordenado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e tem como tema neste ano “Memórias e democracia: pessoas LGBT+, indígenas e quilombolas”.