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“A cultura do ódio causa sofrimento ao ambiente escolar”, diz especialista durante seminário na Fundaj
Quais os caminhos para uma cultura de paz nas escolas e em nossa sociedade como um todo? Essa foi a temática do seminário "Situações de violência nos espaços educativos: causas e consequências", realizado na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), na tarde desta quinta-feira (3), na Sala Calouste Gulbenkian, localizada no campus Gilberto Freyre, em Casa Forte. O encontro foi aberto pela presidenta da Fundação, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, e teve coordenação da Diretora de Planejamento e Administração (Diplad) da Fundaj, a professora doutora Aida Monteiro.
“Esse debate vem num momento de suma importância para a Fundaj que é o lançamento do Núcleo de Educação, Cultura, Inclusão, Meio Ambiente e Diversidade em Direitos Humanos, um marco no sentido da reflexão. Devemos compreender o sentido de direitos humanos em suas diversas dimensões. E, hoje, começamos abordando esse tema com a presença de professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras, agentes administrativos, que darão grande contribuição”, afirmou Márcia Angela Aguiar.
Já a diretora Aida Monteiro destacou que a Fundaj participa efetivamente dessa discussão. “Essa é uma casa da educação, que lida com diversos aparatos do campo das artes, da pesquisa. Então é preciso trazer essa temática sobre situações de violência ao debate. Entendemos como campo de aprendizado o afeto, o carinho e não podemos esperar que numa casa educativa se desenvolvam ações violentas como as que temos visto. É um problema que não acontece só no Brasil, mas também em países de primeiro mundo, um tema que reverbera no nosso dia a dia”, disse.
Para tratar das situações de violência na escola, foi realizada uma palestra da professora doutora Ivanna Sant’Ana Torres, que é membro do Conselho de Educação do Distrito Federal, especialista na área. Para além da violência na escola, a professora destacou a necessidade de reflexão sobre a violência contra a própria escola, que não é só a armada, mas, também, a simbólica. Ela abordou três principais eixos: a violência na escola, a violência da própria escola, que pode ser violenta a depender da forma como se organiza, e da violência contra a escola.
“No caso da violência contra a escola, temos vivido ataques armados, de ex-alunos, mas não se reduz a esse tipo de violência. Há outros episódios, quando temos a disseminação do discurso de ódio por pessoas com responsabilidade grande com o país, isso causa muito sofrimento à escola, à universidade, aos espaços educativos. Não se pode naturalizar a violência contra a escola, contra professores. É fundamental desconstruir essa cultura e promover outra, ressignificar e reconstruir”, afirmou.
Ivanna destacou que o conflito é inerente às relações humanas, ele existe e sempre existirá, o debate precisa, então, se dar sobre como lidar com esses conflitos nos ambientes escolares. “O próprio conflito pode servir para construir o diálogo, a convivência, em outros momentos pode gerar as violências, mas é disso que falamos, que violências são essas e como lidar?”, questionou.Durante a palestra, a especialista destacou que a violência está atrelada à violação de direito, seja em função de práticas machistas, racistas, capacitistas e misóginas, entre outras. E reforçou que se tais condutas são crimes, precisam ser tratadas como tal, para impedir a lógica da perpetuação da violação de direitos.
Militarização
Durante o encontro, outros pontos foram abordados, como a chamada “escola sem partido” e a militarização das escolas. Cabe destacar que o governo federal irá encerrar o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). O Ministério da Educação (MEC) enviou um ofício aos secretários de Educação informando que o programa será finalizado e que deverá ser feita uma transição cuidadosa das atividades para não comprometer o cotidiano das escolas.
“A função social da escola começa a ser esvaziada quando se traz organizações que não correspondem ao processo educativo. A militarização traz violências para a escola. Pensem bem, todos os meninos e meninas precisam, por exemplo, ter um mesmo corte de cabelo. O cabelo de cada um representa uma coisa diferente para a pessoa, isso já é uma violência à identidade”, destacou Ivanna.
A palestrante reforçou que é necessário não somente refletir sobre a violência que ocorre hoje, mas apontar caminhos para o amanhã. “Temos instrumentos que ajudam a tentar superar essas coisas, é importante ressignificar o princípio da gestão democrática, que é constitucional, primar pelas relações de respeito, diálogo, relações que não são racistas, mas que sejam anti-racistas, lembrando que não adianta querer tirar a diversidade de dentro da escola, o ambiente precisa viver essa pluralidade, de ideias e posicionamentos”, comentou.
Por fim, Ivanna Sant’Ana Torres destacou que o que se contrapor à cultura do ódio é entender a necessidade de construção da cultura de paz, que não é necessariamente ausência de conflito, mas sim uma cultura que entende os princípios do conviver de forma muito mais humana, digna e justa. Um dos caminhos apresentados por ela, por exemplo, é o trabalho com música, artes plásticas e dança, que contribuem para esse ambiente.
Já a diretora Aida destacou que para além da escola precisamos repensar nossos comportamentos no dia a dia, com quem trabalhamos, vivemos, lidamos. Além disso, a diretora da Diplad enfatizou que “cultura de paz em uma sociedade sem justiça social não existe”. Importante destacar que o Ministério da Educação (MEC) lançou neste ano, diversas ações para enfrentar a violência nas escolas. No Portal do MEC, por exemplo, é possível fazer o download da cartilha “Escola Segura: como lidar com conteúdos de violência online e conversar com crianças e jovens sobre o tema”. O material visa auxiliar os diálogos para a construção de um ambiente digital mais saudável e seguro, com orientações simples e práticas.
Na esteira deste tema, nesta quinta-feira (3), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, sem vetos, a lei que obriga o Poder Executivo a implantar um serviço de monitoramento de ocorrências de violência escolar. A Lei 14.643/23, publicada nesta quinta-feira (3) no Diário Oficial da União, determina que o serviço, chamado Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (Snave), seja implantado pelo governo federal em articulação com os estados, municípios e o Distrito Federal.