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Léa Garcia, atriz, Funarte
Léa Garcia, 90 anos: Funarte parabeniza a atriz
Aniversário de Lea Garcia. Foto: reprodução de rede social da artista
A Fundação Nacional de Artes – Funarte celebra a existência e a trajetória de uma das mais importantes artistas do Brasil, a atriz Léa Garcia, que completou 90 anos no sábado, 11 de março. Com mais de sete décadas de carreira, em teatro, cinema e TV, Léa “é referência para atrizes e atores das mais diferentes gerações”, destaca Maria Marighella, presidenta da Fundação.
A artista ficou em segundo lugar na Palma de Ouro de Melhor atriz no Festival de Cannes, por sua atuação como Serafina, em Orfeu Negro (1959), obra vencedora do troféu e ganhadora do Oscar de melhor filme estrangeiro.
“Parte da construção da teledramaturgia do Brasil, Léa Garcia foi precursora no teatro, TV e cinema, tendo atuado junto a nomes como Abdias do Nascimento no Teatro Experimental do Negro e em filmes e telenovelas como a premiada obra cinematográfica, As Filhas do Vento, e um dos grandes clássicos da teledramaturgia brasileira, A Escrava Isaura, junto à atriz Lucélia Santos. Teve sua estreia na TV, no Grande Teatro da TV Tupi e atuou nas maiores emissoras do país, abrindo os caminhos para tantas atrizes e atores negros que vieram depois”, sintetiza Maria Marighella.
Personagens marcantes acompanharam a trajetória de Léa. Um deles foi a vilã Rosa, da telenovela Escrava Isaura (1976), na qual o trabalho da artista alcançou grande notoriedade nacional. Léa se manteve nos palcos até hoje. Seu trabalho mais recente foi A vida não é justa, do qual somente se afastou por ter sofrido uma fratura – mas está em recuperação.
A atriz “desenvolve consciência político-racial que perpassa sua atuação artística com uma postura questionadora sobre o lugar do negro na sociedade e na arte”, destaca a Enciclopédia Itaú Cultural. “A maior quantidade de negros nas novelas está acontecendo e é uma conquista das instituições e de todos que nos representam. Graças a Deus e às cotas, temos tantos jovens formados em direção e em vários cargos do audiovisual, não só como atores. Nunca foi feita uma novela de época com a visão do negro para seus colonizadores, por exemplo”, declarou, para o jornal Extra. Na entrevista, destacou que as pessoas pretas precisam ocupar mais espaço nas artes, “Quando digo que o negro também tem que ter [...] inclusão enquanto realizador, é porque os autores têm que ser negros, para passarem a nossa visão sobre as coisas”.
A trajetória de uma mulher negra nas artes
Hoje mãe, avó e tataravó, Léa Lucas Garcia de Aguiar nasceu em 1933, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Seu pai era bombeiro hidráulico. Sua mãe, modista prestigiada, faleceu em 1944 e, com 11 anos, Léa precisou ir morar com a avó materna, governanta de uma família da elite carioca. “Aos 16 anos, após uma briga com o pai, saiu de casa para viver com o diretor Abdias Nascimento (1914-2011), fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN)”, diz a fonte. “A relação aproxima-a do teatro e da militância antirracista”, aponta a fonte.
Em 1952, estreou como atriz, em Rapsódia Negra, na Boate Acapulco, dançando e declamando o poema Navio Negreiro (Castro Alves). Seguiu trabalhando em montagens do TEN. Também esteve no palco, ao lado de Nelson Rodrigues (como ator), em Perdoa-me por Me Traíres – 1957. Em 59, foi a única do elenco do espetáculo teatral Orfeu Negro (ou Orfeu do Carnaval) a conseguir papel na versão da peça para cinema – dirigida pelo francês Marcel Camus –, como Serafina. A obra foi contemplada com o Oscar de melhor filme estrangeiro e, no Festival de Cannes, com a Palma de Ouro.
“São marcantes em sua trajetória os papéis de mulheres destemidas”, registra a Itaú Cultural. “Em Ganga Zumba (1963), primeiro filme de Cacá Diegues (1940), sua personagem Cipriana é uma espécie de porta-voz da liberdade, que segue seu próprio caminho ao ser abandonada por Ganga Zumba a caminho de Palmares”, completa a enciclopédia. Segundo a fonte, Léa preferia personagens que denunciassem a escravidão negra na história brasileira a interpretar mulheres da elite, sem “conteúdo questionador”.
Na novela de TV Marina (1980), fez Leila, professora de História de uma escola particular, onde a filha sofre discriminação. Léa pede ao diretor para alterar um texto da personagem sobre Zumbi dos Palmares. O conteúdo foi refeito, no Instituto de Pesquisa das Culturas Negras, de cujo Conselho Diretor a atriz era membro. Isso teria permitido que fosse apresentada “uma visão afro-centrada” do Quilombo, segundo a fonte.
Trabalhou com Bibi Ferreira, em Piaf – A Vida de uma Estrela da Canção (1983), em A Missa dos Quilombos (1988) – direção de João das Neves e música de Milton Nascimento. “A praça, tomada pela população do Rio de Janeiro, me deu a certeza de estar falando para as pessoas certas, para quem interessava”, disse Léa, à fonte.
A luta diária contra o racismo
“O racismo sofrido no meio artístico influencia Léa para que concentre em seus olhos, singularmente melancólicos, a expressão dos sentimentos calados de suas personagens que não recebem tempo de fala suficiente. Em 2004, compartilhou com a colega Ruth de Souza o prêmio de melhor atriz do Festival de Gramado pelo filme Filhas do Vento, de Joel Zito Araújo, com elenco majoritariamente negro.
Léa também escreveu roteiros para cinema e assumiu a função de conselheira de cultura do Estado do Rio de Janeiro e diretora artística do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos e Direções (Sated – RJ).
“Diante da enorme expressividade como atriz, da representatividade para a população negra e do ativismo antirracista, o reconhecimento do trabalho de Léa Garcia é insuficiente se comparado ao de atrizes brancas com trajetória semelhante e expõe a falta de visibilidade enfrentada por artistas negras no país. À revelia da visão eurocêntrica e colonizada de grande parte dos autores e diretores, Léa mantêm-se questionadora e atuante”, denuncia a Itaú Cultural.
Com informações do jornal Extra (Danilo Perelló); e da Enciclopédia Itaú Cultural