Notícias
Discurso de posse da Presidenta da Funarte, Maria Marighella - 02/03/2023
Artes tomam posse
Antes dos marcos formais de saudação, faço a minha áudio descrição
Sejam todas e todos bem vindas, bem vindos, bem vindes a essa celebração, esse ato, esse gesto de partilha sensível que retoma o diálogo para a construção das políticas públicas para as artes desse país.
Então, tomemos posse.
É com muita alegria e honra que saúdo e agradeço a presença da Exma. Senhora Janja Lula da Silva, que com sua participação tem afirmado em todo canto a dimensão que a cultura tem pro nosso país, da nossa Exma. e Querida Ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, sujeita e objeto das políticas do nosso campo, da Ministra Substituta das Comunicações, Sônia Faustino - em nome de quem saúdo todos os representantes do governo federal presentes - e do meu amigo, Secretário Executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares - em nome de quem saúdo todos os colegas do Sistema MinC: secretários, secretárias, presidentes de vinculadas, servidores e servidoras.
Vendo aqui a Deputada Federal Benedita da Silva, a nossa amada Bené, que tanto fez por nosso país e pela cultura, lembro de uma frase de Antonio Pitanga ao ser homenageado no Festival de Cinema de Tiradentes pouco antes de sermos atravessados por mais uma crise, a crise sanitária provocada pela covid-19, naquele momento ele dizia: de onde eu vinha não tinha nada, mas naquele nada havia cultura. A cultura é essa nossa riqueza que alimenta gente e a gente se alimenta dela e, como toda riqueza, precisa ser distribuída.
Esse talvez tenha sido um dos últimos eventos antes de sermos devastados pela crise sanitária provocada pela covid 19 que se somou à crise política, econômica, social e ambiental. Fomos, trabalhadoras e trabalhadores das artes e da cultura, antes mesmo dos primeiros protocolos, os primeiros a parar e logo transformamos nossos espaços de atuação compreendendo a gravidade do momento que atravessamos. Em plena crise, na falta de saídas, produzimos consensos e somos consensos inimagináveis. Produzimos as maiores vitórias da história das políticas públicas para a cultura: as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo.
Saúdo também a Deputada Estadual Verônica Lima, presidenta da Comissão de Cultura da Alerj, e da Vereadora Mônica Benício, amigas queridas, agradeço a presença de todos e todas parlamentares federais, estaduais e municipais presentes neste ato - o que muito me honra, pois as tenho como colegas no exercício de um mandato parlamentar, já que estou Vereadora licenciada da cidade de Salvador para assumir a tarefa que me traz hoje à esse palco. Agradeço também a presença de dirigentes, militantes e ativistas dos mais diversos partidos políticos e movimentos sociais aqui presentes.
Saúdo também os dirigentes estaduais e municipais de cultura presentes, em nome da Danielle Barros, Secretária Estadual de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro - responsável por essa sala maravilhosa que tão bem acolhe essa cerimônia - e do Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Marcelo Calero. Agradeço também a presença do Presidente do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura e Secretário de Cultura do Espírito Santo, Fabrício Noronha e do Diretor do Fórum Nacional de Secretários de Cultura das Capitais e Municípios Associados e Secretário Adjunto de Cultura de Belo Horizonte, Gabriel Portela, em nome deles, cumprimento a todos os gestores, servidores e servidoras públicos da cultura brasileira aqui presentes.
Agradeço a todos e todas as agentes culturais das mais diversas linguagens e áreas, vindos de diversos cantos desse país que atenderam nosso chamado, seja estando aqui presencialmente ou nos acompanhando pela transmissão ao vivo, proporcionada pela EBC, a quem deixo minha gratidão! Um salve muito especial aos grupos e coletivos que organizaram de maneira espontânea o cortejo que antecedeu esse ato e veio do Palácio Gustavo Capanema até aqui. Saúdo a vocês, trabalhadores da cultura, em nome de Sérgio Santos, o coordenador técnico da Sala Cecília Meireles, e por meio dele e de Mônica Diniz, coordenadora de programação, agradeço toda equipe técnica, de produção e aos artistas que construíram esse ato. Sabemos: arte dá trabalho! Com muita honra, antes de mais nada, sou parte dessa comunidade: somos trabalhadores e trabalhadoras das artes!
Estamos essa noite pra tomar posse dessa instituição tão nossa que antecede o próprio Ministério em data de criação, mas se torna Funarte com a Fundação do MinC, símbolo da redemocratização do Brasil. Hoje em sua recriação, esse símbolo da retomada democrática se torna ainda mais vivo e nós renascemos de novo. Sob o signo da democracia e, dessa vez, em suas atribuições primeiras, estamos nós ali, na feitura da Política Nacional das Artes.
Essa noite da celebração da cultura, das artes, mas também da diversidade e das amizades. Não estamos apenas entre amigos, não fazemos a política de balcão e dos conluios, mas principalmente estamos aqui reivindicando que não sejamos mais tratados como inimigos.
HOJE, juntas e juntos, tomaremos posse. Sou atravessada nessa noite por uma emoção profunda. Quando vejo cada uma, cada um de vocês, desse nós, que compõem essa cena, passa por minha cabeça uma história que começa lá atrás.
De todos os momentos, iniciarei falando de 2015, quando, no governo da presidenta Dilma Rousseff, estive pela primeira vez na Funarte junto de algumas e alguns que estão aqui e onde demos início à construção da Política Nacional das Artes. Estávamos empenhadas na responsabilidade que aquele momento nos trazia. Depois da virada antropológica dada por nossos ministros Gil e Juca que expandiram os modos com que a cultura era compreendida, conferindo a ela centralidade e promovendo um conjunto de políticas, entendíamos que algo não havia sido estruturado e precisávamos já ali pensar as artes do nosso país em profundidade.
O então ministro Juca Ferreira e o presidente da Funarte, Francisco Bosco - meu amigo amado que me honra imensamente com sua presença hoje e em nome de quem cumprimento todos os ex presidentes da Funarte - naquele momento deram início às discussões para que pudéssemos observar as múltiplas linguagens artísticas, garantir direitos às trabalhadoras e trabalhadores das artes e avançar em formulações transversais que seriam consolidadas em programas duradouros e estruturantes para esse setor. Toda aquela energia pulsante foi interrompida pelo grave ataque à democracia que foi o golpe jurídico-parlamentar-midiático e empresarial contra o povo brasileiro, destituindo de seu mandato a presidentA Dilma Rousseff, a quem presto todas as minhas homenagens.
Naquele abril de 2016, acompanhei estarrecida aquela sessão fatídica para nossa história. Ao ouvir um voto dedicado ao torturador Brilhante Ustra, fui tomada por um choro convulso e compreendi que a política institucional era um espaço que precisava ser urgentemente disputado. Que para garantir direitos, ocupar esse espaço era fundamental. Me organizo em Salvador com uma movimentação cidadã chamada ManifestA ColetivA. Tudo isso irmanada em rede e inspirada por outras tantas iniciativas de todo o país, que elegeram mulheres fundamentais para a luta democrática no Brasil, dentre elas, as minhas amigas que me honram com suas presenças: a ex-deputada federal de Minas Gerais, Áurea Carolina e a deputada federal Taliria Petrone, e também nossa amada Marielle Franco, símbolo da violência política, mas também da força transcendental de mulheres que dedicam sua vida à luta por direitos e emancipação! Marielle, presente, hoje e sempre!
Em meu mandato, a cultura e as artes estiveram no centro de nosso projeto político. A partir delas, nos orientamos pelos feminismos, pelas lutas antirracistas, pelas infâncias, pelo direito à cidade, pela educação, por acessibilidade, pelas vidas LGBTQIAPN+, pelas perspectivas indígenas, por todas aquelas e aqueles que compõem as maiorias minorizadas. Foi e é através da cultura e das artes que povos sistematicamente vilipendiados, invisibilizados, violentados, puderam se afirmar. E é nessa afirmação que cerziremos um tecido de direitos.
É nessa afirmação que nosso povo tem achado as brechas para cotidianamente existir, imaginar e fazer outros tantos mundos possíveis. Frente aos mundos de morte que nos subjugam e destroem vivo e o belo, somos capazes de promover encontro, de aproximar mundos. As artes e os artistas, de dentro e fora da cena, em todos os períodos, nos ajudam a sonhar e fazer frente à barbárie, ao negacionismo, ao terror.
Nasci em 1976, uma quase cinquentona como a Funarte, meu pai estava preso pela Operação Radar, comandada pelo mesmo Carlos Alberto Brilhante Ustra que havia sido saudado na sessão do golpe, minha vó Clara Charf exilada, meu avô havia sido assassinado pela ditadura civil-militar de 1964. Desde muito nova, cresci ouvindo palavras como anistia, translado de restos mortais, censura. E foi no teatro onde pude encontrar minhas próprias dores e desejos, fazer minhas narrativas. Ser atriz me faz ser movida pela ética coletiva do teatro: essa força viva.
Nós, trabalhadores das artes, temos sido capazes de ser vozes e forças que imaginam, movem e fazem outros mundos. Nossa tarefa, coletiva, que será feita por muitas mãos, tem um grande desafio logo de saída: retomar a Funarte às vésperas de seus 50 anos, restaurando por dentro e fora dela o respeito às servidoras e servidores, aos trabalhadores das artes e ao povo brasileiro. Frente aos ataques do último período, à censura e perseguição, além de políticas para as artes brasileiras, faremos a defesa inegociável de processos de memória, verdade, justiça e reparação. Refundaremos este país com a força da cultura.
Tomaremos posse para promover a partilha responsável do que é coletivo. De todas, todos e todes nós. Tomar posse de algo que é público não é tomar para si, não é erguer propriedade, é afirmar a responsabilidade de gerir a partilha do que é coletivo.
Nos empossamos nesse momento ciosas da nossa responsabilidade e honra de ser a primeira mulher nordestina a presidir a nossa Funarte. De estar nesse momento histórico que nos impõe enormes desafios de uma encruzilhada única que nos apontará outros tantos mundos possíveis e justos. Tenho a honra de voltar ao Governo Federal sob a liderança do Presidente Lula, que não só nos devolveu a democracia, a alegria política, mas também o MinC! Nosso Ministério da Cultura que, pela primeira vez, está sob o comando de uma mulher também nordestina, negra afro-indígena, artista e referência para todas nós, a nossa Ministra Margareth Menezes. Sua presença nesse espaço de poder reafirma a potência cultural e ancestral dos nossos tambores, dos nossos maracás, da nossa música e festa que diz tanto sobre nosso passado e nosso futuro. Agradeço a confiança e honrarei essa enorme responsabilidade. Conte comigo, Ministra, para fazermos juntas uma Funarte e um MinC com a pluralidade, a cara e energia do nosso povo.
Essa pluralidade precisa aparecer no modo com que vemos e fazemos as políticas. Há nesse momento um levante que reivindica que abramos as portas para outros saberes, outros modos de vida e perspectivas. Ailton Krenak nos chama à reflexão para que o futuro que faremos seja ancestral. "Saibamos ver o céu, ser constelações capazes de fazer outros mundos".
Uma constelação plural. Assim como será a nova Diretoria Colegiada da Funarte, que anuncio e chamo ao palco agora:
O artista de teatro e gestor cultural, Leonardo Lessa, na Direção Executiva;
O bailarino, coreógrafo e professor de dança, Rui Moreira na Direção de Artes Cênicas;
A professora, curadora e artista visual Guarani-Nhandewa, Sandra Benites, na Direção de Artes Visuais;
A compositora, gestora cultural e servidora de carreira da Funarte, Eulícia Esteves, na Direção da Música;
A produtora e gestora cultural, Aline Vila Real, na Direção de Fomento e Difusão;
A produtora e gestora cultural, Laís Almeida, na Direção de Projetos e
O contador, especialista em gestão pública e servidor de carreira da Funarte, Filipe Barros - infelizmente ausente aqui hoje por motivos de saúde - na Direção de Logística, Orçamento e Administração.
Somos vidas inteiras. Trajetórias e saberes vindos de diferentes lugares que se encontram hoje para promover políticas para a cultura e desde a cultura. Para tomar posse. Sejamos a força do nosso ato-cortejo. Saibamos ser a potência do nosso carnaval. Lembrava faz poucos dias Luiz Simas que Beto Sem Braço diz que o que espanta a miséria é a festa. Sejamos essa festa que reivindica e promove direitos, que não teme a beleza do encontro, que vê exatamente no comum, e também no incomum, a força que precisamos para fazer do Brasil o país belo, grande, generoso e justo que desejamos.
Muito obrigada.
O MinC está recriado! A Funarte está retomada!!!
Axé, evoé, viva!!!
Sugestão de poesia de Nego Bispo
"Nós, caminhando pelos penhascos,
atingimos o equilíbrio das planícies.
Nós, nadando contra as marés,
atingimos a força dos mares.
Nós, edificando nos lamaçais,
atingimos a firmeza dos lajeiros.
Nós, habitando nos rincões,
atingimos a proximidade da redondeza.
Nós somos o começo, o meio e o começo.
Existiremos sempre,
sorrindo nas tristezas
para festejar a vinda das alegrias.
Nossas trajetórias nos movem,
Nossa ancestralidade nos guia."