Marco Antônio Rodrigues
Entrevista concedida a Ester Moreira e Sharine Melo, na Representação Regional da Funarte SP
São Paulo, 05 de agosto de 2016.
Ester – Como e quando você começou na Funarte?
Marco Antônio – Quando eu comecei na Funarte, a Funarte se chamava Instituto Nacional de Artes Cênicas – não era Funarte, em 1987.
E – Então, você vem do INACEN.
M – Eu venho do INACEN, que depois virou FUNDACEN, que antes tinha sido Serviço Nacional de Teatro, que depois virou FUNDACEN, que depois foi extinto pelo Collor e que, depois, foi reorganizado naquela coisa chamada IBAC. E acho que, depois, agora não me lembro direito disso, mas acho que já no governo do Itamar (Itamar Franco), eles recriaram a Funarte com esse guarda-chuvão, incorporando todas essas finalísticas dessas áreas afins. Logo que o Collor entrou, eu fui da primeira lista dos demitidos, proibidos de voltar ao prédio. Tinha um papel na porta do prédio com os nomes e, depois, eu ganhei, junto com outros colegas, um processo de anistia política. Fui anistiado.
E – Então, vamos voltar. O INACEN era no Rio…
M – Sempre foi no Rio. A Funarte sempre foi no Rio. O INACEN tinha dois prédios.
E – O próprio SNT era no Rio.
M – Exatamente. O SNT era no Rio.
E – A Bárbara Heliodora presidiu.
M – O problema todo sempre foi esse. Mesmo nessas épocas, nas épocas mais profícuas do FUNDACEN e tal, o olhar sobre as regionais sempre foi um olhar um pouco difícil de se ter.
E – Isso eu não sei, eu queria entender como você entra no INACEN: você morava no Rio, você entra aqui?
M – Eu entro aqui. O SNT era dirigido por um sujeito incrível, chamado Orlando Miranda. Era um cara, inclusive, que se dizia, e se diz, um cara liberal, de direita e tal. Era um cara que conseguia um trânsito incrível, na ditadura, com o Ney Braga, que era ministro da educação, e que conseguiu muitas coisas. Ele era um empresário de teatro; a visão era uma visão empresarial, de uma época em que o teatro tinha empresários, digamos… Depois, isso se reorganiza de outra forma… O Orlando conseguiu… Por exemplo, o Teatro Maria Della Costa era um teatro que foi comprado pelo MEC e dado para a APETESP, para a Associação de Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo. É deles até hoje, uma entidade praticamente fantasma, que não tem função nenhuma, mas na época tinha muita força. O que começa a acontecer aí é que ele (Orlando Miranda) começa, de fato, a fazer um trabalho, digamos, de popularização do teatro: tinha campanhas de popularização etc. Junto com ele, veio um cara chamado Carlos Miranda. Carlos Miranda é o cara que fica depois dele. O Carlos Miranda é o grande cabeça, executivo e tal, que cria, de fato, a estrutura da FUNDACEN. A FUNDACEN se pautava pelo quê? Era um órgão horizontal, tinha um conselho, um conselho deliberativo. Um conselho deliberativo nessa época de fim de ditadura etc. é uma coisa razoavelmente… Nacional. Nesse conselho tinha representação de trabalhadores, tinha representação de empresários…
E – Locais, regionais?
M – Regionais… E representação da inteligência, digamos, de críticos e tal, pesquisadores. Enfim, era um grande conselho. Esse conselho era um conselho deliberativo, a diretoria era eleita, era um presidente eleito. Por conta dessa nacionalização, ele (Carlos Miranda) cria essa coisa que era o profissional de artes cênicas, que era a base do trabalho. Então, o profissional de artes cênicas, tinha no Brasil inteiro. Ele contrata várias pessoas por notório saber, não tem ninguém concursado aí. E, nessa coisa do notório saber, por exemplo, São Paulo tinha Umberto Magnani Neto, tinha Sylvio Zilber, tinha Fernando Peixoto, tinha Reinaldo Maia, tinha Mariângela Alves de Lima, que era crítica do Estado de São Paulo, que é uma das grandes críticas do país e foi mandada embora por telefone pelo Estado de São Paulo, tinha o J. C. Serroni, que é um dos grandes cenógrafos e arquitetos de teatro do Brasil, tinha eu. Esses eram os profissionais de artes cênicas de São Paulo. Isso tinha no Acre, no Rio…
E – Vocês foram contratados?
M – Exato. Fomos contratados.
E – Pelo INACEN?
M – Pelo INACEN ainda.
Sharine – Tinha (o INACEN) em todos os estados?
M – Não tinha em todos os estados, mas tinha em: Amazonas, Pará, Rio Grande do Sul. Não tinha, por exemplo, no Espírito Santo… Minas Gerais tinha. Tinha um quadro dos PACs, chamados PAC3 e PAC4… Humberto Braga, que hoje assume a liderança da Funarte, era um dos PACs, era um PAC do Rio de Janeiro. Profissional de Artes Cênicas, tem nível 3 e nível 4.
E – E aí era com carteira assinada?
M – Com carteira assinada. Fomos contratados e tal, depois passamos a ser estatutários, porque o próprio Carlos voltou. Enfim, teve todo esse expurgo na época do Fernando Collor, já no Fernando Henrique eles convidam o Carlos Miranda para ser diretor administrativo da Funarte. Ele é o cara que refaz a estrutura administrativa da Funarte, faz o processo todo da reintegração da gente, da anistia política. É um cara incrível. Enfim, ele tinha trânsito e era muito respeitado em todas as áreas artísticas.
O trabalho da gente, como profissionais de artes cênicas, era articular uma ação conjunta com governos de estado e prefeituras visando o desenvolvimento, fomento e pesquisa de artes cênicas. Claro que estou me referindo ao INACEN. Trabalhávamos com regiões, nós em São Paulo com a região Sul. A gente nunca teve muito dinheiro, mas a gente tinha algum dinheiro. Então, a gente ia aos lugares, fazia reuniões com os profissionais, detectava junto com eles quais eram as necessidades mais prementes. Sei lá, tipo: “Olha, nós precisamos fazer um trabalho gigante sobre dramaturgia”. “Nós temos o recurso X, sei lá, um milhão de reais”. A gente chegava no Governo do Estado e falava: “Precisamos de um milhão de reais, vocês colocam um milhão de reais? Vamos fazer um programa conjunto?” Então, a gente fazia um programa conjunto de artes cênicas estadual. Aqui em São Paulo, tem algumas coisas que ainda são egressas disso, tipo o projeto Ademar Guerra, o próprio Prêmio Myriam Muniz, que na época se chamava Flávio Rangel, e se constituía num programa de fomento à produção cênica. Isso tudo é origem daqui de São Paulo. É um programa que a gente propôs para a Secretaria de Estado (da Cultura), que era um programa de formação, o projeto Ademar Guerra, que eles continuam até hoje, que a gente fez um primeiro ano. Mas a atuação da FUNDACEN era essa, e os profissionais de artes cênicas eram os caras que faziam esse trabalho. Não só esse trabalho, mas tinha um trabalho de memória muito grande. Você deve conhecer, no Rio. Não sei como está hoje, mas tinha um prédio inteiro de documentação, era o maior centro de documentação da América Latina, de artes cênicas (CEDOC/Funarte).
E – O quê? O CEDOC? Está lá.
M – Está lá, mas não deve ter a força que tinha… A gente fazia registro de espetáculos, a gente registrava os espetáculos.
E – Não sei se ele está atuante. Eu sei que ele funciona mais como memória.
M – Então, a gente fazia o registro dos espetáculos, a gente era depositário de toda essa memória. O acervo de não sei quem, mandava para lá…
E – Isso eu não sei se ainda funciona.
M – Fotografia, a gente registrava tudo e isso também alimentava o programa de publicações, que era um programa muito forte da Funarte, da FUNDACEN.
E – Que começa lá…
M – Da FUNDACEN… Isso nessa área da documentação. Tinha uma outra área, uma área técnica, que era a área de tecnologia, que era onde entrava o Serroni, entravam alguns grandes cenógrafos e tal… Faziam-se, por exemplo, reformas… Era uma consultoria técnica.
E – É a origem do CTAC?
M – É a origem do CTAC. Por exemplo, eu trabalhava muito com o Serroni nisso. Então, a gente recebia um chamado de um teatro no interior. A gente ia lá, fazia um laudo do teatro e, pelo laudo, a gente aconselhava… A gente não tinha dinheiro, a FUNDACEN, mas o Ministério tinha. Então, a gente aconselhava o Ministério a ajudar a pagar aquilo. Então, uma parte da grana daquela reforma vinha do Ministério e a supervisão era nossa.
E – E o Ministério era o Ministério da Educação?
M – Ministério da Cultura. Já era o Ministério da Cultura. Enfim, o trabalho da FUNDACEN… Pena que foi abortado muito rápido. Isso aconteceu durante três ou quatro anos.
S – Mas, então, ela existiu junto com a Funarte?
M – Existiu, mas a Funarte não tinha nada a ver com a gente.
E – Era separado. Durante muito tempo, a Funarte respondia por artes visuais, música, a questão das publicações…
M – Da área do conhecimento.
E – E tinha o departamento de fotografia.
M – O departamento de fotografia e essa área do conhecimento…
E – (A FUNDACEN) não integrava. Era um instituto e depois virou uma fundação, que era a FUNDACEN.
M – O INACEN, o Instituto Nacional de Artes Cênicas, e a FUNDACEN tinham quatro áreas, que eram: teatro, dança, circo e ópera. Claro que o teatro era a área mais forte, porque tem mais gente etc., mas tinha essas quatro áreas e ele atuava nessas quatro áreas. A atuação era basicamente em cima ou de editais ou de programas… Tinha alguns programas, por exemplo, de contemplar coletivos estáveis. É um pouco daí que ressurge essa ideia de grupo. Então, você elencava lá, sei lá, dez grupos no Brasil inteiro, tinha os técnicos, profissionais que eram técnicos, tipo o Fernando Peixoto, os caras acima do bem e do mal, que o parecer deles ninguém ia contestar. Então, os caras falavam: “Indica o grupo Galpão, de Minas, o grupo não sei o que, o grupo não sei o que lá”, que os caras ganhavam um financiamento de consolidação do trabalho e tal. O Carlos era uma cabeça brilhante, o Humberto Braga que era o braço direito dele, o cara que foi para a presidência agora (a segunda gestão de Humberto Braga como presidente da Funarte ocorreu entre junho e novembro de 2016).
E – Deixa eu perguntar: eu sempre fico em dúvida em relação a isso. Enquanto havia o instituto e a FUNDACEN…
M – O instituto acaba e vira FUNDACEN.
E – Depois, funda-se a Funarte, que não abriga essas linguagens. A Funarte é fundada e fica sob a Secretaria de Cultura, que pertencia ao MEC. O INACEN, depois a FUNDACEN, eles também estão sob o guarda-chuva do MEC?
M – A Funarte era uma estrutura paralela. É de 1975. Me parece que INACEN, FUNDACEN já estão na estrutura do MinC.
E – Então, quer dizer…
M – Acho que mesmo a parte do INACEN já é Ministério (da Cultura).
M – Agora, como FUNDACEN, ela virou FUNDACEN inclusive, porque ela tem muito mais autonomia. Hoje em dia, não, mas a fundação tinha mais autonomia. Não era exatamente órgão da administração direta.
E – E era por isso que não se queria fazer parte da Funarte.
M – Exatamente.
E – Queria se manter fora do guarda-chuva da Funarte. Essa era a grande disputa, que era uma forma de se manter como uma categoria autônoma. Em termos de linguagem, era a categoria mais organizada.
M – Mais organizada. Realmente, uma coisa impressionante. E aí, do ponto de vista disso, enfim, ganha muito equipamento físico: a Casa de Paschoal (Casa Funarte Paschoal Carlos Magno), o sítio lá do Paschoal, que está até hoje, ou esse equipamento aqui, este conjunto de galpões da Alameda Nothmann (Complexo Cultural Funarte SP) que não era nosso, isso aqui era do MEC. Até recentemente, isso era do MEC.
E – Quando você entra? Em que ano você entra?
M – 1987.
E – 1987…
M – Sou mandado embora em 1990.
E – Então, quando você entra, já é Ministério da Cultura, porque ele é de 1985.
S – Já. E já tinha o Arena (Teatro de Arena Eugênio Kusnet) também.
M – Já tinha o Arena. O Arena é de 1973. O Arena é um dos equipamentos mais antigos.
E – Não, o Arena na Funarte…
M – Sim, o Arena como propriedade do Ministério da Educação e Cultura. Ele é de 1973.
S – Por que compraram o Arena na época da ditadura?
M – Compraram o Arena, primeiro (porque) todos eles tiveram que sair do país, os “capos”, o Boal etc.
E – Os que eram do teatro?
M – Os que eram do teatro. O teatro ficou na mão do Arutin. Luis Carlos Arutin, ator do Teatro de Arena, que repassou o teatro para o Serviço Nacional de Teatro através do Ministério da Educação e Cultura.
E – Agora vamos voltar. Então, você é contratado através do INACEN, FUNDACEN, e é um dos profissionais de artes cênicas.
M – Hoje em dia, pode-se dizer que eu sou o único no Brasil inteiro.
E – Você continua com essa denominação?
M – Os outros estão todos aposentados ou morreram. Eu vou me aposentar em outubro.
E – Isso em torno de 1985.
M – 1987.
E – 1987. Aqui em São Paulo, vocês tinham um escritório, um lugar de trabalho?
M – O Teatro de Arena.
E – Era lá no Teatro de Arena? Sempre foi lá?
M – Sempre foi. Sede do INACEN, da FUNDACEN, do SNT.
E – Então, na verdade, o Arena só se incorpora à Funarte depois da recomposição do Ministério da Cultura. Até então, o pessoal de artes cênicas não fazia parte da Funarte.
M – É sempre bom pensar que, embora esta estrutura da Funarte tenha sido supostamente remontada nos governos subsequentes ao do Collor, ela nunca o foi de fato e até hoje se mantém funcionando muito mais pela força da inércia do que por ação efetiva ou vontade política. Tem episódios incríveis com relação ao Arena. Por exemplo, na época do Fernando Henrique, a gente começa a fazer aqui em São Paulo um movimento que nasce um pouco mesmo da gente, gente de teatro, gente daqui da Funarte, chamado Arte contra a Barbárie, que é uma coisa que faz parte da história, hoje. Porque isso pegou muito fogo e tal.
S – Foi o que deu no VAI?
M – No fomento, no VAI, no PROAC, tudo isso é filho disso. Mas a gente nunca pensou nisso. A gente pensou que era um movimento anti-lei Rouanet… No começo, os caras achavam “que lindo” e tal. Depois, aquilo começou a ganhar uma dimensão X, o Weffort era o ministro, o Márcio Souza, o romancista, era presidente da Funarte… E, aqui, o coordenador era chamado Px Silveira, que é um cara de Goiás.
(…) Isso inspirou a gente no Arte contra a Barbárie aqui em São Paulo. Você vê que é tudo lei. PROAC é lei, o Fomento é Lei, o Prêmio Zé Renato é Lei. Os técnicos da Funarte aqui em São Paulo foram fundamentais nestas conquistas. Porque o que a gente via aqui era isso. Agora do ponto de vista federal tudo é diferente. Aqui em São Paulo, levamos anos para conquistar editais de ocupação dos espaços da Funarte, com recursos financeiros. No primeiro momento em que não se teve recursos orçamentários, que foi no ano passado, ainda no governo Dilma, o que se fez? Lançou-se um edital sem um tostão, porque não existe obrigação de lei. A Funarte não existe sob este ponto de vista… Ela existe como área meio. Ela não tem, de fato, legislações que garantam programas, não tem. Ela não tem função. E outra: no governo Fernando Henrique, eles pegaram o Ministério, o Ministério era, até então, um Ministério eminentemente meio, e criaram essas secretarias, secretaria de fomento, secretaria de não sei o quê, secretaria de não sei o que lá, que ganharam um caráter finalístico e começaram a competir com as finalísticas.
E – Principalmente com a Funarte.
M – Principalmente com a Funarte, ou seja, eles esvaziaram todas as ações dessas finalísticas e elas passaram a ser só braço, só braço executivo. Então, não interessa que elas tenham programa, não interessa que elas existam, interessa que elas existam assim: “Bom, eu preciso terceirizar. Eu terceirizo por onde? Pelo Ministério, eu não posso. Então, faço uma licitação pela Funarte”. Entendeu?
E – Nessa perspectiva que você está falando, eu não sei se você sabe confirmar isso, mas me parece que, nas artes visuais, um desses prêmios é lei. É obrigatório.
M – Não sei te falar.
E – Eu acho que sim.
S – Acho que é o Marcantônio Vilaça (Prêmio de Artes Plásticas Marcantônio Vilaça)
E – Um deles eu acho que eles conseguiram que fosse lei. É só um.
S – Nem o Myriam Muniz é lei?
M – Não. Nada é lei.
E – É por isso que eles lutam para que exista um Prêmio Nacional de Teatro.
M – Exatamente. A reforma que a categoria propõe da negociação que fez com o Ministério propondo as reformas da Lei Rouanet
S – Que é o Plano Nacional de Cultura.
M – Que é o Plano Nacional de Cultura. Algumas propostas são intervenções da categoria, incluindo, por exemplo, no ProCultura a criação do Prêmio do Teatro Brasileiro que tramita no Congresso há anos. E a equiparação do fundo Nacional de Cultura, com recursos orçamentários aos recursos destinados à renúncia fiscal. Quer dizer, se eu tiver 3 bilhões para a renúncia fiscal, eu tenho que ter 3 bilhões para o fundo. E a blindagem do fundo para entidades governamentais, inclusive Funarte. Não pode pegar dinheiro do fundo. Vai pegar dinheiro do mecenato, mas do fundo não pode. O fundo é regido por edital… E aí entrava o Prêmio do Teatro Brasileiro, que seria administrado pela Funarte, como o fomento é administrado pela Secretaria da Cultura, mas não é necessariamente da Secretaria da Cultura, é da Sociedade Civil. Mas o órgão que é responsável por aquilo é esse. A Funarte seria o órgão responsável pelo Prêmio do Teatro Brasileiro. Só que isso não avançou.
E – Mas ele está no ProCultura, não está? Eu acho que ele está na proposta do ProCultura.
M – Está. É isso que eu estou falando. Ele está no congresso. Essas coisas todas estão no ProCultura, só que não andaram. Porque Brasilia é uma ilha e não há condições diárias e cotidianas para uma mobilização que consiga efetivar estas propostas.
E – Como vocês foram se organizando lá no Teatro de Arena, pensando já a partir dessa incorporação das artes cênicas na Funarte? Como ficava essa relação de vocês, que tinham uma independência enquanto era FUNDACEN, depois que vocês passam a ser servidores da Funarte? Com a administração regional, com o Rio de Janeiro, como essas pessoas, que vieram com essa história igual à sua, ficaram ali no Teatro de Arena, como isso vai se construindo? Qual era a relação que vocês tinham com a Nothmann (Complexo Cultural Funarte SP), seja pessoal, como artistas, seja como servidores?
M – Eu vejo dois momentos disso. O governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula e Dilma. No governo Fernando Henrique Cardoso, teve um momento muito legal, que foi o momento em que o Márcio Souza chamou o Carlos (Carlos Miranda) de volta, ele ainda estava vivo, para ser diretor administrativo, que é mais ou menos o cargo do Reinaldo (Reinaldo Veríssimo). Não era exatamente esse perfil, mas era parecido, uma coisa similar. Provavelmente, o executivo tem mais poder do que o administrativo. O Carlos trouxe de volta o Braga (Humberto Braga), na época. Acho que aconteceram duas coisas mais interessantes, por conta dessa memória ainda da FUNDACEN. Veja, isso já era Funarte. Depois o Carlos morre…
E – Dê um exemplo de coisas que você acha que foram positivas nesse momento.
M – A retomada de alguns programas parecidos com aqueles que tinha na FUNDACEN, como a retomada, tímida, do programa Mambembão, por exemplo, que era uma troca de espetáculos entre as várias regiões do Brasil. A retomada, com mais frequência, dos editais…
E – De fomento?
M – De fomento. Alguma coisa na área de publicação foi interessante. Isso é o que eu me lembro, da época do Márcio Souza. Ao mesmo tempo, estava tendo essa profunda reforma, que era patrocinada pelo Weffort e pelo Moisés, que é dessa estrutura. Então, acho que tinha muito choque. E, em um segundo momento, eu acho que é quando a Funarte entra no governo Lula. As diretorias, gente de teatro, sempre tiveram mais sentido coletivo. Foi o Grassi, foi o Celso Frateschi, foi o Sérgio Mamberti, foi o Grassi de novo e foi o Guti. No meio do caminho, no entanto, houve uma mudança de perfil da instituição e isso é ruim, e ainda no governo Lula. Do ponto de vista macro, eu acho que a visão, a leitura da cultura, transformou-se muito mais numa visão da cultura como cartão de visitas internacional, como economia de serviços, como indústria cultural.
E – Mas isso já na gestão do Gil (Gilberto Gil)?
M – Já na gestão do Gil. Eu acho que, na verdade, quem patrocina a indústria cultural é o Gil. Aliás, isso vem do tropicalismo.
S – É porque ele trouxe a história também da economia criativa…
M – Exatamente. E tudo bem. Eu acho que tem um pedaço que tem que ter uma inserção aí.
E – Ele tem uma visão mais antropológica da coisa.
M – Tem, também tem. Mas tem essa coisa que vai se esgarçando e que vai criando uma outra coisa…
E – Pensava-se em se conseguir parcerias internacionais, o que não se revelou verdadeiro.
M – Porque os parceiros internacionais são muito mais espertos para arrancar dinheiro do que para qualquer coisa. A origem, a natureza deles é de colonizadores, eles não deixaram de ser. Porque, na verdade, vêm para tirar de você e submetê-lo a um lugar subalterno… E continua sendo do mesmo jeito. Culturalmente, é óbvio que é do mesmo jeito. (…) Essa é a leitura disso aqui. A capital é Buenos Aires, e continua a ser.
E – Vamos voltar um pouquinho, Marco Antônio. Você falou na perspectiva da política cultural nacional, na perspectiva da relação da Funarte, dos seus programas, da política cultural, com relação ao Ministério. Mas e aqui, com esse espaço? Eu sei, você já disse que sempre ficou mais no Arena. Mas você tinha uma relação, alguma vez você participou das produções que eram realizadas aqui?
M – A gente sempre entendeu isso aqui, eu e o (Reinaldo) Maia, principalmente, e o (Roberto) Bicelli também, que também está aposentado… O que significa um teatro ou alguns equipamentos públicos de um órgão federal. Como ele se diferencia, por exemplo, de um outro órgão municipal ou de uma instituição que é pública, mas não é governamental, tipo SESC? O que a gente sempre tentou foi pensar isso como um equipamento nacional. Então, por exemplo, tem um programa, que nunca foi implementado, que transforma o Teatro de Arena em um núcleo latino-americano de teatro político. Isso significa várias coisas: significa encontros internacionais, significa um centro de dramaturgia latino-americana operado por lá, de forma informatizada, isso significa cursos de dramaturgia, porque a origem é a dramaturgia, do Teatro de Arena. Esse é um plano escrito por mim, pelo Maia, pelo Luis Alberto de Abreu, que foi contratado, na época, para fazer isso. Aqui, o Complexo Cultural da Nothmann (Complexo Cultural Funarte SP) que era para a gente aqui? Também é um programa. Existe uma dificuldade grande de você, por exemplo, ou sair da escola, ou tem um grupo no Mato Grosso e esse grupo fica muito sufocado pela limitação do espaço… Então, esse seria um espaço que funcionaria meio como um trampolim dessas coisas… Não é assim, só para o cara se mostrar aqui. Quer dizer, você tem trabalhos de qualidade que saem das escolas daqui ou do Rio… Tem um projeto, um projeto ligado ao conhecimento, ligado à difusão do conhecimento para a comunidade, e ligado à própria exibição teatral disso e à troca disso. Quer dizer, uma coisa que fosse um lugar de iniciação, que tivesse esse caráter. Também cercado por acontecimentos, seminários, localizados ou naquele trabalho daquele grupo ou numa percepção das necessidades de atuação crítica do poder público… Um fórum sobre cultura e mercadoria por exemplo. Na linha, inclusive, daquilo que a Funarte fazia com coordenação do Adauto Novaes: seminários incríveis, gerando publicações preciosas. Coisas que foram criadas aqui na Funarte. O TBC, por exemplo, a gente sempre pensou aquilo dentro da vocação dele, da natureza dele, como um teatro, digamos, burguês, no melhor sentido, da cultura burguesa, da dramaturgia internacional… Então, que tipo de trabalho pode ser feito ali? O que se identifica com aquilo? Por exemplo, o grupo Tapa tem uma identidade clara com este repertório. Então, talvez, fosse o caso de a gente pegar, patrocinar um trabalho com o grupo Tapa, não é um trabalho de teatro, pura e simplesmente, mas dentro dessa perspectiva dessa grande dramaturgia universal e brasileira, nesse contexto, da classe média, enfim, daquela vocação do teatro. Tentando fazer com que essas coisas falassem para o país, não propriamente para a cidade. Porque, para a cidade, não faz muito sentido. Quer dizer, faz sentido desde que eu pegue o Teatro de Arena e entregue para a Secretaria de Cultura. Aí passa a ser um equipamento municipal. Agora, se ele é um equipamento federal, qual é o diferencial disso? Aliás, qual é o diferencial de se chamar uma coisa: “Fundação Nacional de Artes”? O que significa isso, do ponto de vista filosófico mesmo? Muito além de ser um órgão de propaganda e divulgação do país.
Historicamente existem raízes genéticas bem diversas: O SNT teve situações antológicas: o Vianinha ganhar com o Rasga Coração o Prêmio de Dramaturgia e o próprio governo proibir a peça. Ou seja, existe uma tensão aí. Um órgão desses, de cultura, é um órgão de tensão, não é um órgão de “publicitação”, de divulgação, é um órgão de tensão. Se o governo entende isso, ótimo… Foi um pouco isso que o Arte contra a Barbárie encarou.
E – Na verdade, eu acho que, quando esse movimento de grupo surge ou vai crescendo, se desenvolvendo, você já não tem mais comercialmente o teatro de empresários.
M – Não, você tem o teatro de empresários, mas é muito ruim. Você não tem uma coisa como Victor Garcia, patrocinado pela Ruth Escobar, ou companhias teatrais como a CER do Fagundes, ou as companhias do Paulo Autran, os espetáculos dirigidos por gente como Flávio Rangel, Gianni Ratto e etc. Você não tem uma coisa que tem uma vitalidade, ou mesmo uma coisa burguesa de bom gosto.
E – Isso é fruto dos anos de ditadura, quando a cultura foi solapada. Acho que foi o setor da sociedade que mais sofreu. Aí, você não tinha produto, as pessoas não iam mais ao teatro.
M – Mas acho que, de todo jeito, esse movimento resgatou um modo de produção que também estava difícil de se estabelecer, um modo mais coletivo de produção. Nesse sentido, ele ganhou muito espaço. O resumo da ópera acho que é esse. Acho que a Funarte teve um papel, sim, importante aqui em São Paulo com esses técnicos. Eles fizeram muitas coisas. A favor do estado e não necessariamente dos governos. Todo esse arcabouço de coisas nasceu aqui, sem dúvida… As coisas boas que tem.
E – Mas o Arte contra a Barbárie ocupou a Funarte, não teve uma ocupação?
M – A gente fazia reunião lá.
E – Não… Não teve um dos movimentos de ocupação?
M – Não… Movimento de ocupação aqui, a gente sempre foi contra. Eu, o Maia… Sempre fomos contra. Por quê? Porque defende uma outra coisa.
E – Mas você vê nas fotos… Tem uma faixa.
M – Eles tentaram resgatar uma coisa do Arte contra a Barbárie, mas aquilo não é Arte contra a Barbárie, tentaram pegar a grife do Arte contra a Barbárie. Não é o mesmo movimento, não são os mesmos princípios (…) Inclusive, o meu choque e o choque do Maia, que ainda era vivo, era esse com eles. Mesmo na segunda ocupação aqui, em que o meu choque foi maior ainda com eles… E é tudo amigo meu… Eles defendem um princípio que é assim: “Somos trabalhadores da cultura”. Primeiro, é uma coisa que o Arte contra a Barbárie já discutia. Trabalhador significa assalariado, significa outro tipo de relação. Se você se declara como trabalhador, esse contexto do artista já fica um pouco descaracterizado. Depois o do trabalhador… Qualquer um que faça arte, isso é um dos princípios dessa coisa que existe até hoje, da ocupação inclusive: “Qualquer ‘nego’ que faça arte deve ser financiado pelo Estado”. A gente não acha isso. A gente entende que financiamento público é de interesse público. Qual é o interesse público que existe naquilo? Como isso vai ser aferido? Tem as suas regras… Editais, comissões públicas etc. O acesso tem que ser universal e garantido a todos, que é a minha discussão com o jeito que ficou esse negócio. Agora, nós não podemos igualar tudo. Não é possível. A gente pode discutir os parâmetros.
E – Todos terem a mesma oportunidade…
M – Claro que sim. Mas há questões aí, conceitos anteriores, que são conceitos discutidos de forma muito subterrânea ainda… Por exemplo: isto é um ofício ou não é? Isto é uma profissão ou não é? O ator, o diretor… É uma profissão ou não é? Essa é uma questão. Se eu assumo isso como profissão… Do ponto de vista da legislação, é uma profissão. É regulamentada, é obrigatório ter curso, tem que ter registro. Qual é de fato o significado social dessa função? Por quê? Porque eu reconheço o significado social do médico. Eu reconheço o de um engenheiro, de um pedreiro, de um lixeiro. Qual o significado social disso? Porque, se não tem significado social nenhum, também não é profissão. Aí pode ser qualquer coisa. Qualquer um pode fazer… Mas aí o Estado tem que bancar por quê? Percebe? É um beco sem saída. Se isso tem um significado social, isso tem uma responsabilidade ética e social. Portanto, isso vai se pautar por algumas regras do jogo a serem definidas até pelo status e pelo contrato social vigente. Senão, qualquer um é artista. E isso é a origem de muita disputa que está aqui.
E – Aqui, que você diz, é nesta ocupação?
M – Digo nas atuais disputas do povo de arte e teatro.
E – O que não faz sentido…
M – Pode até fazer, mas precisa ver o que você quer como Estado e como sociedade. Eu não quero isso, eu não acho legal. Para mim, isso não é revolucionário coisa nenhuma… Mas é um pouco isso. Essa é a discussão. De algum jeito, a Funarte, de forma subterrânea, sempre entrou nessas coisas através desses caras aí, desses técnicos… Nunca se omitiu desses negócios. Aqui sempre se teve critério público. Com muito rigor. Em todo o meu tempo aqui, eu nunca vi ninguém sacanear, eu nunca vi ninguém traficar influência, nunca vi nada disso… A gente sempre teve uma ética muito clara, muito precisa.
S – Mesmo no Cena Aberta (Regulamento Cena Aberta Funarte 2016 – São Paulo), que não tem verba, teve uma seleção.
M – Teve uma seleção, uma discussão…
S – E é comum dizer que não, que o espaço estava abandonado, que estava às moscas…
M – É preciso esclarecer que o tempo em que os espaços permanecem fechados, deve-se a alguma questão jurídica, alguma pendencia de edital que esteja sendo resolvida pelo jurídico da Funarte. Entre um edital e outro, às vezes os espaços permanecem fechados por dois meses. São questões que não dizem respeito senão a pendencias desta ordem.
E – Tem bastante procura… Mais alguma coisa? Tem um monte de coisas, eu ficaria o dia inteiro aqui, conversando.
S – (Sobre) a reforma dos galpões… A de 2004…
E – E a do próprio teatro…
S – A do Teatro de Arena também…
M: As reformas foram necessárias. À época, o presidente da Funarte era o Celso Frateschi, um sujeito muito sério e determinado. Levou as reformas à frente com todos os problemas que ocorreram de dissenso entre as empresas licitadas e a engenharia da Funarte.
E – Mas era necessária uma reforma.
M – Ah, era. Não tinha jeito. E acho que, hoje em dia, já está precisando de outra. Isso aqui, chovia um pouco e alagava esse negócio todo. Os próprios galpões não eram adequados para teatro.
E – Você já falou, de uma certa forma, que você já olhou mais numa perspectiva política da atuação dos indivíduos que compuseram a Funarte nesses anos. Mas, em termos de um complexo cultural, qual você acha que tem sido ou foi ou é hoje a importância da Funarte para São Paulo e para o Brasil? Da Funarte São Paulo…
M – Daqui do Complexo, você está falando?
E – Da Funarte São Paulo. Pensando São Paulo…
M – Eu acho que ela tem algum significado quando ela tem esses editais de ocupação e esses editais de ocupação com recurso e tal. Então, o problema da criação é basicamente tempo e recurso. Se a gente não tem recurso, a gente tem que dar o tempo. Então, São Paulo propôs uma política de ocupação do Arena de dois para seis meses. Ainda não existia o Complexo da Nothmann (Complexo Cultural Funarte SP). Eram dois meses só. (Passou para) seis meses, depois a gente avançou um pouco mais. Depois, a gente avançou de seis (meses) para uma renovação para até um ano.
E – Mas a ideia era para atender companhias de teatro?
M – Para atender coletivos de teatro, para recriar aquilo que tinha sido abortado pela ditadura. Isso aí é 89, 88, por aí. Isso vinga, vinga até pouco tempo atrás, até o penúltimo edital. Agora que voltou a política: dois dias, três dias, dez dias, o que não dá certo, do ponto de vista do espaço. Qual o significado disso? Alguns grupos surgiram aí, algumas companhias que têm vinte ou trinta anos, tipo Latão, tipo Bartolomeu. A partir de um modelo de ocupação mais longo.
E – É porque era um espaço que eles passaram a ter ali para desenvolver sua pesquisa de linguagem.
S – Mas é mais ou menos o que os grupos estão fazendo agora com os galpões de ensaio. A política de ocupação mudou, mas os ensaios continuam assim. A gente está conseguindo atender muito mais gente do que antes.
M – Sim, mas de qualquer jeito, a política de ocupação diz respeito a uma experiência com o público, uma série de coisas, não é só o cara ficar engavetado lá dentro. É uma troca, uma socialização de coisas. Qual é o interesse disso? Por exemplo, tem um projeto que a Cibele fez de 50 anos do Arena, que foi um trabalho incrível, que repercute até hoje. Isso faz dez anos.
E – Mas atendia mais os grupos de São Paulo ou nacional?
M – Mais os grupos de São Paulo, até porque os grupos de fora não tinham perna para ficar tanto tempo aqui. É o que eu disse. A gente nunca conseguiu, do ponto de vista de uma vocação nacional, transformar isso naquilo que deveria ser, naquilo que a gente entende que deveria ser. Nunca foi. Continua a ser local. O que a gente deu foi uma identidade, porque essas coisas da ocupação viraram um modelo de ocupação. Depois a prefeitura, nos CEUs, assumiu isso, com os teatros distritais, mas isso é único em São Paulo até hoje. Tem trinta anos essa política de ocupação. Depois, o Rio assumiu um pouco isso. Hoje em dia, não sei como está. Por quê? Porque o democratismo leva a quê? A falar assim: “Tenho 400 grupos em São Paulo, como eu dou seis meses para um grupo?” Só que, do ponto de vista da arte, você está apostando na excelência, você está apostando em estruturas permanentes, você está apostando contra o tempo. Não adianta atender 20 grupos num ano que não vai acontecer coisa nenhuma. Isso eles vão procurar em outro lugar. O problema da gente não é este. O problema da gente é criar um caldo de cultura, que repercuta.
E – Eu não sei qual é minha posição, de fato. Mas eu fico pensando na experiência que eu tenho, por exemplo, com o Nós do Morro. Muitas vezes, você consegue ter um espetáculo, consegue financiamento através da Lei Rouanet ou patrocínio… Eles têm a sede, eles têm onde fazer pesquisa de linguagem e construir espetáculo. O máximo que você consegue… No Rio de Janeiro, tem muito menos teatro, seja privado ou público, muito menos do que em São Paulo. Você consegue garantir de um a dois meses de temporada num teatro do circuito e, depois, você não consegue, porque não tem dinheiro para pagar teatro privado. O máximo que você consegue é ir para alguns dos teatros da prefeitura, que o povo se estapeia para conseguir uma vaga. Então, há uma falta de espaço público para os grupos se apresentarem. Eu acho que, um pouco, é essa a ideia desse Cena Aberta. Eu fico em dúvida…
M – Sabe o que acontece? Isso já tem aqui. Já tem o SESC, já tem os teatros distritais da prefeitura… Você pode falar: “Isso é em número insuficiente”. Agora, quem é que fez esse trabalho de criar estruturas, de ajudar a parir essas estruturas que têm 20 anos, que têm 15 anos? Foi o SESC? Foram esses teatros? Não… Fomos nós. Isso não existiria. Se você não criasse condições de o cara ficar lá seis meses, enfiado lá dentro… “Ah, hoje em dia, os grupos têm sede”. Alguns grupos têm sede… Isso é uma tendência que vai diminuindo. Então, a gente plantou uma ideia. Hoje em dia, não sei. O que eu acho que não é mesmo, é essa política… Eu acho que você pode pegar e destinar um ou dois espaços, alugar mais dois e tal. Isso não adianta nada. Adianta se você falar assim, se fizer como a gente fazia: Mambembão. Então, vamos fazer uma mostra nacional. Você traz o cara do Acre, não sei de onde… Faz uma Mostra Nacional. É outra coisa.
Agora, uma política de ocupação com cessão de espaço por pouquíssimo tempo, não entendo a função disso. Não entendo mesmo. E outra: isso já é feito por várias instituições. A compressão da temporada. Cada vez menos, cada vez menos tempo, cada vez menos… Cada vez é mais evento. A gente apostou na ideia de ir contra o evento. Todas essas coisas da Lei Rouanet… Show em São Paulo, ou mesmo peça de teatro, onde os caras fazem? Vão fazer em um teatro de 1500 lugares, para fazer seis sessões. Antigamente, o cara fazia seis meses. Qual a diferença disso? Aumenta a oportunidade para as pessoas verem, aumenta a oportunidade de aquilo ser exercitado, faz parte do calendário cotidiano da cidade. Pode ser que isso seja, absolutamente, uma coisa anacrônica, arqueológica… Mas, enfim, existem outras tendências. Do ponto de vista do teatro do mundo, o que você continua a ver são estruturas permanentes. Então, eu posso ter um repertório, se subir da Alemanha para cima, aquilo é um teatro de repertório. Uma companhia tem dez espetáculos em cartaz. Então, ela vai fazer uma apresentação, sei lá, do espetáculo Inspetor Geral, vai apresentar durante o mês de julho, vai ter quatro apresentações. Em agosto, vai ter três. Mas aquilo vai ficar dez anos ali. Ele vai incorporar outra coisa, enfim. É bom ou ruim? Não sei. Não sei se é bom ou ruim, mas existe uma cultura.
E – E a perspectiva é outra. A demanda lá é muito menor do que a daqui.
M – Demanda do quê?
E – É, porque aqui tudo é muito maior. A gente tem muito mais gente fazendo, a gente tem uma população muito maior, um país muito maior… A demanda de uma instituição nacional é muito mais pesada no Brasil do que se você pegar a Alemanha, a Inglaterra.
M – Não tenho dúvida de que é… É e não é, porque também a quantidade de recursos que tem lá, perto da quantidade de recursos que tem aqui…
E – Piora a nossa situação.
M – Nossa! É ridícula. Nossa situação é ridícula com relação a Portugal, por exemplo, que não é, nem por sombra, o primeiro mundo da Europa.
E – Além de a demanda aqui ser maior, a possibilidade de financiamento deve ser um milionésimo do que eles têm.
M – Em crise…
E – Então, quer dizer, é muito mais difícil…
M – O problema é esse. Acho que, na verdade, cultura aqui acaba representando sempre o quê? Parece que é fomento artístico. Não é. Cultura é pensamento, cultura é outra coisa. Cultura é pensamento crítico e uma ideia que se projeta no futuro e que se persegue cotidianamente.