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Artigo: Ermínia Silva por Verônica Tamaoki
Ermínia Silva
Semana passada, acordamos com a triste notícia do falecimento da professora, pesquisadora e escritora Ermínia Silva, a Mina como era conhecida entre os mais chegados. E assim que a notícia correu, foram surgindo nas redes e grupos virtuais manifestações de pesar dos mais diferentes segmentos do circo dos mais diversos lugares.
Quarta geração de uma família tradicional circense, filha de Eduvirges Poloni e do lendário artista e empresário circense Charles Barry (1931-2012), Ermínia e sua irmã gêmea idêntica Esther, morta em 2023, nasceram em Getulina (SP), em 1954, e viveram no circo a primeira infância, se afastando dele para se dedicarem aos estudos formais sem os percalços de uma vida itinerante. A valorização do diploma na sociedade brasileira e o afastamento do circo de toda uma geração, à qual Ermínia e Esther faziam parte, seria, tempos depois, um dos temas da sua dissertação de mestrado “O circo, sua arte e seus saberes. O Circo no Brasil do final do século XIX até meados do XX”, 1996 (UNICAMP).
Na cidade de Campinas, Ermínia Silva graduou-se em Serviço Social e trabalhou durante anos num banco estatal; o que lhe rendeu uma lesão de esforço repetitivo e a aposentadoria precoce. Começou então a pavimentar a estrada que a levaria de novo ao paraíso perdido da infância: o circo. Graduou-se em História na UNICAMP, em 1993, e fez do circo protagonista de suas pesquisas. Além do mestrado, aqui já citado, graduou-se doutora com “As múltiplas linguagens na teatralidade circense - Benjamim de Oliveira e o circo-teatro, no Brasil, no final do século XIX e início do XX”.
Mas para além da brilhante historiadora, escritora, orientadora, professora, palestrante, que a todos atendia com a simpatia e empatia estampadas no sorriso e no olhar que vemos nas fotos que circularam pela internet, anunciando seu falecimento, o circo perde uma de suas principais militantes das últimas décadas. Mais que isso, já há algum tempo, Ermínia que teceu com seu companheiro Emerson Elias Merhy, seu outro gêmeo, uma rede de afeto e colaboração, vem atuando já há algumas décadas como faziam as matriarcas do circo. Atendendo um aqui, orientando outro ali e, principalmente, mantendo a união da família.
Mas voltando ao dia em que o circo foi sacudido com a notícia da morte de Ermínia Silva, a maior historiadora do circo brasileiro, a que “criou conceitos para nos ajudar a decifrar o mundo do circo”, como bem definiu a pesquisadora e artista circense Bel Mucci, assim que correu a notícia, a praça virtual do circo começou a ser ocupada por circenses dos mais diferentes segmentos para a lamentar a mesma perda, a mesma dor.
Vieram representantes de todos os segmentos: do circo itinerante de lona, do circo de teatro, do circo de grupo, do circo de rua, dos encontros e das convenções; também vieram “tradicionais”, “modernos”, “contemporâneos”; malabaristas, equilibristas, aerealistas, acrobatas; palhaços, palhaças e palhaces - lembro que Ermínia foi uma das primeiras a adotar o gênero neutro. Adestradoras e adestradores também marcaram presença, assim como encantadores de serpentes, “dançarinos de ursos”, xamãs, pais e mães de santo, que no Circo da Mina sempre teve espaço para todos os tipos, todos os gêneros.
É claro que os pesquisadores, profissionais e amadores, que investigam o circo - sua arte e seus saberes -, dentro ou fora da universidade, compareceram. E por alguns instantes, graças a Ermínia, tivemos a consciência do pertencimento, da existência de um coletivo maior que o universo particular de cada um de nós, que os antigos costumavam chamar de “a grande família do circo”.
Viva a eternidade de Ermínia Silva!
Viva o circo brasileiro!
Verônica Tamaoki é pesquisadora, escritora, curadora e artista circense. Co-autora do livro Circo Nerino, dirige o Centro de Memória do Circo, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, desde sua inauguração em 2009