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Mês dos docentes
Professores enfrentam transtornos mentais, distúrbios de voz e violência
Os problemas que mais afetam professores – transtornos mentais, distúrbios de voz e a violência na e da escola – foram discutidos durante o IV Seminário Trabalho e Saúde dos Professores: Precarização, adoecimento e caminhos para a mudança. A conclusão de um trajeto que começou a ser trilhado em 2014 com a realização do projeto “Os impactos do trabalho docente sobre a saúde e segurança dos professores: constatações e possibilidades de intervenção”. Ele resultou em três seminários, realizados em 2016, 2017 e 2018, que tiveram suas discussões condensadas em livro lançado na quarta edição do evento, realizado neste mês.
Outubro é o mês em que as atenções se voltam para professores e professoras, pois em 5/10 comemora-se o dia mundial e em 15/10 o dia nacional voltados para a categoria. Já 10 de outubro é o Dia Nacional da Segurança e Saúde nas Escolas, data escolhida para o lançamento do livro Seminários Trabalho e Saúde dos Professores - Precarização, adoecimento e caminhos para a mudança. Organizadores da obra, parte dos autores e representantes dos trabalhadores discutiram as condições de trabalho e adoecimentos enfrentados pelos docentes. É possível assistir aos debates e às palestras no canal da Fundacentro no YouTube.
“Espero que o livro seja objeto de reflexão para a valorização da educação”, afirma a professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), Frida Fischer, autora do livro e palestrante. “Os constrangimentos que afetam os professores, problemas citados no livro, estão fora do controle deles”, explica. Um exemplo é a dificuldade que professores adoecidos enfrentam para a readaptação ao trabalho. Para uma mudança de cenário, em sua avaliação, são necessárias políticas públicas bem conduzidas e a valorização social daqueles que se dedicam ao ensino.
A questão dos professores readaptados também aparece na fala da professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Renata Paparelli, que atende trabalhadores com transtorno mental ou sofrimento psíquico intenso relacionado ao trabalho em clínica da PUC/SP. “Os professores readaptados não são considerados suficientemente doentes para se aposentar, nem suficientes para trabalhar. Voltam adaptados, aprisionados em um particípio passado. Há um esvaziamento de suas potencialidades e da potência de agir”, explica.
Adoecidos pelo trabalho
Segundo Paparelli, o adoecimento ocorre com assujeitamento, que impede a pessoa de ser sujeito de sua própria história pelos processos penosos do trabalho que foram imputados a ela. Os professores que adoecem têm um histórico de engajamento e de querer transformar a realidade. “Trabalhadores adoecidos são os que mais se investem no trabalho”, alerta Renata. Não há limite na dedicação e se opta por uma estratégia quixotesca – você contra o mundo. Nesse isolamento, nasce o burnout (esgotamento profissional). Também são comuns os casos de Tept (transtorno de estresse pós-traumático), oriundos de situações de violências sofrida pelos professores, tanto física quanto psicológica.
A questão da violência à escola, na escola e da escola foi apresentada pelo supervisor escolar da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, Wilson Teixeira. “A escola não é uma ilha separada da sociedade e reflete todos os problemas dela”, aponta. Segundo a professora da PUC/SP, Léslie Piccolloto, o Brasil, que possui 2,6 milhões de professores, ocupa o primeiro lugar em ranking global em agressão ao professor.
Um dos caminhos para mudanças, para Teixeira, é a realização de projetos de valorização dos direitos humanos para que seja criado um ambiente de diálogo. Um caso concreto é o Projeto Justiça Restaurativa, experiência em escola municipal de São Paulo/SP apresentada no livro pela pedagoga Sonia Visotto. Em linha semelhante, a psicóloga Renata Paparelli defende a construção de coletivos nas escolas para pensar estratégias, projetos e soluções. A transformação pode vir de pequenos coletivos que busquem no cotidiano brechas para ampliar as possibilidades de ação.
Olhar para organização do trabalho também é fundamental, como mostra Piccolloto. Em suas pesquisas, ela percebeu como essa questão interferia no uso da voz pelo professor e na ocorrência de distúrbios vocais. Também há interferências de questões ambientais como ruído, poeira e temperatura. A fonoaudióloga explica ainda que problemas de voz são cruzados com os de saúde mental.
Os distúrbios de voz costumam afetar mais mulheres, que possuem maior predisposição a esse adoecimento. Além disso, professores e professoras não se reconhecem nem são reconhecidos como profissionais da voz. Não recebem orientações para o uso adequado nem condições de trabalho. Em pesquisa realizada com professores da rede municipal de São Paulo/SP (2021), 57,3% apresentavam distúrbios de voz.
O DRVT (distúrbio de voz relacionado ao trabalho), segundo Léslie Piccolloto “é qualquer forma de desvio vocal relacionado à atividade profissional que diminua, comprometa ou impeça a atuação ou a comunicação do trabalhador, podendo ou não haver alteração orgânica da laringe”. Desde 2018, existe um protocolo do Ministério da Saúde voltado para o DRVT. O App SST Fácil, da Fundacentro, no módulo voltado para Educação, traz o tema Voz e Trabalho, que tem a fonoaudióloga como uma das autoras.
Múltiplas vozes
Além das palestras de autores, o IV Seminário traz mesa com representantes sindicais da educação e outra com os organizadores do livro. Na abertura, o presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho, destaca a importância de a instituição ter iniciativas para pensar os processos que adoecem professores e professoras.
“Não tenho nenhuma dúvida de que estamos falando de uma categoria que tem como elemento central do seu fazer o investimento do ser humano e da capacidade de realizar suas potencialidades, que vêm sofrendo sobre a égide do neoliberalismo, de governos violentos, com um processo intenso de comprometimento das suas condições para o exercício pleno dessa tarefa tão importante que é a tarefa de educar”, afirma Tourinho.
Também participaram o coordenador-geral de Projetos da Diretoria de Pesquisa Aplicada da Fundacentro, Cezar Saito, e o tecnologista Jefferson Peixoto, organizador do livro. Saito recorda trabalhos da instituição voltado ao tema, como a pesquisa da ergonomista Leda Leal e equipe sobre trabalho de professores na educação básica entre 2005 e 2010, e o trabalho posterior desenvolvido entre 2014 e 2019, sob a coordenação de Jefferson.
“Não dá para discutirmos educação de qualidade com professores doentes. Por isso a escolha dessa data, o Dia Nacional de Segurança e Saúde nas Escolas, próximo ao Dia Mundial e ao Dia do professor”, explica Peixoto.
Para a discussão, foram convidados diferentes representantes da categoria, uma forma de trazer o “chão da escola” para o IV Seminário. “Essa presença faz toda diferença, porque buscamos encontrar caminhos para melhorar as condições de trabalho e saúde dos professores”, aponta Jefferson.
“Esses trabalhos e esse seminário são importantes para nós que estamos no chão da escola, contamos com vocês para que esses trabalhos sejam efetivos. Muitas vezes quando temos que fazer denúncias ou mediações nos faltam referências bibliográficas, que essa fundação pode nos dar”, completa o vice-presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo, Gentil Gonçalves Filho.
O secretário geral do Sindicato dos Professores de Indaiatuba, Salto e Itu (Sinprovales), Daniel Almeida, defende a importância das políticas públicas e de o Estado centralizar as ações para garantir a política educacional e a saúde mental dos professores. Já a diretora do Sindicato dos Professores de Santa Bárbara d´Oeste (SindProSBO), Fernanda Feliciano, destaca o adoecimento dos professores: “Temos visto enquanto sindicato os professores adoecerem dia após dia, é nossa pauta, precisamos estar inteiros para cuidar de outros”.
Representando o ensino privado, Sofia Aragão, do Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP), alerta para os problemas trazidos pela pandemia à categoria, além de destacar a venda de escolas para grandes conglomerados em que os “professores são vendidos junto”. O SinproSP criou um programa piloto de saúde mental dos professores com atendimento individual e depois em grupo.
A secretária de Saúde dos (as) Trabalhadores (as) em Educação da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Francisca Seixas, também destaca a questão da pandemia e pesquisa recente sobre os impactos na saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação. “Dados são preocupantes, é um somatório, com novas formas de trabalhar e novos modos de adoecer”, explica. Houve a introdução da tecnologia e ensino remoto sem suporte técnico, sem equipamentos adequados, com muita pressão na situação de confinamento. Além disso, em sua avaliação houve um processo de discriminação com política de ódio contra os professores com o que o governo anterior chamou de escola sem partido, em que professores foram perseguidos.
“Uma questão que para nós é central é o tipo de gestão que nós enfrentamos nos municípios e estados do país. A gestão democrática é saudável, porque ela leva ao diálogo, ao pertencimento, e a gestão autoritária adoece os trabalhadores e trabalhadoras, porque é insuportável, afastamentos são frutos do assédio moral que ocorre nos locais de trabalho”, conclui Francisca Seixas.
A pauta saúde mental ainda esteve presente na fala do secretário geral do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Sérgio Antiqueira. São 125 mil servidores na ativa, dos quais 75 mil são do quadro da educação. Em 2022, 43% dos afastamentos se deram devido aos transtornos mentais, mas só 10% foram considerados relacionados ao trabalho.
A saúde do trabalhador a subnotificação é preocupação presente no Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). A secretária dessa área, Solange Benedeti, demonstra preocupação com a notificação do adoecimento relacionado ao trabalho, já que os professores utilizam diferentes opções para tratamentos como Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de S. Paulo), que tem rede credenciada como de planos particulares de saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde) e os que têm plano privado.
Por fim, a presidente da Associação dos Professores Readaptados do Estado de São Paulo (Aspresp), Margareth Kiyomi Chida, relata as dificuldades para realizar tratamentos no Iamspe e que muitos professores acabam pagando plano de saúde, além das dificuldades enfrentadas pelos readaptados ao retornarem ao trabalho.
Memórias e desafios
Os organizadores da obra falam sobre memórias e desafios. A analista em ciência e tecnologia, Cristiane Reimberg, relata o histórico de seminários que culminaram no livro. Cada um buscou olhar para determinadas características: condições de trabalho e intervenção (2016), promoção da saúde dos docentes (2017) e realidade do cotidiano docente (2018).
O tecnologista Jefferson Peixoto busca, em sua fala, fazer uma memória de gratidão, vendo esse projeto como a metáfora da árvore. “Árvores demoram para crescer, elas florescem, a primavera vai embora, as flores caem, há os momentos difíceis. Um projeto não é feito só de momentos bons, e tem seus frutos, esse é um dos frutos mais maravilhosos”, finaliza.
O técnico Cleiton Faria Lima foca nos desafios, usando duas matérias do mês de outubro da Revista Fapesp como referência. Em uma delas destaca-se crise nos programas de licenciatura, nos quais a taxa de desistência é de 59%. Daqueles que se formam, apenas um terço vai para a sala de aula. A outra reportagem aborda salários baixos, falta de estrutura em escolas e desvalorização social, que prejudicam interesse na carreira. A previsão é de que até 2040 haverá um déficit de 235 mil professores
“Quando falamos que os professores estão adoecendo, nós falamos que a educação está adoecendo, colapsando. Temos problema em manter os professores que já estão e o de captar jovens para essa carreira. Como fazer isso num cenário com tantos problemas de desvalorização e de saúde? Nós temos o desafio de reverter essa situação. Esse livro é um instrumento de reflexão, de debate e de propostas nesse sentido”, reflete Cleiton.
Também na linha de traçar desafios, o tecnologista Ricardo Lorenzi (leia a fala dele na íntegra) defende como imprescindível um debate balizado, aberto, amplo e responsável sobre o adoecimento dos professores. “Uma discussão que não se atenha ao escopo universitário ou de pesquisa, somente, mas que alcance e envolva a sociedade civil organizada, ajudando seus atores a alicerçar e a sustentar valores de cidadania tão caros à civilização como os que se colocam em jogo, nessa ‘ferida aberta’ que o assunto se tornou em anos recentes”, afirma. O desafio é juntar esforços institucionais e sindicais para ampliar a discussão democrática “rumo à proposição de políticas públicas que tenham alguma efetividade no mundo real dos professores”.
Saiba mais
Assista ao vídeo com os debates realizados no IV Seminário Trabalho e Saúde dos Professores.
Leia o livro Seminários Trabalho e Saúde dos Professores: precarização, adoecimento e caminhos para mudança.
Assista ao vídeo com a autora de capítulo do livro Edith Seligmann Silva, médica psiquiatra, integrante do Núcleo Semente do Instituto Sedes Sapientiae e docente aposentada da USP.
Assista ao vídeo com a autora do prefácio do livro Leda Leal Ferreira, médica, ergonomista e pesquisadora aposentada da Fundacentro.
Assista ao vídeo com a autora de capítulo do livro Mary Yale Neves, psicóloga e professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Conheça outras publicações da Fundacentro sobre trabalho e saúde dos professores:
O trabalho de professores na educação básica na Bahia;
O trabalho de professores da educação básica no Rio Grande do Sul;
Relações entre o trabalho e a saúde de professores na educação básica no Brasil;
O trabalho de professores na educação básica em São Paulo;
O trabalho de professores na educação básica em Mato Grosso do Sul;
O trabalho de professores na educação básica em Belém do Pará; e
O trabalho dos professores na educação básica pública no Piauí.