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Quadrienal de Praga: Uma Encruzilhada Rara - junho de 2023
A Quadrienal de Praga inscreve, desde 1967, uma encruzilhada rara na geografia mundial. É rara justamente por criar a oportunidade do cruzamento e convívio entre artistas, ideias e criações, do campo expandido do design da cena e da performance, originárias de diversos países e regiões. Um projeto raro por também se reinventar a cada edição, procurando estar sensível às dinâmicas e problemáticas do nosso tempo e ao modo como as artes performativas se deixam atravessar por este aqui e agora na paisagem singular de cada nação.
Acreditamos que para as trabalhadoras e trabalhadores das artes performativas brasileiras, a participação na PQ23 simboliza também a vitória da democracia e a refundação da importância do papel das artes e da cultura na formação e desenvolvimento do Brasil. Os trabalhos apresentados por nossos artistas e estudantes, em alguma medida, também celebram a recriação do Ministério da Cultura e a retomada da atuação estratégica da Fundação Nacional de Artes – Funarte, que fará 50 anos em 2025, como instituição responsável por agenciar as políticas estruturantes para as artes brasileiras dentro e fora do país. É nesse contexto que nos colocamos lado a lado com esses criadores e nos sentimos honrados em apoiar a participação do Brasil na Mostra dos Países e Regiões e na Mostra dos Estudantes da Quadrienal de Praga 2023.
A participação brasileira atua também na reconstrução das pontes diplomáticas e do importante papel de interlocução do Brasil e de seus artistas no desenho de uma cena mundial e de um futuro coletivo em disputa. Um modo de se implicar estética e politicamente com um tempo marcado por desigualdades sociais, climáticas, pela luta contra o racismo e demais heranças do violento empreendimento colonial e se engajar no fortalecimento da democracia e dos direitos humanos. Por esta razão, parabenizamos o esforço da equipe curatorial em fazer ecoar a diversidade cultural presente em cada território brasileiro, porque acreditamos que uma visão rara de futuro demanda escuta e espaço para a polifonia da trama cultural que nos constitui, sobretudo para a nossa valiosa herança africana e indígena. Um projeto curatorial que também evidencia e reforça o nosso compromisso primeiro com este lócus criativo de emancipação, imaginação e singularidade de povos, sujeitos e territórios, capaz de anunciar, pela potência das artes, um outro projeto de país.
Nossa presença na PQ23 lança um olhar para o passado, na medida em que festeja e dá continuidade à histórica participação brasileira ao longo dos anos, tendo recebido, entre outros prêmios, três medalhas de ouro e duas Trigas de Ouro, premiação máxima, nos anos de 1995 e 2011. E direciona outro olhar ao futuro, ao estimular e fortalecer criadores em atuação e contribuir para a formação de designers da cena e da performance que ajudarão a projetar, nesse país de dimensões continentais, as visualidades e sonoridades das cenas do futuro. Das ruas às arenas, do grafite ao adereço, passando pelas artes digitais, tecnologias distintas de produção e uso de materiais - que movimentam corpos, criam e recriam espaços, e reconfiguram os conceitos de arte nas brechas, nas margens, visões raras que muitas vezes só são possíveis de perceber com as lentes de aumento que a invenção e a experimentação artística revelam.
A ancestralidade africana tem ensinado aos brasileiros que a encruzilhada é um lugar de invenção de mundo, de instauração de possibilidades ainda não imaginadas. Na edição 2023, o Brasil leva para a Mostra Países e Regiões um projeto curatorial inspirado nas encruzilhadas, espaço tão importante nas cosmogonias de nossas religiões de matriz afro-brasileira. Dessa vez, cada obra foi pensada como uma espécie de oferenda, não aos deuses e sim às pessoas, oferendas sonoras que nos convidam a fabular outros mundos possíveis. Viva encontros raros que a PQ23 irá semear sob o céu do nosso tempo!
Maria Marighella