Sílica e Silicose
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ALERTA: SILICOSE EM TRABALHADORES DE PEDRAS ARTIFICIAIS: RESSURGIMENTO DE CASOS GRAVES!
Em 18 de outrubro de 2024
Berenice Goelzer, Engenheira e Higienista Ocupacional
Comissão de Doenças Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT)
A silicose, conhecida desde a antiguidade, tem como agente etiológico a poeira de sílica livre cristalina (SLC) na fração respirável - fração de partículas com mediana de diâmetros aerodinâmicos ao redor de 3µm1.
É uma doença pulmonar irreversível, frequentemente progressiva. Não existe tratamento até os dias atuais. É causa frequente de incapacidade para o trabalho e para funções rotineiras da vida diária e, uma não infrequente causa de óbitos precoces em trabalhadores brasileiros2. A silicose é prevenível, visto que a exposição a finas partículas de SLC pode ser evitada por meio da aplicação de tecnologias já conhecidas. Entretanto, milhares de novos casos são diagnosticados a cada ano em diferentes países.3
Pedras artificias ou sintéticas são compostas por minerais triturados, aglutinadas por resinas sintéticas e pigmentos especiais. Atualmente a Espanha e China são os principais fabricantes de pedras artificiais. Há um grande predomínio de produção de pedras artificiais contendo de 85 a 93% de sílica cristalina4. Nas últimas duas décadas houve um crescimento no uso de variedades dessas pedras em bancadas e revestimentos, em cozinhas, banheiros e outros locais, devido à sua estética, alta resistência à abrasão e grande durabilidade. Muitos processos, por exemplo, corte, desbaste e polimento, em obras ou em residências, ainda são realizados a seco ou com umidificação inadequada. Esse trabalho é feito frequentemente por pequenas empresas ou mesmo na informalidade, muitas vezes sem que haja percepção do risco e/ou acesso a serviços de saúde ocupacional, o que é uma situação preocupante5.
Os primeiros casos de silicose relacionados à manipulação destas pedras foram identificados e publicados na Espanha. Estudos em outros países, como Itália, Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, China, Israel, comprovaram o grande risco de silicose nestas atividades. Os trabalhadores afetados eram jovens e apresentando formas aceleradas da doença. Devido à situação epidêmica de casos novos de silicose e outras doenças associadas à sílica, principalmente as autoimunes, a Austrália baniu o seu uso em 1° de julho de 20246. Até a elaboração desse alerta não temos conhecimento de casos brasileiros. Avaliamos que os trabalhadores que manipulam rochas naturais (ex.: granitos e mármores) e pedras artificiais decorativas têm um misto de exposição. O diferencial é que, o conteúdo de SLC é muito maior nas pedras artificiais feitas com sílica, e a poeira resultante de sua subdivisão tem maior proporção de partículas extremamente pequenas, podendo afetar os expostos com mais rapidez7.
Ressalte-se que a fabricação, corte, desbaste e polimento dessas pedras podem emitir, além de SLC, outros minerais e metais, como cobalto8 e compostos orgânicos voláteis irritantes e sensibilizantes como o anidrido ftálico e o estireno9, que também oferecem riscos para desenvolvimento de asma e pneumonite por hipersensibilidade.
Médicos que acompanham pacientes potencialmente expostos a SLC, na fabricação e montagem de pedras artificiais, em marmorarias ou em outras ocupações dentro da construção civil, devem estar alertas e proativos quanto à investigação de sintomas respiratórios, alterações funcionais, e de imagens compatíveis com silicose e outras doenças associadas à sílica como a tuberculose, a DPOC, as doenças autoimunes e o câncer de pulmão. A importância na identificação precoce destes agravos, a notificação e o seguimento adequado destes pacientes têm grande importância epidemiológica e na orientação clínica individual.
Deve ser lembrado que a identificação de casos, o estabelecimento do nexo causal e a avaliação de exposição não evitam a silicose, mas devem servir de base para estabelecer estratégias e ações de prevenção primária, que visa interromper a “cadeia de exposição”, ou seja, a formação ou utilização do agente e sua dispersão/propagação pelo ambiente de trabalho até a zona de respiração dos trabalhadores. Infelizmente, o progresso na prevenção da exposição a poeiras prejudiciais à saúde tem sido lento10.
Em face deste problema, é importante alertar os profissionais de saúde e as autoridades competentes, a fim de proibir que tais trabalhos sejam executados sem as medidas preventivas que se impõem.
Alertamos também para a persistência de casos de doenças relacionadas à exposição a SLC em locais de trabalho nem sempre considerados quanto a esse risco, por exemplo, a pequena mineração e trabalhos artesanais, como o garimpo de pedras preciosas e semipreciosas e a lapidação de gemas.
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1 Brown JS, Gordon T, Price O, Asgharian B. Thoracic and respirable particle definitions for human health risk assessment. Part Fibre Toxicol. 2013 Apr 10;10:12. http://doi.org/10.1186/1743-8977-10-12.
2 Algranti E, Saito CA, Carneiro APS, Bussacos MA. Mortality from silicosis in Brazil: Temporal trends in the period 1980-2017. Am J Ind Med. 2021 Mar;64(3):178-184. http://doi.org/10.1002/ajim.23215.
3 Goelzer B. Por que ainda temos de lutar pela eliminação da silicose? Silicose em Trabalhadores com Pedras Artificiais – Parte 1. Citação de texto a ser publicado na Revista Proteção.
4 Barnes H, Goh NSL, Leong TL, Hoy R. Silica-associated lung disease: An old-world exposure in modern industries. Respirology 2019;24:1165-1175
5 Goelzer B. Por que ainda temos de lutar pela eliminação da silicose? Silicose em Trabalhadores com Pedras Artificiais – Parte 1. Citação de texto a ser publicado na Revista Proteção.
6 Prohibition on the use of engineered stone”, Australian Government, Department of Employment and Workplace Relations, link: https://www.dewr.gov.au/engineeredstone/.
7 Glass, D. C., Dimitriadis, C., Hansen, J., Hoy, R. F., Hore-Lacy, F., & Sim, M. R. (2022). Silica Exposure Estimates in Artificial Stone Benchtop Fabrication and Adverse Respiratory Outcomes. Ann Work Expo Health, 66(1), 5-13. http://doi.org/10.1093/annweh/wxab044.
8 Ramkissoon C, Song Y, Yen S, Southam K, Page S, Pisaniello D, Gaskin S, Zosky GR. Understanding the pathogenesis of engineered stone-associated silicosis: The effect of particle chemistry on the lung cell response. Respirology. 2024 Mar;29(3):217-227. http://doi.org/10.1111/resp.14625.
9 Ramkissoon C, Gaskin S, Hall T, Pisaniello D, Zosky G. Engineered Stone Fabrication Work Releases Volatile Organic Compounds Classified as Lung Irritants. Ann Work Expo Health. 2023 Feb 13;67(2):288-293. http://doi.org/10.1093/annweh/wxac068.
10 Goelzer B. Por que ainda temos de lutar pela eliminação da silicose? Silicose em Trabalhadores com Pedras Artificiais – Parte 1. Citação de texto a ser publicado na Revista Proteção.
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Agendadas as datas para os próximos cursos em Leitura Radiológica das Pneumoconioses - OIT em 2019.
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