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“Museus, Museologia e memórias traumáticas da Ditadura Militar no Brasil” é tema de debate em painel promovido pela Fundaj
Em 31 de março de 1964 o Brasil enfrentou o golpe militar com a deposição do então presidente brasileiro João Goulart. Nesta sexta-feira (31), quase seis décadas após, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), por meio do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), promoveu o Painel “Museus, Museologia e Memórias Traumáticas da Ditadura Militar no Brasil”. Aberto pela presidenta da Fundaj, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, o encontro foi realizado na Sala Calouste Gulbenkian, campus Gilberto Freyre, em Casa Forte.
Com mediação do cientista político e diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundaj, Túlio Velho Barreto, e conduzido pela professora doutora Ana Paula Ferreira de Brito, historiadora e museóloga que integra o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, o Painel “Museus, Museologia e memórias traumáticas da Ditadura Militar no Brasil” foi uma aula sobre recordação e história do Brasil pós-golpe civil militar de 1964. O foco do debate foi o papel dos espaços museológico na preservação da memória a todos aqueles perseguidos, torturados e assassinados durante o período ditatorial no Brasil.
Museólogo do Muhne, Henrique de Vasconcelos Cruz, que teve a iniciativa de promover o painel, destacou que o encontro foi uma consequência da sua participação como representante da Fundaj na Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus – ICOM, em Praga, na República Checa, em 2022. “Nessa conferência internacional, tive a oportunidade de conhecer Ana Paula, que hoje pode estar aqui no espaço da Fundaj para essa palestra tão necessária. É importante que a gente possa, coletivamente, discutir com mais seriedade essa temática dentro do Mulher, já que os museus brasileiros têm receio de tocar no assunto da ditadura militar”, observou Henrique Cruz.
Doutora em História Social pela PUC/SP, a professora Ana Paula Ferreira de Brito iniciou o encontro falando do impacto que a Lei da Anistia de 1979 teve no país. “Para além da sociedade civil que foi vítima da ditadura e resistiu contra o golpe, foram anistiados os perpetradores que cometeram crimes de lesão contra a humanidade. Portanto, vivemos também um silêncio que foi institucionalizado. Foi imposto à sociedade brasileira um não olhar para trás, em uma tentativa de silenciar esse passado.” Mas a sociedade, destacou, não esqueceu. O Estado e os meios de comunicação manipularam esse alheamento sobre o período de 64 a 85, período da ditadura militar no Brasil.
A banalização da tortura pela extrema-direita política no país, assim como a falta de acesso a informação de documentos históricos da época da ditadura, taxados como ultrassecretos forma citados pela professora como exemplos da construção desse alheamento. Esses registros, defendeu, deveriam ser de consulta pública. Outra lacuna é a negação do protagonismo aos familiares das vítimas da ditadura e ex-presos e presas políticos, que desde aquela época reivindicam a verdade. “A importância do direito à memória e do esclarecimento de verdades históricas é essencial. Existe um agravamento do sofrimento dessas pessoas a longo prazo, devido a noção de crime continuado e os efeitos psicológicos que essa ausência de informações tem provocado nessas vítimas até hoje”, atestou a palestrante.
Ana Paula Ferreira de Brito trouxe também para debate a sua tese de doutorado de 2019, “Quando o cárcere se transforma em museu: processos de transformação de centros de detenção em sítios de memória no Cone Sul (1990-2018)”, na qual discorre sobre a ressignificação desses espaços de luto, em luta e lembrança social. Ela citou como exemplos alguns museus pelo Brasil como o Memorial da Resistência de São Paulo, assim como espaços no Nordeste, a exemplo do Memorial de Resistência em Fortaleza, além do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, localizado na antiga casa onde morou Elizabeth Altino Teixeira, uma trabalhadora rural e ativista brasileira que enfrentou a família de grandes proprietários ao se casar com João Pedro Teixeira, importante trabalhador sem terra.
“Um sítio de memória e consciência tem em sua essência um elemento propulsor dos direitos humanos. É uma instituição cultural dedicada à ativação de memórias de passados traumáticos para a educação e respeito aos direitos humanos”, disse, reforçando que o dever de memória é do Estado e não da sociedade civil. “Cabe ao Estado que foi repressor e violador preservar essas memórias e ressignificá-las para que as novas gerações tenham direito a acessar esse passado.”
O cientista político e diretor da Dimeca, Túlio Velho Barreto, que é autor de livros sobre a ditadura militar, como “‘Na trilha do Golpe: 1964 revisitado” e “O golpe passado a limpo” (em parceria com a pesquisadora da Fundaj Rita de Cássia Barbosa de Araújo), finalizou a palestra com um compromisso. “Na condição de diretor da Dimeca, assumo esse compromisso de pensar em uma perspectiva do que é possível fazer nesse espaço da museologia para cumprir o papel tão importante que é o do respeito à memória em cima do tema ditadura militar”, conclui.