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Discurso de Maria Marighella na abertura do Pavilhão do Brasil - Hãhãwpuá na 60ª Bienal de Arte de Veneza - 19/04/2024
Bom dia todas, todos, todes, uma alegria enorme estarmos aqui juntas e juntos hoje. No Brasil, hoje é o 19 de abril: dia nacional de lutas dos povos originários, dos povos indígenas do nosso país. E em 2022, quando estávamos no processo de recuperação da democracia brasileira, numa sessão no Congresso Nacional, Célia Xakriabá, uma deputada federal indígena do nosso país, falou: “existe o Ministério da Cultura, que é símbolo da Democracia e da redemocratização do Brasil em 1985, e tem o Mistério da Cultura”. Então, hoje além de celebrarmos a democracia, os direitos, celebramos sobretudo o mistério que faz com que a magia se estabeleça. Não é uma casualidade, não é coincidência, mas sim mistério, que neste 19 de abril nós possamos abrir o Pavilhão do Brasil, com a força dos povos originários e sobretudo das suas lutas.
É muito importante dizer que a Funarte, retomada no ano passado, tem a primeira diretora indígena, Sandra Benites, que nos orgulha e nos honra imensamente com seus repertórios, com a sua inteligência, sabedoria, mas essa não é uma decisão só institucional, ela é sobretudo uma decisão de luta, uma decisão dos povos que orientam as políticas que nós estamos desenvolvendo e vamos desenvolver. Por força do cargo, recomeço:
Bom dia a todas as pessoas aqui presentes, nesta manhã histórica para as artes visuais do Brasil. É uma honra e uma alegria poder estar aqui hoje representando a nossa Ministra da Cultura, Margareth Menezes, que me pediu para transmitir suas saudações e um carinhoso abraço a cada artista, curadores e agentes que se envolveram para que esta realização fosse possível.
Eu sou Maria Marighella, Presidenta da FUNARTE - Fundação Nacional de Artes, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, e responsável por políticas públicas e programas para as artes visuais, o circo, a dança, a música e o teatro, atuando de modo contínuo nas dimensões da criação e acesso, da difusão nacional e internacionalização, da memória e pesquisa e da formação e reflexão. Sou a primeira mulher nordestina a presidir essa instituição, o que também no Brasil integra as nossas lutas e agendas.
Quero começar saudando o povo Tupinambá, o povo Karapotó, o povo Pataxó, o povo Baniwa, o povo Wapichana e, em nome desses povos, a minha saudação aos mais de 260 povos indígenas que constituem o Brasil, a sua ancestralidade e mantém vivas diversas práticas culturais e mais de 150 línguas. Que este pavilhão-terra-território hoje e sempre possa celebrar as culturas indígenas do Brasil.
Cumprimento também:
Renato Mosca, nosso embaixador do Brasil em Roma;
Sandra Benites, diretora de artes visuais e primeira diretora indígena da nossa Fundação Nacional de Artes;
Andrea Pinheiro, presidenta da Fundação Bienal de São Paulo, instituição parceria do governo brasileiro na manutenção e na vida pulsante desse Pavilhão do Brasil por tantos anos; em nome dela, quero saudar toda a equipe da Fundação Bienal de São Paulo e aqui também o companheiro de caminhada, Antônio Lessa.
Precisamos saudar e registrar também a nossa alegria em ter o curador brasileiro Adriano Pedrosa na curadoria da Mostra Internacional dessa Bienal de Veneza, o primeiro sul-americano a ocupar essa função, marco histórico nesta 60ª edição.
As nossas artistas, Glicéria Tupinambá, Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó. Meu povo da Bahia, minha conterrânea e contemporânea.
E, claro, a equipe curatorial do Pavilhão do Brasil, Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana.
Queria saudar também as instituições presentes, com quem nós mantemos diálogos e trocas muito importantes na construção da Política das Artes do Brasil.
O nosso Pavilhão Hãhãwpuá recebe, nesta edição da Bienal de Arte de Veneza, a exposição Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam. As artes são pássaros que andam. Pela primeira vez, curadores e artistas indígenas plantam aqui nesse chão, de modo contundente, suas poéticas e imaginários. Povos que enfrentam até hoje as dinâmicas do empreendimento da colonização, que foram tantas vezes narrados e retratados por homens brancos, assumem a narrativa de si e de suas visões de mundo por meio do seu fazer artístico. As criações de Glicéria, Olinda e Ziel, tensionam as noções de indivíduo e de coletivo, porque para os povos originários - se é em coletivo, em comunidade, são muitas as mãos que tecem os fios das artes indígenas em diferentes suportes e linguagens, porque eles, nós, nunca andamos sós. Num momento em que a crise climática e o meio ambiente ocupam lugar decisivo na agenda política internacional, essas criações também nos convidam a refletir sobre uma ética do existir que seja um cuidado com esse corpo coletivo formado por humanos e mais que humanos a que chamamos planeta Terra. As artes indígenas têm retomado terras, línguas, técnicas, materiais e imaginários na sua diversa e sofisticada produção poética, além de problematizar junto às instituições o próprio ato da repatriação de seus símbolos.
A presença de cada uma e cada um desses artistas e suas criações neste território internacional das artes é um passo decisivo na afirmação dos nossos povos originários no contexto artístico global. E, nesse sentido, não posso deixar de mencionar a incrível intervenção do coletivo MAHKU no Pavilhão Central do Giardini, também apoiada pelo Governo Federal e pela Fundação Bienal de São Paulo. Não é casualidade, é mistério.
O que está acontecendo aqui hoje não é trivial, se conecta com outras medidas tomadas pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em seu governo, em especial, quero destacar aqui a criação do Ministério dos Povos Indígenas, que tem feito um trabalho muito importante na inscrição política das pautas indígenas, sob a liderança da Ministra Sonia Guajajara num trabalho de articulação com a sua Fundação Nacional dos Povos Indígenas, presidida por Joenia Wapichana, celebro aqui, publicamente, a força dessas mulheres à frente dos órgãos mais importantes para os povos indígenas do Brasil.
Sandra Benites, essa insurgente mulher guarani à frente da diretoria de Artes Visuais da Funarte, nos lembra sempre que a memória, a ancestralidade é o futuro. Que a presença das artes indígenas nos espaços mais importantes das artes possa nos mobilizar nas dobras do tempo a tecer ontem, hoje e amanhã na construção efetiva de um mundo melhor para todas, todos e todes, a cultivar as muitas formas de vida e um planeta saudável e sagrado.
Mais uma vez o Pavilhão do Brasil coloca na gira do mundo a força viva do que somos. Que este seja o palco para trocas com artistas e pessoas de todos os continentes e que possamos, nesse momento desafiador para a paz mundial, afirmar a força das nossas artes e cultura na construção de um mundo mais justo, solidário e comum.
E antes de abrir o Pavilhão, queria pedir licença para falar um pouco do trabalho de Glicéria. Tem uma carta transformada numa obra de arte, que ela, através do seu manto tupinambá convoca a okará, uma assembleia, o seu panteão, revelando que o manto tupinambá não anda sozinho, ele anda com o seu panteão, através desta reunião mulheres, caciques e pajés, e convocando este panteão, eles se remetem de algum modo ao papa. E essa obra, nesse momento em que o Brasil retoma os seu Ministério e as suas políticas públicas, nesse momento em que nós estamos construindo a Política Nacional das Artes, essa obra fala do poder da arte, que é de transportar, produzir símbolos e síntese, construindo no tempo uma agência, uma ofensiva sensível capaz de materializar um “E se…”.
Portanto, convidamos a todes a penetrar neste Pavilhão Brasil perguntando “E se?” . Seremos! Axé!
Salve o Pavilhão Brasileiro e a 60ª Bienal de Veneza! Boa Jornada!