Wilson Souto
Entrevista concedida a Ester Moreira, Sharine Melo e Tadeu de Souza, na Atração Fonográfica
São Paulo, 07 de dezembro de 2016.
Ester – O que você fez antes de chegar lá (na criação do Lira Paulistana)?
Wilson Souto – Eu fiz engenharia na FAAP. Um dia, passando na Avenida Paulista, eu vi anunciado no auditório do MASP um grupo que ia tocar chamado Secos & Molhados. E não existia disco, não existia absolutamente nada, eu não tinha nenhuma referência e me deu muita vontade de ver. Eu achei bom o nome, achei interessantes as fotos do grupo; aí, desci do ônibus e entrei e vi o show que, talvez, mais tenha me marcado na vida; antes dos Secos & Molhados virarem produto da Continental, um dos produtos mais vendidos da Continental.
Tadeu – Eu sou padrinho do segundo casamento do João.
W – Aí eu assisti àquilo e falei: “Larguei a engenharia hoje”. E eu falei isso para o Ney (Matogrosso) domingo, agora. Eu falei: “Olha, eu tenho uma relação com você que é uma catarse, quer dizer, em plena ditadura militar…”.
E – Isso foi em que ano, mais ou menos?
W – Talvez… 1975, 1976. Foi antes de eles gravarem (o primeiro álbum foi gravado em 1973). E comecei a me envolver cada vez mais com a música. Tocando – eu fiz escola de música em São Bernardo, até uma parte –, e fazia percussão e vocal em algumas coisas. Aí, num determinado momento, eu tinha alguns amigos e nós tínhamos um grupo chamado Grupo Macuco. Esses amigos, que era o Sizão Machado, contrabaixista etc. etc. etc., foram tocar na orquestra da (montagem da peça teatral) Gota d´água, do Paulo Pontes e do Chico Buarque de Holanda, que estava no Teatro Aquarius. E eu tive também outra experiência que me marcou muito. Eu fiquei um ano tocando nessa orquestra e conheci o Xaxá (músico), o Sérvulo Augusto, que, inclusive, era o diretor da orquestra da Gota d´água – e eu tive uma convivência de um ano dentro de um espaço de teatro, com músicos, dentro de um espaço de teatro. Saindo de lá o coração já dizia: “Olha, se você conseguir entrar, fazer um teatro…” Que era um sonho assim meio louco, espaço urbano sempre é uma coisa cara e tal. E a gente ainda vivia o finalzinho do regime militar. E eu comecei, com um amigo, a procurar um espaço que desse para fazer o teatro. Ele pensava em um estacionamento e eu pensava em um teatro em Pinheiros. Eu dizia para o Valdiri – ele se chamava Valdiri Galeano: “A gente pode fazer o seguinte, a gente monta o estacionamento de dia e, à noite, a gente põe uma arquibancada e faz o teatro”. E, num anúncio de jornal, tinha uma coisa assim: “Espaço na Teodoro Sampaio, 1091 A, 300 m2”. Aí eu falei: “Valdiri, deve ser bom esse negócio”. Fomos ver, era uma portinha minúscula, que está no livro que vocês viram (Lira Paulistana, de Riba de Castro, publicado em 2014), de um metro, um metro e vinte. O Valdiri disse: “Mas aqui não dá estacionamento”. E eu falei: “Mas vamos descer”. E, quando descemos, não tinha 300 m2. Tinha 450, 500 m2, e com outra vantagem: tinha outra porta nos fundos, que dava para aquela viela sanitária, o que deixava o lugar super seguro. E depois a gente construiu uma porta de três metros e as pessoas iam fumar ali. Então, não tinha problema nenhum, você esvaziaria o teatro em três segundos. Aí eu falei: “Valdiri, vamos fazer o teatro”. E aí começamos a por mãos à obra, construindo meio artesanalmente, contratando um carpinteiro e tal. Um dia, na Teodoro Sampaio, encontrei o Pratinha, o Paulo Garfunkel e o Sérvulo, que estavam andando, e o Sérvulo perguntou: “O que você está fazendo aqui?” A gente tinha convivido um ano no Gota d´água. Eu disse: “Estou montando um teatro”. Aí o Sérvulo disse: “Nós estamos acabando de escrever uma peça chamada É fogo paulista”. Aí eu disse: “Então, vamos inaugurar o teatro”. Eu não tinha, de fato, vivência com diretores de teatro e o Sérvulo, sim; o Xaxá, sim. Aí eles foram até o teatro, a gente estava finalizando, pintando as arquibancadas, e o Sérvulo falou: “Dá para fazer e nós vamos fazer ao vivo, a gente vai pegar a mesma orquestra da Gota d´água, uma coisa um pouco menor, e a gente faz aqui o É fogo paulista e inaugura o teatro”. E a gente inaugurou o teatro com o É fogo paulista, com música ao vivo ali no canto e tinha um iluminador, que o Masetti (falecido em 06/12/16) trouxe, e o Sérvulo me apresentou ao Masetti, nessa época. Cadu Moreira, que era arquiteto, nos ajudou também com a logomarca – o Cadu, que fez a logomarca do livro e tal, e ontem, até, a gente se falou pelo Facebook porque ele estava também tristíssimo, o cara era irmão do Mário. E meu sócio, Valdiri, depois de um mês e meio de inaugurado, ele disse: “Cara, esse era o ambiente que eu sonhava na minha vida, mas eu quero mais: eu vou para Ilhabela fazer artesanato”. Ele era administrador de empresas, só para vocês entenderem a mudança de vida. Aí ele foi para Ilhabela fazer artesanato e eu fiquei sozinho no Lira Paulistana. Olhei para a cabine de luz e estava ali o Chico Pardal. Falei: “Chico, você faz filosofia na USP e trabalha de iluminador da Fernanda Montenegro. Desça, porque a partir de hoje você é sócio do Lira Paulistana”. E isso foi o que começou o teatro. E, nos espaços ociosos do teatro, tipo sexta e sábado à meia-noite, segunda e terça, que não tinha a peça, os músicos da Vila Madalena começaram a se aproximar. Aí a gente começou a programar, porque a gente tinha o equipamento de som próprio, tinha equipamento de luz próprio. E a gente criou um modus operandi assim, bem tranquilo… O teatro cobrava, de uma suposta garantia, 25% da lotação do teatro, que era mais ou menos de 180 lugares. E o cara não precisava pagar na frente. Ele fazia um cheque e a gente acertava depois com a bilheteria – quando acertava. Na verdade, os custos eram diferentes… A gente acabou a temporada do É fogo paulista, que foi super elogiado. Eles (realizadores da peça) entraram numa coisa que se chamava na época de Circuito de Teatro, que acho que era pago pela Secretaria de Cultura do Estado, em que montavam a peça em outros teatros. Mas a música já tinha invadido o teatro. E a gente começou a fazer sexta e sábado à meia noite e, nessa época, a Lulu (Librandi) se aproximou da gente, quando ela soube do teatro, e foi nos visitar um dia. Disse: “Olha, eu sou a animadora cultural da Funarte”. E foi como começou essa aproximação. E eu fiquei impressionado porque eu nunca tinha entendido essa função, a função de animador cultural, né? E acho que ela era, em espírito, uma animadora cultural. Ela vivia a animação cultural integralmente. E não existia SESC nessa época.
E – Não havia muito espaço para a música, né?
W – Não, o SESC Pompéia foi o primeiro SESC que foi feito, mas acho que depois de um ano. E o mais engraçado é que a própria programação do SESC Pompéia era baseada na (sala) Guiomar Novaes e no Lira Paulistana. As pessoas do SESC olhavam o que tinha nos dois espaços e chamavam para contrato.
T – Eu lembro que vocês tinham uma Kombi.
W – Um pouco mais tarde, quando a gente montou o jornal.
E – Vamos fazer um outro percurso, porque a Sharine esteve lá no CEDOC – Centro de Documentação da Funarte, no Rio de Janeiro –, fazendo pesquisa, e ela fez uma entrevista, não sei se você o conhece, com o Xico Chaves. Que é um artista plástico, Diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte, e é funcionário da Funarte desde 78. E, na entrevista, conversando com ela, ele fala muito da cena no Rio de Janeiro nessa época, década de 1970, de quando entra o Geisel, que começa a chamada reabertura (política), que é quando é fundada a Funarte, quando os militares começam a trazer de volta os artistas e eles entram via Estado, via staff da TV Globo, jornais. O Chico tem um relato da cena da contracultura do Rio de Janeiro. Ali era um foco, sempre foi um foco de contracultura, onde houve os atos mais agressivos da ditadura contra estudantes, artistas… Então, quando eles retornam, eles retornam, de certa forma, com aquele espírito e se constitui uma cena de contracultura naquele lugar. Eu tenho uma avaliação da cena de São Paulo, mas eu não tenho a experiência da vida cultural de São Paulo nesse mesmo período.
W – Olha, o Circo Voador é posterior ao Lira Paulistana.
E – É, o Circo Voador é dos anos oitenta.
W – Então, e a gente entrou em 79.
E – Exatamente. O que eu queria que você falasse um pouco é como você, hoje, olhando para trás, para a experiência que você teve, retrataria sociologicamente essa cena de uma reabertura política, de um espaço para os artistas? Afinal de contas, a Lulu está em um espaço do governo.
W – Sim.
E – E ela abre, e claro que com autorização – do Roberto Parreira, Diretor Executivo da Funarte e mais próximo da direita, com o aval dele – espaço para uma cena alternativa. Mas que cena alternativa é essa? Eu tenho uma leitura, eu acho que São Paulo é mais próximo de uma linha de rock punk.
W – Depois, depois: é uma segunda fase.
T – Essa fase que vocês pegaram, ela tem uma sofisticação, uma produção rica. Porque, antes do movimento Lira, tinha uma grande movimentação em São Paulo do universo do movimento hippie. Eu vejo que, quando surge o movimento Lira, isso se torna mais sofisticado.
W – O que eu sinto é que tudo estava represado por causa da ditadura e, de repente, quando os espaços começaram a se abrir, esse pessoal que estava na garagem – Arrigo, por exemplo, é a minha referência da época, o Arrigo era inspirador, de uma certa forma, do Lira Paulistana. Porque ele fez o Clara Crocodilo e estourou no ambiente do Teatro Augusta, que a gente ia assistir e dizia: “Pô, a gente pode fazer também”. Ele é uma pessoa, nesse sentido…
E – Um cara que abriu caminhos.
W – Exatamente. E eu gostaria muito de fazer um filme sobre o Arrigo, contando como ele dispara a história. Porque ele trouxe o Itamar de Londrina, ele era meio a pessoa que abraçou o Itamar. O Itamar tocou com ele nos festivais da Rede Globo, já na época do Lira Paulistana. E eu fui jurado num festival na Feira da Vila, e o segundo lugar foi o Itamar Assumpção. Mas eu fiquei de tal maneira impressionado com o Itamar, que eu chamei o Chico e o Plínio – que estão no livro – e falei: “Gente, vamos nos cotizar e fazer um LP do Itamar?” E esse foi o primeiro LP do Lira Paulistana, que está hoje aqui na Atração – Beleléu e a Banda Isca de Polícia – e eu acho uma coisa assim, modéstia à parte, o melhor trabalho que eu fiz na minha vida inteira. Isso fez com que o Lira começasse a se olhar também como uma gravadora. E aí a gente começou, não de uma maneira frequente, por causa dos custos de gravação da época. Hoje é muito mais acessível a tecnologia. Antes não podia entrar equipamento, não podia entrar instrumento musical, a alfândega era terrível para a música e tal. A gente começou a formar um catálogo; o segundo disco foi Tiago Araripe, enfim, depois Língua de Trapo etc… E o disparador disso estava sempre lá no Lira: é o Arrigo. Mas ele não podia fazer show no Lira porque não tinha cabimento, e nem cabia, por causa do número de pessoas que ele já tinha conquistado, mas ele fazia na Sala Guiomar Novaes, que tinha mais infraestrutura que o Lira. Na verdade, digamos, ele, como um sinalizador daquele momento, nos avalizou, de certa forma. Então você vê, esse disco é Luiz Tatit, Renato Braz. E, depois, o Arrigo passou para a Atração a gestão da obra autoral dele. Então, já temos acho que quatro cd´s dele lançados, principalmente das trilhas de filmes. Ele faz muita trilha de filme. Os outros discos, acho que foram vendidos para outra gravadora. E, no Rio de Janeiro, a gente acabou vendo mais, pela TV Globo, que era, na verdade, o grande chamariz para a coisa artística no Rio. A gente sabia pouco do Disco Voador. Mas sabia muito da Blitz, por exemplo, porque, para nós, era um trabalho muito parecido com o que se fazia aqui em São Paulo e eles beberam, eu acho, um pouco dessa fonte. O Nelson Motta sempre foi uma pessoa muito antenada e era uma pessoa que circulava em gravadora. O Pena Schmidt frequentava o Lira Paulistana e era produtor da Warner; no Lira ele viu o Titãs e levou para a Warner, Ultraje a rigor, que ele levou para a Warner. Ele foi o produtor que fez essa ponte de Lira – o porão – e a multinacional. Porque, na verdade, o Titãs tocava no Lira, mas o Lira tinha essa limitação de tamanho.
T – Aí foram lá para o Rádio Clube.
W – Tanto que chegou em 86, 87, a gente começou a ter dificuldade em programar as pessoas que saíram do Lira Paulistana, por causa do público que elas já tinham adquirido. E começou a vir outro movimento, que era o punk; esse punk de garagem que a mim nunca… O Chico, sim, o Chico era… Ele e o Antônio Braga que faziam animação dessa parte, são de Santo André, conheciam bem; Clemente do Inocentes (banda de punk rock) etc… Aí foi essa outra cena. Nessa época eu fui chamado por uma gravadora nacional, a Continental Chantecler. O dono foi até o Lira e disse assim: “Eu quero que você seja Diretor Artístico da minha gravadora e quero levar o catálogo do Lira Paulistana – esses discos que vocês fizeram – para distribuir nacionalmente”. E eu aceitei o desafio, falei com os meus sócios. Nós já tínhamos feito o jornal e éramos cinco, na época – o Plínio veio a falecer depois. Mas era o Fernando Alexandre, um jornalista brilhante que fez o jornal Lira Paulistana, fez doze números e reuniu uma equipe de jornalistas de primeira linha: Paulo Caruso, fazendo as vinhetas… Foi impressionante o que o Fernando conseguiu trazer para o Lira. E o Ribamar de Castro, que era uma pessoa que entrou três anos depois, mas era uma pessoa que fazia os desenhos do Lira, fomentou aquele muro, onde vários artistas pintavam. Eu dei o tema do muro, que era uma coisa do Oswald de Andrade: “A felicidade do homem é a felicidade de morrer. Viva a rapaziada. O gênio é uma grande besteira”. E todo mundo fazia os grafites baseados nesse tema. E a gente fotografou. Esses grafites todos estão documentados. E o Riba é uma pessoa que conseguiu colecionar muito dessa parte gráfica dessa obra do Lira, apesar de ele não conhecer o começo, esses dois anos iniciais. Ele entra com o jornal, depois do Fernando Alexandre, por ele. E fez o filme. Hoje é uma pessoa que está entre a Espanha e o Brasil e, no Brasil, ele praticamente trabalha com o Lira, com as coisas do Lira, ainda. Faz camisetas, logomarcas novas etc. Do Rio a gente viu essa movimentação que estava meio que sediada no Circo Voador e que vinha muito pouco a São Paulo. Havia grupos teatrais que tinham um pouco essa linguagem: Asdrúbal trouxe o trombone etc… E a gente acabou indo ver aqui em São Paulo essas pessoas, que se aglutinavam em torno do Circo Voador, como Evandro Mesquita, que era também de teatro; a Blitz, então, começou a ter essa… E, também, eu acho que o Rio viveu essa coisa represada. O que é muito interessante nessa época é que, quando a imprensa enxergou que tinha alguma coisa, saindo da ditadura militar, já era a transição da Ditadura Militar para outro momento, eles abriram um espaço enorme. O Mauricio Kubrusly abriu um espaço anormal. Inclusive a Rádio Globo, onde ele tinha um programa que só falava disso. Então a gente tinha, em São Paulo, uma projeção… Você abria a Folha de São Paulo – Jornal da Tarde, na época – e tinha quatro fotos de coisas que iam acontecer na semana, no Lira Paulistana. A gente só tinha como concorrência positiva a Funarte e com a Lulu Librandi lá. Porque ela também tinha circulação, a Sala Guiomar Novaes também podia fazer teatro com mais intensidade e tal. E, na Continental, eu vivi uma outra coisa. Lá eu conheci a música do Brasil, a música regional brasileira porque ali tinha sobrado o que não interessava às multinacionais. Eles se interessavam em vender seus conteúdos internacionais e aquilo que desse certa projeção dentro da imprensa. E a música sertaneja era meio repudiada, a música regional era repudiada, a música instrumental regional era totalmente repudiada, a música do Norte, Nordeste, a música da Bahia. Eu aproveitei essa vaga e consegui criar um catálogo poderoso. A Continental virou uma gravadora poderosa nessa época. A gente tinha 90%… A gente mudou a história, digamos assim, do mercado brasileiro e ela começou a competir com as multinacionais. E eu fiquei na Continental até o momento em que eu disse para o dono, para o (Alberto) Byington, que ele tinha que fazer da companhia uma companhia multinacional, porque existia uma lei na época que era terrível para a música brasileira. Travestida de um incentivo à música brasileira, na verdade ela era um desastre. Que era a tal do Disco é cultura. Todo ICMS de uma gravadora, fosse ela nacional ou multinacional, você podia não pagar ao governo colocando o selo Disco é cultura, desde que você entregasse o mesmo valor em ICMS, que você tinha que calcular, em recibo de artistas brasileiros. Ou seja, eu gravava um artista brasileiro, ele me assinava um recibo de gravação – isso valia para maestro, músicos, arranjadores, artistas, compositores – e todos os recibos eram mostrados ao fisco e o fisco não cobrava o ICMS. Só que a multinacional tinha ICMS advindo do disco internacional e, no disco nacional, que era minoria no catálogo da multinacional, ela tinha um excesso absoluto para gastar. E ela criou, no artista, uma consciência de desperdício, de gasto – que gerou, eu acho, a distorção do jabá, a distorção dos contratos milionários que não eram matematicamente viáveis. Elas faziam com que, quando um artista era revelado por uma nacional – e havia duas grandes na época, que eram a Copacabana e a Continental –, na recontratação desse artista a multinacional podia oferecer qualquer coisa. Dependia de quanto ela tinha de ICMS gerado. Dez milhões por uma coisa que, matematicamente, valeria um, dois, três. Tanto que esses artistas fizeram – os Secos & Molhados – fizeram os dois primeiros discos na Continental e daí – não são da minha época, são anteriores – eles saem da Continental e vão para as multinacionais do Rio de Janeiro. E o Rio vira uma metrópole dessa música multinacional – todas as sedes das gravadoras multinacionais eram no Rio de Janeiro, os estúdios eram no Rio de Janeiro – e a fortuna que rodava lá era, assim, imensa. Graças a Deus, aí já foi um trabalho recente, inclusive, da ABMI e de um grupo de pessoas, eu não estava na ABMI nessa época – eles conseguiram tirar o ICMS do disco nacional. Isso fez com que a música se equilibrasse. Hoje, uma multinacional tem que pagar o ICMS sobre o disco internacional e sobre o disco nacional ela tem isenção, mas o interesse dela é muito relativo. Porque não existia equilíbrio. Em 2002, a última grande companhia brasileira foi comprada por uma multinacional, porque aquele conteúdo todo ela pagava para o artista com ICMS. Ela vendia Beatles e tirava Secos & Molhados da nacional.
T – Elas não se interessavam em levar a música brasileira para o exterior, né?
W – Nunca houve investimento na música brasileira no exterior e isso eu posso te afirmar com absoluta segurança: nunca, nunca. João Gilberto, aquele show histórico do Tom Jobim e João Gilberto, aquilo foi feito porque um americano era apaixonado pela Bossa Nova e o dinheiro deles não foi dinheiro de gravadora. Então, o que acontece na minha vida? Foi outro momento que me mostrou… Quando a Continental foi comprada pela Warner, ela, depois de quatro anos, entendeu que não conseguia gerir direito o catálogo da Continental. Principalmente nisso que a gente pode chamar de música regional brasileira. E o que é regional? O Lobão, que tocou com o Paul Simon, Chiclete com Banana, Araketu… Que eram coisas que foram absorvidas pelo exterior. Mas foi, na verdade, consumido porque o americano veio aqui ver, não foi porque a multinacional fez esse investimento. Eu gravei algumas coisas e tentei levar para a Warner americana, especialmente para a Warner latina e não tinha interesse, era uma coisa, assim, que não era prioridade. Mesmo show case, mesmo os artistas sendo contratados pelos brasileiros que viviam nos EUA, eles eram contratados pelos brasileiros. Nunca a Warner falou assim: “Não, vamos investir na música brasileira nos EUA”, nunca. Então, isso faz com que a música brasileira seja conhecida hoje, e eu acho que a internet talvez abra as portas definitivas da criatividade brasileira. Porque, pelas multinacionais, que faziam um catálogo nacional sendo uma coisa local – “Essa coisa você cuida aí no Brasil que está ótimo, vocês estão faturando muito bem com esse catálogo, mas para cá nós temos Maná, Alejandro Sanz, enfim, nós temos nossos produtos daqui para colocar no mercado”. Carlinhos Brown foi um que teve iniciativa pessoal na Espanha, invadiu a Europa; Kaoma foram franceses que montaram… Eu sei da história do Kaoma porque foi, na verdade, um contrato mal feito pela Continental, inclusive, pelo Byington, até por causa desse conceito que ele próprio tinha da gravadora dele, de ser uma coisa regional etc. e os franceses pegaram o repertório inteiro da Continental e a opção de edição para a Europa e o mundo, levaram para a França, montaram um grupo de exilados brasileiros e tinham todas as músicas e toda a sub-edição. Então, todas as músicas do Kaoma eram da Continental e com isso eles não levaram nem a Márcia Ferreira, que é a cantora original do Chorando se foi, nem o Chiclete com banana, nem o Beto Barbosa, nem os caras que fizeram o estouro internacional do Kaoma. O estouro foi feito em cima desse conteúdo da Continental. E, no momento seguinte eu conheci – aí já é primórdio da Atração – os Bois de Parintins e existia uma gravadora chamada Amazon Records lá e o dono estava muito circunscrito ao Amazonas, entendia pouco e tal. A gente fez uma associação e, no fim, acabou adquirindo-a e incorporou à Atração e deu sorte de a gente gravar o Carrapicho e o Carrapicho foi com o Tic tic tac, que é uma edição nossa, da Atração. Aí foi o Carrapicho conhecido lá fora, não com um grupo lá de fora que regravou. Mas a música brasileira tinha um potencial e eu acho que tem um potencial de internacionalização que a gente só vai conseguir entender quando isso estiver disseminado pela internet. Porque a gente vê a nossa receita digital sendo crescente – é claro que o Brasil ainda é predominante, mas a gente já está no mundo inteiro. Os gráficos mostram crescimento em países latino-americanos, na Europa toda etc., graças à internet e não às gravadoras, não às gravadoras.
Sharine – Eu fui para a Espanha e a coisa que eu mais ouvia lá era MPB…
W – Isso é o digital! Isso vai criar uma certa situação de igualdade de condições de propagação da música.
T – Em 96, 97 eu fiquei dois meses na Rússia, impressionante… Aqueles grupos do Gugu, imitando Menudos, Dominó etc…
WS – Isso é tudo Continental.
T – Continental… Daqui a pouco está tocando lá em São Petersburgo. E o que eu vi muito, também na Rússia, grandão, foi o Sepultura.
W – Sim, porque é um segmento transnacional. A América Latina tem um monte de heavy metal.
E – Mas, hoje, as gravadoras estão perdendo esse controle do mercado?
W – Na verdade, quem perdeu o controle, graças a Deus, foi a pirataria. Porque o digital regulou muito o mercado. Elas estão ganhando muito mais do que há dez ou oito anos, quando foi o auge da pirataria. Eu vi o fim do mercado quando a gente tinha a multiplicação desse CDR vendido a R$ 2,00 nas esquinas do Brasil, do México, em vários lugares. Aliás, a minha saída da Warner, da Presidência da Warner, foi um pouco por causa disso. Porque eles queriam reduzir muito o elenco nacional por causa do ataque da pirataria no Brasil e a falta de controle da polícia brasileira em cima da pirataria. Então, o conteúdo que está pronto, de fora, ok, o pouco que entra se for pirateado é lucro. E o conteúdo nacional precisa ser produzido, então “deixa quieto” e tal… Aí eu disse: “Tá, então eu vou voltar para a Atração”. Foi quando eu saí da Warner e voltei para a Atração. Aí foi engraçado porque a gente enfrentou dois momentos bem interessantes. O primeiro foi o crescimento absurdo de todos esses regionais que saíram da Warner e que vieram para a Atração.
T – Esse período eu acompanhei mais de perto pela minha relação com o Renato (Braz).
W – Aí a gente cresceu muito. O momento seguinte foi a pirataria dizendo: “Ah… Eles estão ali!” E aí foi um momento que eu realmente pensei que a gente ia… Enquanto isso a gente conseguiu montar uma coleção muito grande de arte brasileira, arte regional brasileira, ou arte, do que eles chamam de naïf e, na época do Ano do Brasil na França, nós mandamos seiscentas obras de arte – a Atração emprestou.
T – Tem umas coisas que são assim. Você pega essas cadeias de lojas de disco, com algumas exceções, a dificuldade para encontrar música brasileira mais refinada, preocupada com a harmonia, com a poesia. E aí, eu morei na Alemanha, em Hamburgo, e lá tem uma loja enorme só de música e de cada continente. É uma loucura, tem música africana de cada país, o mesmo para a América do Sul. Eu entrei na parte dedicada ao Brasil e eu encontrei Virgínia Rosa; imagina encontrar Virgínia Rosa naquela época, 96, 97! Eu peguei um CD e estou lendo a ficha técnica: Miltinho, música Vale do Jequitinhonha; eu comecei a me interessar por aquilo, aí, vou ler a ficha técnica, percussão: Carlinhos Ferreira, ele é meu amigo. Veja só, eu fui conhecer o trabalho do Rubinho do Vale, que é um cara que pesquisa música do Vale do Jequitinhonha e eu fui descobrir o cara na Alemanha!
W – Então, tem esse mercado.
T – Mas, aqui no Brasil, não se dá essa preocupação…
W – Eu acredito que isso seja progressivo. Porque, hoje, por exemplo, qualquer conteúdo da Atração, em qualquer loja digital do mundo, você encontra. Você encontra Itamar Assumpção: se você estiver na África e tiver internet, você entra no Spotify, no Diesel, no Google Play, os discos estão lá. Do Itamar nós temos o primeiro, um segundo disco do Itamar e o último de estúdio que ele fez, isso eu tenho aqui ainda, físico. O primeiro é o Beleléu, que saiu em LP. Mas todos os discos da Continental estão nas lojas, no mundo inteiro. Nosso material você encontra no mundo inteiro. Porque a gente sobe todo nosso conteúdo. E ainda mantemos o físico para… Porque, ou dá para o artista… Eu tinha Filhos de Gandhi, fui para Salvador na semana passada e levei 200 de presente para eles. Está perto do Carnaval, para eles distribuírem para os associados e tal. Porque, de fato, o mercado acabou, a loja física virou uma coisa desse tamanho.
S – Quer dizer que o mercado digital está crescendo?
W – Assustadoramente! Deixa eu te contar, por exemplo: no Youtube, quando você coloca um conteúdo legalizado na nossa plataforma em Nova York, a Washent, que é uma companhia grande, independente, que é capital da Sony, mas é absolutamente separada da Sony e lida só com gravadoras de médio porte independentes. A Washent registra a música e registra, digamos, os metadados dessa música. Se você subir essa música no Youtube e colocar fotografia do seu namorado para dedicar a música a ele etc., você não vai conseguir receber por aquilo. O botão de rentabilização para aquele conteúdo fica travado e toda vez que alguém ouve, esse dinheiro é creditado para a gente lá. Então, eles fazem um bloqueio dessa coisa. É claro que ainda tem coisa na Sibéria que tenta vender música pirata etc., etc., mas digamos que a projeção no digital é a organização e o pagamento dos artistas e autores.
S – Mesmo quando você baixa no Youtube?
E – Essa é a legalizada. Se você consegue baixar no Youtube, ela está ok? É isso?
W – O que pode acontecer, eventualmente, é uma pessoa que suba e não rentabilize aquilo – é uma música dele – e aí você consegue baixar no link dela. Você ouve aquilo. Mas a própria pessoa decidiu fazer assim.
E – Ela quer divulgar seu trabalho.
W – Exatamente. Ele é uma plataforma enorme de divulgação.
E – Mas tenho dificuldade de entender. Suponhamos que você disponibilize a música de uma artista no Youtube com rentabilização. Onde é gerado esse valor?
W – Propaganda. O Youtube recebe uma verba enorme de propaganda. E você percebe porque, na hora em que você acessa a música, ou tem uma propaganda no conteúdo da música, ou na página.
T – Está na página.
W – Mas você ouve. Ouve a última da Maria Bethânia; a Biscoito Fino faz um trabalho muito bacana no digital. Ela está na mesma agregadora que a gente. Eu tento aprender com a Biscoito Fino porque eles são muito bem estruturados, a Kati (de Almeida Braga) pôde contratar pessoal que veio de multinacional, mal-acostumado, que gosta de vinho importado no estúdio. Então ela conseguiu gravar Chico Buarque, coisas caríssimas. E ela tem um conteúdo impressionante e tem um pessoal de internet impressionante. Mas você ouve Chico Buarque no Youtube, você ouve o que você quiser. E você baixa no Google Play e quando você baixa você paga, por faixa, R$1,99, mas ela fica no seu aplicativo e você consegue estar com ela em todos os seus aplicativos. Então, nesse momento, o mercado respira, graças ao mercado digital. A tecnologia trouxe o mercado de volta. E a gente está podendo sobreviver graças ao mercado digital, basicamente.
E – Voltando um pouquinho lá para nossa história, quando vocês começaram com o Lira, promovendo e apresentando esses artistas, em algum momento vocês tiveram problema com a repressão, com a censura? Como era essa relação?
W – O Chico (Pardal) morava na Praça Roosevelt. Então, no começo, ele passava no escritório da Censura para liberar as coisas.
E – Era obrigatório?
W – Era obrigatório você ter o carimbo e assinatura do censor. A rotina do Chico era essa.
S – Isso, lá no Rio, na semana passada, eu vi vários documentos do (projeto) Pixinguinha pedindo a liberação da Censura.
W – Mas acabou, quer dizer, eles… Ah, e as peças, que eram mais controladas, o censor tinha que assistir ao ensaio geral.
E – Mas vocês nunca tiveram nenhum ato de repressão.
W – Não. Eu acho que a gente, também, já é um pouco no final, um pouco mais para a frente. No Roda Viva, não, eles entravam, pegavam…
E – O Pixinguinha começa em 77 e, não sei se em 78 ou 79, o (Jards) Macalé é preso na Bahia. Sai de cima do palco do Pixinguinha – que era um programa do governo, da Funarte – e vai preso. Ele inventou uma música que falava mal da polícia, o delegado estava assistindo ao show – mandou prender.
T – É, mas acontece. Os Racionais também já foram presos, vários rappers já foram presos.
W – O que eles chamam de rapper consciente, né?
T – É…
W – É, nós tínhamos essa necessidade de chamar o censor quando era peça, ou o carimbo das letras de música quando era show, que era um trabalho que a gente fazia no escritório. O Chico passava lá, carimbava, ele assinava e, se aparecesse algum censor, estava tudo ok. Mas repressão, propriamente dita, não.
S – Vocês chegaram a produzir na Guiomar Novaes? Não, né? Eram só os mesmos artistas que iam para lá, né?
W – Isso eu não lembro exatamente. Seria uma coisa que talvez o Chico pudesse esclarecer, porque ele às vezes fazia coisas com um grupo, ia com o Plínio e eu ficava no teatro, enfim: a gente se dividia. Mas me lembro muito de a Lulu ir ver coisas no Lira.
E – Tinha uma troca de catálogo, né?
W – De catálogo, e ela fazendo uma temporada em homenagem ao Lira Paulistana, antes do SESC. (…) A última foi no começo deste ano (2016), janeiro, fevereiro e março, no SESC Ipiranga. Mas já teve no Pompéia, em vários SESCs, com os artistas e tal. Essa do SESC Ipiranga foi 30 anos, e depois? Aí levaram o Premeditando o Breque com os filhos do Wandi, o De nada mais a algo além, com a Ná Ozzetti, enfim, os herdeiros desse pessoal. E, naquela época, o que eu me lembro muito de clima de repressão é que a gente viveu muito perto do Tarancón, do Raízes da América, que faziam a música latino-americana de protesto mesmo, mais pesada. E eu tenho relação com o Emílio (de Angelis Nieto) do Tarancón até hoje. Eles fizeram um show no SESC Pompéia uns quinze ou vinte dias atrás, abarrotado de gente, e eles cantando as suas canções. A Miriam (Miráh) fez uma participação especial e foi belíssimo, porque a gente conseguiu lembrar exatamente daquele momento deles fazendo a USP e a polícia toda cercando a universidade.
T – Você sabe que a Maetê Gonçalves é filha da Miriam? E canta hoje no Tarancón.
W – Sim, e canta no Tarancón. E é belíssimo o show.
T – Essa época era muito rica, né, Wilson?
W – Muito…
T – E, na sequência, vieram os nordestinos. Você tinha o Shangai, Vital Farias, nossa, era um universo, Quinteto Violado… E a música instrumental também muito próxima, né? Você tinha o Naná Vasconcelos, você tinha o segmento da música minimalista… Que riqueza! Um processo de formação das pessoas através da música. Um processo de formação política, sem necessariamente passar por cursos de doutrinação. Eu passei por uma experiência de ser formado através da música.
W – Eu acho que as coisas se liberaram, quer dizer, o regime militar represou tanto as coisas que, de repente, as coisas se liberaram e explodiram, não dava mais para segurar.
T – E isso contribuiu muito para a formação de uma ou duas gerações.
W – Talvez até mais, porque hoje a gente vê movimento no Sul, movimento no Norte, movimento no Amazonas.
T – O mangue beat herda isso. Quando o Alceu pega a guitarra e bota nas suas músicas, vem o Nação Zumbi e já ousa mais. Fantástico!
E – E tinha poucos espaços de apresentação, né?
W – Pouquíssimos! E a gente sabendo que a Prefeitura tinha 5 ou 6 teatros enormes, usados para absolutamente nada. É terrível saber de um Paulo Eiró, João Caetano, sub aproveitados.
T – O Martins Pena é um teatro maravilhoso que tem na Penha.
W – E essa era a diferença da Funarte, que tinha um animador como a Lulu…
E – Funcionava…
W – Absolutamente. Ela era brava, brava, né? Lembro-me bastante da secretária dela, da Myrian (Christofani), que era uma pessoa também que fazia… Vocês conversaram com ela?
S – Sim.
W – Então, era diferente, era diferente de tudo que existia. Ela conseguia, com a Sala Guiomar Novaes, fazer frente a dez teatros que a Prefeitura tinha em São Paulo.
S – E a Sala Guiomar Novaes era pequena, né?
W – Pequena.
E – Tanto que o Pixinguinha vai para o SESC Vila Nova, né? Porque não cabia na sala.
S – Ele começou no SESC.
T – A Funarte São Paulo era, na verdade, uma parceria com o SESC – o surgimento da Funarte SP.
E – O Pixinguinha.
S – E a Funarte SP foi a partir do Pixinguinha, né?
E – A partir daí. Fazem o Pixinguinha, e a Lulu se sai tão bem na produção que ele contrata a Lulu para fazer o Pixinguinha aqui e em Curitiba. E ela, novamente, se sai tão bem que ele decide montar o escritório. Porque o MEC ficava ali no casarão. “Então, vamos montar um escritório, lá tem um auditório, vamos montar um escritório da Funarte e você programa o auditório”. Aí começou.
W – A gente fez, com a Funarte, na Praça Benedito Calixto, há relativamente pouco tempo atrás, uma dessas coisas do Lira Paulistana – na época era o PT e o Presidente era o irmão do Cláudio, o Sérgio Mamberti. O Sérgio disse: “Eu quero, eu quero, eu quero fazer”.
T – Escuta, qual era a relação de vocês – porque eu acho que era da mesma época, começou na Benedito Calixto – com aquela onda do VHS, de filmagem, depois teve a TV PUC?. Lembra da TV PUC?
W – A coisa mais engraçada é que a Praça Benedito Calixto tinha o Olhar Eletrônico…
T – Que era do Marcelo Tas.
W – Não só do Marcelo, tinha o Fernando Meirelles!
T – Fernando Meirelles era câmera.
W – E o primeiro show que a gente faz na Praça Benedito Calixto, quem documenta é o Fernando Meirelles, que tá no filme do Lira, inclusive, com crédito.
T – O Fernando Meirelles era câmera do Tas, não é isso?
W – Eles eram sócios…
T – Aí eles criaram um ateliê de TV pirata. Nessa época surgiu um movimento de rádios, tvs piratas. Nessa época eu trabalhava em uma ONG que dava assessoria para os movimentos culturais e a gente criou a Rádio Peão – tinha a Rádio Teresa que era da PUC –, que era uma rádio que a gente andava com uma antena, em cima de um fusca…
E – Isso é na década de noventa?
T – Não, 86,87…
W – O nosso jornal, eu acho que é de 86. E a gente faz a divulgação com um show na Praça Benedito Calixto e o Fernando pega as câmeras, vai lá e documenta isso. Teve Premeditando etc. e terminou com o Jorge Mautner. E calhou de ser na semana em que morreu a Elis Regina; e a capa do jornal é a Elis Regina. E foi elogiadíssimo, por causa do tipo de abordagem que a gente fez. Porque era uma foto dela em alto contraste, em PB: “Valeu, Elis!” Aí, você virava a página e tinha uma vinheta do Caruso, do Paulo Caruso, linda também, da Elis chegando ao céu e São Pedro pedindo desculpas para a Terra e dizendo: “Mas eu não aguentava mais de vontade de tê-la por aqui!”, entendeu?
T – Eu estudava no Santa Cruz à noite e, nessa época, a gente fundou o Vai Quem Quer. E teve uma situação que… – você lembra do Piriri? Que era um roqueiro da Vila Madalena…
W – Lembro…
T – E a gente escolheu, como Rei Momo, o Piriri. Vocês que emprestaram a Kombi. A gente pôs uma cadeira em cima e o Piriri veio de Rei Momo… O Piriri era um punk rock, era folclórico.
W – Essa Kombi era usada para espalhar cartaz e, depois, a gente fazia a própria distribuição do jornal do Lira Paulistana.
T – Você quer saber? Quando a gente fundou o Centro Cultural na Monte Azul, a dificuldade nossa, lá, era muito grande…
W – É, vocês estavam num lugar também difícil – Jardim São Luiz…
T – É, pouco dinheiro… A gente fazia uma mala direta muito bem elaborada… Com mailing… A minha inspiração para fazer o que eu fiz na Monte Azul foi a Kombi de vocês. Eu peguei uma Kombi que a Associação tinha e tinha um sistema de alto falante. Até hoje, eu chego na Monte Azul e as pessoas: “O Centro Cultural Monte Azul…”
W – É, essa Kombi era para colar lambe-lambe, distribuir jornal… Ela tinha essa função, carregar disco etc. Mas estou às ordens, gente.