Recomeços e expansão da Funarte SP
Com a extinção do Ministério da Cultura, em 1990, as atividades da Funarte (que passou a se chamar IBAC) foram drasticamente reduzidas e muitos funcionários foram colocados em disponibilidade. Durante esse período, a Delegacia do MEC se apropriou dos galpões que pertenciam à fundação. As salas dos funcionários passaram a ser ocupadas pelos agentes de segurança da DEMEC. Já a Galeria Mario Schenberg e a sala do coordenador da Funarte SP foram usadas para o setor de registro de diplomas.
Na época do Collor, quando fecharam (a Funarte), veio um interventor aqui com um carimbo. Qualquer coisa com o logotipo da Funarte o oficial pegava um carimbo chamado “em extinção”. Ele batia em cima: “em extinção”. (…) Você só vê isso em filme. O cara ficava aqui carimbando para não sair nada daqui sem o carimbo “em extinção”. (Trecho de entrevista concedida por Gyorgy Forrai a Ester Moreira e Sharine Melo em 26/07/2016).
Myriam Muniz, atriz e diretora, que desde 1985 oferecia seu curso de teatro na Sala Guiomar Novaes, continuou o trabalho mesmo após o fechamento dos portões da Funarte SP, sendo uma das responsáveis, junto com alguns pouco funcionários que permaneceram no local, por manter a movimentação do espaço até sua reabertura.
19 de junho de 1990 | Marcello Nitsche foi dispensado das funções de representante regional da Funarte em São Paulo. |
25 de maio de 1991 | Isaura Botelho foi nomeada coordenadora do escritório regional do IBAC em São Paulo. |
5 de novembro de 1991 | Isaura Botelho foi dispensada do cargo de coordenadora do escritório regional do IBAC em São Paulo. |
Dezembro de 1991 | O Escritório de Direitos Autorais (EDA) foi instalado em São Paulo. |
23 de janeiro de 1992 | Reinaldo da Costa Maia foi nomeado coordenador regional do IBAC/São Paulo. |
Pós-Collor, a convite do Maia, para reabrir a sala Guiomar Novaes, liguei para o Itamar (Assumpção) e falei: “Tô precisando de você”. Ele falou: “Tá, então vou pegar o metrô; e onde você tá?” Eu disse: “Tô indo para a Nothmann para conversar com você”. “Tô pegando o metrô, daqui a uma hora tô aí”. Aí veio aquele negão lindo, com aqueles óculos gatinho dele, fiz a proposta, falei: “Itamar, a gente precisa reabrir a sala (Guiomar Novaes), reabrir mesmo, trazer o pessoal para cá. E você começou aqui, e agora você é o Itamar Assumpção que todo mundo conhece, e você vai trazer público”. Aí ele ficou, parou “É, tem razão, eu volto. Eu vou montar uma banda só de meninas para fazer a reabertura da sala”. Aí nasceram As Orquídeas. (…) Não sei, 92,93… E aí foi um sucesso! Retomamos a sala como deveria ser. (Trecho de entrevista concedida por Myrian Christofani a Ester Moreira e Sharine Melo em 04/08/2016).
19 de novembro de 1992 | Itamar Franco recriou o Ministério da Cultura por meio da Lei n° 8.490. |
22 de janeiro de 1993 | Isaura Botelho foi nomeada coordenadora regional do IBAC/São Paulo. |
Com a informatização dos processos, ao longo dos anos 1990, a delegacia regional do MEC perdeu suas funções. Com a retomada das atividades artísticas na Funarte, tem início um movimento de retomada dos Galpões.
Mas foi, acho, em 1996 (1995) que eu vim para cá. De fato, eu fiquei aqui, responsável por este espaço, nos dois períodos do Fernando Henrique. (…) Era um momento de um certo desânimo, de certa apatia do ponto de vista institucional, não pessoal, mas institucional. Eu vim, conversei com o pessoal e comecei a fazer o projeto como carro-chefe para poder ir recuperando esses espaços. Primeiro, foi recuperado o espaço Mario Schenberg, que estava cheio de cadeira (…) A gente foi, arrumou… Conversamos com o pessoal… Eu ainda não conhecia a Gilda. Conversamos… Convencemos… O Bicelli me ajudou muito nisso, a convencê-los de que ali era um espaço para as artes, não um depósito… Nós reinauguramos aquele espaço lá. Depois, fomos qualificar aquele outro espaço, que era todo fechado, tinha as repartições, tinha a parede, aquelas divisórias assim: metade opaca e metade de vidro. Era bem aquela coisa assim: repartição. Nós tiramos tudo aqui de baixo e subimos com a parte administrativa para criar a ala Jorge Mautner. Criamos a ala Jorge Mautner e ela foi a nossa salvação porque, sem a gente saber, depois, ela funcionou muito… O Weffort estava querendo fechar a Funarte São Paulo, porque ele achava que não cumpria com a sua função e o orçamento era curto. Então, por que não fechar, eliminar custos e tal? O Ottaviano de Fiore, que era um dos cinco secretários do ministro Weffort, brigou pela gente. Depois, eu fui saber que a história da ala Jorge Mautner tinha chegado a ele. Ele era uma pessoa muito afinada com o Jorge Mautner. Então, ele achou que aquilo estava sendo dirigido a um público, a um vácuo de ações, aqui em São Paulo, que estava ressurgindo, que era muito importante, era muito relevante. (…) Mas, originalmente, nós pegamos um dos galpões aqui e fizemos teatro, “Galpão Carlos Miranda”. Teve uma inauguração com o Renato Borghi, apresentando uma peça muito longa, uma daquelas peças dele à la Oficina. Foi muito bacana, o grupo se sentiu muito à vontade aqui. Eles montaram a peça aqui mesmo e deram vida para o galpão. Então, nós fizemos o Galpão Carlos Miranda. O Márcio de Souza veio inaugurar. (Trecho de entrevista concedida por Px Silveira a Ester Moreira e Sharine Melo em 14/09/2016)
8 de julho de 1994 | Os funcionários demitidos no processo de extinção do Ministério da Cultura são anistiados pelo Decreto nº 1.153. |
10 de agosto de 1995 | Isaura Botelho é exonerada e José Peixoto da Silveira Jr é nomeado coordenador regional da Funarte SP. |
19 de setembro de 1995 | O espaço Mario Schenberg é reinaugurado com a exposição coletiva Opera Prima. |
24 de junho de 1997 | Gilda Figueiredo Portugal Gouvea, delegada do Ministério da Educação e do Desporto em São Paulo, cedeu à Fundação Nacional de Artes o galpão de nº 5 (a partir da Alameda Nothmann) e o galpão nº 6, onde, em regime de parceria, foram instalados o Espaço Darcy Ribeiro e o Teatro Carlos Miranda. |
Então nós começamos a fazer isso, a ter atividades. A passar para a Funarte. Essa ordem eu não vou lembrar. O Px (Silveira) é que tem toda essa memória. Eu lembro que teve teatro. Peças de teatro que começaram a ser encenadas, exposições. Nós começamos a desocupar. Eu lembro que um dia o ministro entrou lá num galpão que era depósito, o primeiro. Ele falou: “Eu quero que, em 48 horas, essas coisas vão para onde vocês quiserem: doação…” “Ah…. mas tem chapa…” “Não interessa”. Sabe? Um galpão maravilhoso ocupado com carteira velha… Olha, acho que tinha até pelo dos cavalos… Um absurdo. Aquele primeiro, totalmente depósito. Aí ele falou: “Tira tudo, mas tem que ocupar com alguma coisa”. “Alguma repartição pública federal vai ter que mudar para cá.” Aí começou, aí teve peça de teatro, teve exposições… E foi crescendo… Aí tinha uma confusão para fazer a doação. Nós queríamos doar para o Ministério da Cultura, mas aí não podia, por causa… Essa parte burocrática, eu também não lembro como foi resolvida. (Trecho de entrevista concedida por Gilda Portugal Gouvea a Ester Moreira e Sharine Melo em 08/09/2016).
E a Funarte foi avançando nesses espaços que o MEC foi deixando. Aí, o grande cara que trabalhou bem isso foi o Px (Silveira). Eu ficava até com medo, porque ele ocupava… Ele chegava e falava: “Aí, a tal galeria, vamos lá, vamos ocupar…” Chegou um dia, a Dra. Renata, que era a Coordenadora do MEC, disse assim: “Ó, a Funarte é o seguinte, a Funarte é o saguão”. (Trecho de entrevista concedida por Roberto Bicelli a Ester Moreira e Sharine Melo em 01/08/2016).
O Px (Silveira) (…) foi conseguindo se articular com o pessoal do MEC… Pegou o primeiro galpão, que era burocracia e depois estava largado, não se usava mais. (…) Pegamos o primeiro galpão, demos uma geral. Eu, como vivia ali, subindo, descendo, tirei um pedaço do forro. No fundo tinha uma escadinha, um quartinho do pessoal da limpeza. Tirei um pedaço e falei assim: “Px, dê uma olhada dentro do volume que tem em cima desses forros. Olha a luz que tem. Tem uma lanterninha, tesouras imensas. Vamos bolar um jeito de tirar isso. A gente usa para a galeria.” Ele viu com o MEC, articulou se podia tirar a iluminação, e falou: “Gyorgy, tira.” Eu e o Chico desmanchamos o galpão inteiro. Em uma semana, descemos tudo. Lotou um caminhão de alumínio, de lâmpada, de manta. Eu e o Chico, a gente saía daqui parecendo que tinha caído em uma chaminé. (…) Limpamos todas as tesouras, pintamos as tesouras de preto e colocamos refletores de forma límpida. Virou a galeria Mario Schenberg. Virou um outro lugar. (…) No mesmo dia… No teatro, na Guiomar Novaes, tinha um camarim, tinha um banheirinho, com box, chuveiro. No box do chuveiro, a parede era dentro do teatro, lá no fundo, mas dava passagem para o galpão que tinham passado para ele. Ele mandou derrubar na mesma tarde o chuveiro, o box inteiro, e abriu uma porta. Ele falou: “É nosso!”. (…) Mais um galpão, que virou área de exposição, uma área de exposição imensa. Eu pintei o chão do galpão inteiro com aquele verde de quadra esportiva, meio fosco. (Pintei) as tesouras de preto, a parede de branco. A gente montou um monte de exposições. Depois, por fim, ele conseguiu o último galpão, onde tinha um forno. Tinha duas salas lá em cima, onde tinha o forninho. Você subia uma coisa que parecia o Titanic, da época do Titanic, com rebites, aquela chaminé com rebite. (…) Nossa! Parecia que você estava na casa de máquinas do Titanic. O Px pegou as duas salas lá de cima e montou o escritório do coordenador. Mandou pintar tudo com aquele amarelo Kodak, móveis pretos. (Trecho de entrevista concedida por Gyorgy Forrai a Ester Moreira e Sharine Melo em 26/07/2016).
1º de janeiro de 2003 | Gilberto Gil foi nomeado Ministro da Cultura e Antonio Grassi foi nomeado presidente da Funarte. |
3 de abril de 2003 | Hélvio Mori de Jesus (Hélvio Tamoio) foi nomeado coordenador regional da Funarte em São Paulo. |
2004 a 2007 | O Complexo Cultural Funarte SP permaneceu fechado para reforma. |
(O coordenador) era o Helvio, o Helvio Tamoio. O (Antonio) Grassi na presidência (da Funarte), e foi a primeira gestão do (Gilberto) Gil (no Ministério da Cultura). Nesse momento, toda a efervescência da reativação da Funarte São Paulo, ainda muito precária, a gente tinha todas as dificuldades… (…) Ainda ia iniciar a obra. Inclusive, nós fizemos aqui um evento de lançamento da obra, que foi o lançamento dos editais de dramaturgia e reativação de alguns editais da Funarte, o edital de doação de equipamentos. Foi um evento grande, o Gil esteve aqui, cantou… No final das contas, o Gil entrou aqui às três horas da tarde, foi sair onze e meia da noite, mas numa alegria! Foi um dia ótimo, ele ficou conversando com todo mundo, uma pessoa simpaticíssima. E, nesse evento, também aconteceu o lançamento da obra daqui do espaço. (A reforma começou no) final de 2004. A gente começou a desmontar os espaços, tirar a equipagem, desmontar tudo em dezembro de 2004. (Trecho de entrevista concedida por Mauro Martorelli a Ester Moreira e Sharine Melo em 05/05/2017).
(…) o teatro foi reformado. As galerias, por exemplo, tinham um desnível de ponta a ponta. Tinha um desnível dessa altura. Então, elas foram remodeladas, refeitas. Praticamente, a única coisa que sobra é essa casca de fora. (…) Ela é uma preservação. Ela é histórica. Agora, para dentro, foi tudo totalmente refeito. (Trecho de entrevista concedida por Roberto Bicelli a Ester Moreira e Sharine Melo em 01/08/2016).
8 de março de 2006 | Foram abertas as inscrições para o primeiro concurso público para seleção de servidores para o Ministério da Cultura. |
3 de janeiro de 2007 | Teve início o tombamento da região de Santa Cecília, no entorno do Teatro São Pedro. |
8 de novembro de 2007 | Espetáculo A minha mulher, de Antônio José da Silva, contemplado no Prêmio Luso-Brasileiro de dramaturgia, reinaugurou o Espaço Funarte SP. |
A estrutura do Complexo Cultural Funarte SP permaneceu praticamente a mesma desde a reforma terminada em 2007. Em 2017, em comemoração aos quarenta anos da Funarte SP, a construção que abriga as salas de espetáculos e as galerias de artes visuais passou a se chamar Galpões Lulu Librandi.
Eu acho que a (importância da) Funarte corre paralelamente a ações que hoje você tem, um pouco fortes, de outros órgãos. Uma coisa que não existia, por exemplo… Não tinha um projeto cultural da Caixa Econômica Federal… (Hoje) tem, eles têm dinheiro, eles têm auditório… Você não tinha Centro Cultural Banco do Brasil… (…) Já tinha (o SESC), mas ainda não era essa potência toda… O Itaú Cultural… A Funarte, na minha opinião, não faz feio frente a tudo isso. Principalmente nas ações todas, na abrangência dela. (…) E, na minha opinião, tem que, simplesmente, continuar, tem que ir alocando verbas, tem que, enfim, dar condições de trabalho… Eu sempre digo: a Funarte tem sorte, entende? Não é rasgação de seda, mas, se não fosse pelos coordenadores, que pegam na unha e tal… Se ficar uma pessoa aqui pensando que vai assinar papel, empurrar para lá, empurrar para cá, está falido… Depois, por exemplo, o pessoal concursado que chegou aqui… Por sorte, nós tivemos uma equipe excelente. Vieram excelentes pessoas. Pode ter uma exceção, uma coisa qualquer, mas quem é exceção já sai por si, quem fica veste a camisa. É lógico: inicialmente, na formação de um funcionário, você precisa de um ano, dois. Ele vai se adaptando, vai indo. Mas, hoje, os funcionários que estão aí estão em igualdade de condições com qualquer funcionário de qualquer instituição do país. Eles estão com vontade, conhecimento e força. Essa é minha opinião. (Trecho de entrevista concedida por Roberto Bicelli a Ester Moreira e Sharine Melo em 01/08/2016).
Eu acho que a Funarte do futuro está sendo construída sempre. Tem uns tropeços, adaptações… O que vai sair daí ninguém sabe… A Funarte é um reflexo das possibilidades artísticas, burocráticas, estéticas da época. Sempre é da época. Não poderia ser diferente. Não tem fundo museológico. A gente está sempre na crista da onda mesmo. Da performance, da música nova, da música de vanguarda, até da administração de vanguarda… A gente vai ficando conforme a época. Eu acho que a Funarte sobrevive por causa disso. Se fosse uma instituição congelada, sem possibilidade de se mexer, já teria sucumbido, naufragado há muito tempo… Não naufraga porque está sempre criando (…) É uma craca que gruda no barco que estiver passando e vai embora… Fica ali, fica aqui, no meio, vai lá em cima. Mas está sempre lá… Acho que nunca vai ter um momento ideal, uma proposta… Porque as propostas mudam… O que tem de oferta, de perspectiva ética, estética, de trinta anos atrás, e o que tem hoje? É incomparável. (…) Você tem que se entregar de corpo e alma… A atividade de criação não pode ter um modelo só. (…) Tudo vai ficando mais clássico com o tempo. Os modernistas viram clássicos depois de quarenta anos. A gente está nesse processo o tempo inteiro… Vai saber o que é no futuro (…) Eu acho ótimo. Acho fantástico ser testemunha dessas transformações todas. É a Kali Yuga, época da transformação. É a melhor época para você abraçar. É a Kali Yuga. É debaixo do caos que o homem para pra pensar, resolve, cria e dá um passo para frente. Na época de ouro, fica todo mundo vivenciando e esquece das coisas. Vai criando uma grande diferença quando se toca e aí acontece a Kali Yuga… (Trecho de entrevista concedida por Gyorgy Forrai a Ester Moreira e Sharine Melo em 26/07/2016).