Legados de Lulu Librandi
No final de 1977, um escritório da Funarte foi instalado em São Paulo, em uma das salas da então Delegacia do Ministério da Educação e Cultura (MEC), situada à Rua General Júlio Marcondes Salgado. Lulu Librandi, que já participava do Projeto Pixinguinha, foi nomeada Representante Regional. Assista ao vídeo Lulu Funarte São Paulo Librandi, que conta um pouco da história dessa gestora e dos primeiros anos da Funarte SP.
Vídeo ‘Lulu Funarte São Paulo Librandi’, 2017.
29 de março de 1978 |
O espetáculo Rezas de Sol para a missa do vaqueiro, de Janduhi Finizola, com direção de Renato Borghi inaugura o Teatro MEC – Funarte, um auditório de 250 lugares adaptado ao galpão central das instalações usadas como oficina pelos alunos da antiga Escola de Aprendizes Artífices. |
O Auditório MEC-Funarte nasceu como uma alternativa para grupos de teatro experimental ou de estudantes que não conseguiam arcar com os altos custos de aluguel dos espaços privados. Por isso, o auditório recebia artistas já consagrados e também aqueles em início de carreira, que não encontravam espaço para mostrar seus trabalhos nos circuitos tradicionais. O espaço também era usado para apresentações musicais e exibição de filmes.
Nas décadas de 1970 e 1980, o Brasil começava o processo de abertura política, após a ditadura militar. A cena teatral de São Paulo era dominada por grandes empresários. Mas as companhias de teatro alternativo já se desenvolviam na cidade. Os artistas também buscavam se articular politicamente para discutir questões relativas à profissionalização do setor, à formação de público e ao financiamento das artes no país, principalmente por meio de parcerias com o setor privado. O Auditório MEC-Funarte foi palco de muitos desses debates.
6 de março de 1979 | Morreu a pianista Guiomar Novaes. |
15 de maio de 1979 | Em homenagem à pianista, o Auditório MEC-Funarte passou a se chamar Sala Guiomar Novaes. Jacques Klein inaugurou o espaço. |
Eu fui para a FUNARTE em 79, quando da inauguração da Sala Guiomar Novaes. A Maria Luiza Librandi era Coordenadora, nomeada pelo (Roberto) Parreira. Estava precisando de trabalho, liguei para ela, que me respondeu: “Estou precisando de alguém para administrar o espaço”, e eu fui para lá. E, de fato, eu acho que foi o melhor trabalho que fiz na minha vida. Fiquei 16 anos na Funarte… Momentos muito bons, outros terríveis. Éramos uma equipe bem reduzida (…). Assim que eu cheguei eram só duas pessoas. Era a Lulu e a Telma Monteiro, secretária pessoal dela. E, logo depois, a Lulu contratou um casal: o Paulo Roberto, que era o nosso porteiro, elegantérimo, e a Marta, na época, mulher dele, que era a nossa bilheteira. Ela está lá até hoje. Eu não lembro quando o Bicelli foi pra lá. (Trecho de entrevista concedida por Myrian Christofani a Ester Moreira e Sharine Melo em 04/08/2016).
(A Sala Guiomar Novaes) tinha tudo, palco italiano, forro de madeira, uma preciosidade. Garagem de piano, alçapão no meio, com duas saídas para dentro do camarim, uma de cada lado, profissional, escadas embaixo, guardadas. (Trecho de entrevista concedida por Gyorgy Forrai a Ester Moreira e Sharine Melo em 26/067/2016).
A Funarte SP, a sala Guiomar Novaes era muito conhecida e as pessoas iam muito, porque a programação era muito boa. O que a gente fazia? A gente soltava editais, as pessoas se inscreviam e tinha um grupo que selecionava entre os inscritos. Para vocês terem uma ideia, era assim: o Pipoca, da TV Cultura; o Antonio Carlos Rebesco, que é professor da FAAP, não sei se até hoje; o Chico de Assis; o Armando Aflalo, crítico de música; o Zuza Homem de Mello, então, a gente pegava todos os materiais, nos fechávamos em algum lugar dois, três dias. Eles ouviam absolutamente tudo, selecionavam as pessoas que poderiam fazer e aí eu montava a grade. (…) Na época do Projeto Musical Funarte, tinha um diretor da TV Cultura, um grande amigo, Carlos Queiroz Telles. Eu fui com a Lulu até ele e começamos esse projeto musical Funarte, em parceria com a TV Cultura, os músicos todos gostavam, mesmo sem receber cachê, porque era uma forma de divulgar o trabalho deles pelo Brasil. Ainda no Youtube vocês conseguem ver alguma coisa. (…) Os grupos não ficavam só um final de semana. Eram espetáculos de duas semanas, de quinta a domingo. Era a primeira semana pra já fazer o boca a boca e, depois, lotar na segunda semana. E do Rio vieram vários projetos: As Novas Cantoras do Rádio… Então, quem eram as novas cantoras do rádio, isso em 80? Ângela Rô Rô, Zizi Possi, Sueli Costa, Rosinha de Valença… O Maestro Radamés Gnatalli esteve várias vezes tocando na Sala Guiomar Novaes, com Raphael Rabello. (Trecho de entrevista concedida por Myrian Christofani a Ester Moreira e Sharine Melo em 04/08/2016).
No final da década de 1970 e durante toda a década de 1980, a Sala Guiomar Novaes foi um palco importante tanto para o movimento musical alternativo de São Paulo quanto para apresentações de música erudita. Também se apresentaram no local músicos como Nana e Dori Caymmi, Luís Melodia, além de grupos como Demônios da Garoa.
Ela funcionava para música popular, música erudita – com menos frequência – e alguns espetáculos de teatro; e o Hermínio também trouxe um projeto para cá que chamava… Era um encontro de compositor e letrista. E outra coisa que aconteceu, antigamente, na rua das Palmeiras: tinha a Rádio Globo se não me engano, e tinha um programa que chamava Balancê, o Osmar Santos era o locutor, e era um programa que todo mundo fazia. Tinha muito Balancê, muito Show da Manhã na Jovem Pan, todo mundo ouvia. Eu sempre gostei muito de trabalhar com rádio, e rádio todo mundo escuta. Então a gente ia mesmo para as rádios. E nessa época eu conheci o Goulart de Andrade, que estava fazendo um programa que se chamava Perdidos na Noite, gravando num espaço na Rua Apa que era um teatrinho, menor ainda que a Sala Guiomar Novaes – eu não lembro o nome daquele teatrinho –, e a gente fez amizade. A produtora era a Lucimara Parisi, e um belo dia eles foram pedir para fazer as gravações do Perdidos na Noite na Sala Guiomar Novaes, e fizeram por um tempo. Pouco tempo, porque o dia em que foi a Gretchen, que na época estava aquele sucesso do bumbum, quase quebraram tudo, todo mundo queria invadir, o Fausto Silva era o apresentador; então eles viram que o espaço também era muito pequenininho e foram para o Teatro Zaccaro. (Trecho de entrevista concedida por Myrian Christofani a Ester Moreira e Sharine Melo em 04/08/2016).
A programação da Funarte SP era montada por curadoria ou por chamada de projetos. Os artistas enviavam propostas que eram analisadas por profissionais de notório saber.
23 de janeiro de 1984 |
Roberto Bicelli foi contratado por Lulu Librandi para montar uma galeria de arte e fotografia na Funarte SP. |
Com um total de 1240 m², no final dos anos 1980, o Espaço Funarte ocupava os quatro primeiros galpões das edificações então pertencentes à Delegacia do MEC em São Paulo. Com entrada pela Alameda Nothmann, havia uma ala administrativa, a Galeria de Arte Mario Schenberg, uma galeria de fotografia, a Sala Guiomar Novaes (com 159 lugares), uma cantina, uma sala de montagem de exposições e toilettes. Esses espaços foram sendo conquistados ao longo dos anos – e a convivência nem sempre era pacífica. Os galpões usados para trabalhos burocráticos do MEC aos poucos foram ocupados com atividades artísticas e culturais.
Era teatro, era música… Na época, tinha a sala Guiomar Novaes, uma lojinha. O galpão do meio, onde hoje tem um bar, era uma lojinha, super bonitinha. E a Funarte tinha publicações infinitas. Vinha gente… Livros, temas, partituras, discos, fotografias (…) Vinha tudo para São Paulo para vender. (Também) fazia audições, regravações… Eu até tenho alguma coisa desses LPs em casa. Isso durou alguns anos (…). Tinha um pé direito altíssimo, portas imensas para entrar caminhão, duas portas de madeira maciça. Tinha um forro em um desses galpões, um forro de ferro pequeno, uma miniatura, mas funcionava, que era para os alunos… Eu tenho algumas fotos. (…) Na Alameda Nothmann, o primeiro galpão, no começo não era nosso. Nessa época era forte aquele registro de diploma de professor, do MEC (Ministério de Educação e Cultura). Então, as ruas ficavam cercadas de carros de prefeitura, que vinham trazer professora, pegar documento de diretora… Parecia a Santa Casa. Vinha gente do Estado inteiro (…). Três galpões daqui eram para essa burocracia. E o primeiro também era para essa burocracia. Esses galpões tinham um teto rebaixado… Isso deve ter sido uma coisa da época da ditadura… Em tudo que era federal havia um padrão (…) Aquele metálico, um negócio fluorescente, em cima uma mantinha preta isolante… Um vazio no galpão… Tinha um negócio de aço pendurado nas vigas… Tudo o que era expediente tinha que ser uma coisa opressiva, baixinha, um horror. (Trecho de entrevista concedida por Gyorgy Forrai a Ester Moreira e Sharine Melo em 26/067/2016).
A convivência entre o Ministério da Educação e a Funarte nem sempre era pacífica. Foi preciso um grande esforço dos funcionários para que a burocracia abrisse espaços para a arte.
A Funarte ocupava o galpão que dá para o estacionamento (pátio), onde hoje é a entrada, o galpão principal. Ali era a Guiomar Novaes. (…) No centro. A saída de emergência da Guiomar Novaes dava aqui para o estacionamento. E não podia sair e ficar andando no MEC. Eles não queriam. Era emergência mesmo. O outro galpão, que era onde está a galeria agora (Flávio de Carvalho). Ali era onde ficava a Funarte. (…) O escritório e um andarzinho em cima. Você subia e lá dentro tinha mais duas salinhas. Embaixo, ficava o registro. Tinha um cantinho em cima que, na época, era a CONCINE. (…) Embaixo, (ficava) a Biblioteca Nacional, um corredorzinho no cantinho do galpão, dividindo… E ali, no cantinho, tinha o escritório da Funarte e um banheiro… (Trecho de entrevista concedida por Gyorgy Forrai a Ester Moreira e Sharine Melo em 26/067/2016).
Aí, essa convivência não era tão pacífica. Lá no começo, que eu nem presenciei, que foi em 75, por aí, pode ter sido um pouco pacífica, mas depois, às vezes tinha uns arranca-rabos aqui que não eram brincadeira, eles queriam fazer o muro de Berlim. A Lulu uma vez quis sair pelo portão de trás, da Rua Apa, e o guarda disse que a Delegada do MEC – e o marido era militar, juiz, sei lá o que era – tinha dito que não podia sair por ali, que a Funarte era do pátio para cá… Aí, a Lulu pegou o carro dela e meteu no portão. Não teve dúvida… E falou: “Liga para ela…” (Trecho de entrevista concedida por Roberto Bicelli a Ester Moreira e Sharine Melo em 01/08/2016).
15 de maio de 1985
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O decreto-lei nº 91.144 de 15 de março de 1985 (artigo II) criou o Ministério da Cultura e transferiu a ele todos os materiais, equipamentos, documentos e instalações da Funarte e dos demais órgãos e entidades (Conselho Federal de Cultura – CFC, Conselho Nacional de Direito Autoral – CNDA, Conselho Nacional de Cinema – CONCINE, Secretaria da Cultura, Empresa Brasileira de Filmes – Embrafilmes, Fundação Nacional Pró-Memória, Fundação Casa de Rui Barbosa e Fundação Joaquim Nabuco). |
1985 | Lulu Librandi foi nomeada Diretora Executiva da Funarte. A representação regional da Funarte SP ficou a cargo de Myrian Christofani, Walter Moraes Martins e Roberto Bicelli. |
1986 | Lulu Librandi foi convidada a ser Secretária Internacional do Ministério da Cultura na gestão de Celso Furtado. |
16 de maio de 1986 | Marcello Nitsche assumiu a coordenação da Funarte em São Paulo. |