Isaura Botelho
Entrevista concedida a Ester Moreira e Sharine Melo, na casa de Isaura Botelho
São Paulo, 19 de outubro de 2016.
Ester – Nós achamos muito importante falar com você, porque você tem uma importante experiência vivida na Funarte, ainda que por mais tempo na Funarte Rio, e já tem uma obra publicada sobre isso – e nós queríamos pegar um pouco a perspectiva, que foi o que fizemos com o Presidente, o Humberto Braga (presidente da Funarte em 2016) desse olhar da sede para a formação e desenvolvimento dos espaços da Funarte fora do Rio de Janeiro.
Isaura Botelho – Eu entrei para a Funarte em 1978 e já existia a Representação de São Paulo que, me parece, era uma decisão do Roberto Parreira para, obviamente, ter um pé na maior cidade do país. Roberto sempre teve uma sensibilidade política muito grande. Vocês falaram com ele? . Ele é o “arquiteto” da Funarte. É a pessoa que vem do PAC – Programa de Ação Cultural, que é o que origina a Funarte e todas essas decisões foram dele. Ele cria, por exemplo, a Representação do Paraná, porque o Ministro Ney Braga é do Paraná. Na verdade, essas representações sempre tiveram um caráter político. (…) Agora, no caso da Funarte São Paulo eu computo a importância da Funarte São Paulo à Maria Luiza Librandi. É a personalidade Lulu Librandi que faz da Funarte São Paulo um lugar que chamou a atenção, que teve um papel importante na vida cultural local. A ligação dela com a rede de produção de teatro, de música… Então, com isso ela abre a (Sala) Guiomar Novaes – não sei se vocês chegaram a conhecê-la.
Ester e Sharine – Não.
IB – Ela era de personalidade muito forte. Se tinha um projeto ela ia em frente que atrás vinha gente… A Guiomar Novaes lançou muita gente – vocês devem ter todo esse registro e isso é uma coisa muito especial em uma cidade onde o (nível) federal é muito pouco presente, insignificante, o que vale é o estadual e o municipal. E isso é até hoje. Então, eu, por exemplo, me pergunto… Eu tenho posições em relação a todos os espaços, mesmo os teatros – Humberto (Braga, presidente da Funarte no momento em que foi realizada a entrevista) arrepiaria ouvindo eu falar isso… –, eu acho que você gerir os espaços demanda um custo e um tipo de expertise que mistura as coisas. Eu sou a favor de cedê-los, com critérios – igual estão fazendo com as OSs… Ou que seja um edital, selecionar grupos ou instituições que não tenham espaço etc. Eu, quando vim para cá (SP), eu já venho para uma Funarte “acabada”. A minha experiência aqui foi uma experiência altamente melancólica em que – eu diria – a nossa função era conseguir manter o moral relativamente alto. Nem era alto. Era manter o moral.
E – Eu tenho uma dúvida. Você vem quando era o IBAC, pós-extinção do Ministério pelo Collor. Você vem para cá logo depois?
IB – Quando eu vim para cá ainda era o Dr. Ewaldo Lima (Presidente da Funarte entre 1985 e 1989) – pai da cantora Marina –, que era muito amigo do Celso Furtado. Eu saindo do Ministério, com a volta do Zé Aparecido, uma pessoa de quem eu nunca fui fã – não entendo os encantamentos… –, eu tinha resolvido continuar a minha vida em São Paulo. Eu vim para cá e fui cedida para a Cinemateca Brasileira, ainda no período do Celso Furtado. Eu já estava em São Paulo e, quando eu venho para a Funarte, de fato, era o Dr. Ewaldo, que era uma pessoa muito discreta. Me lembro de a Laura (Ferraz, substituta de Isaura) falar que foi o dirigente que melhor compreendeu o papel da Assessoria Técnica. Ele achava que toda instituição deveria ter esse filtro, exatamente para organizá-la politicamente. Foi isso. Depois, Mário Machado assumiu o IBAC – ele também havia sido Diretor Executivo da Funarte –, que foi outro que assumiu meio nos termos em que o Humberto assumiu a Funarte agora.
(…) Como nós sempre fomos muito ligados, ele me chama para coordenar o escritório aqui. Uma coisa que eu falo sempre com certo pudor, porque não era isso… Você não tinha nem papel higiênico, era falência total. Eu não tenho perfil de produtora, não tenho mesmo. O que era a Funarte SP que eu conhecia? Era uma instituição cultural para fora, combativa, não é? Hoje, eu acho que o espaço não tem mais o mesmo papel. Ele é enorme hoje – naquele momento era pequeno, e realmente tinha um papel na cidade. Mas a própria evolução da sociedade fez com que outros espaços acontecessem e assumissem um protagonismo que foi da Funarte naquele momento. Eu acho uma pena a Lulu ter morrido porque seria uma pessoa muito rica para contar sobre a Funarte. A Lulu tinha um lado iconoclasta muito engraçado. Não sei se vocês sabem que o Faustão gravava o programa dele lá. Ela não tinha preconceitos, sabe? E isso tornou aquele espaço um espaço importante.
E – Quando você veio ainda tinha o MEC ali, não é?
IB – Tinha o MEC, uma Delegacia do MEC, a Biblioteca Nacional e a Funarte. Mas o que eu acho que posso contribuir, com esse olhar de fora que vocês mencionaram, é (mostrando) como víamos as representações. E nós na ATEC (Assessoria Técnica) até buscávamos um sentido para as representações.
E – Uma pergunta – que foi uma coisa que na fala do Humberto me chamou a atenção. O que a gente sabe é que o Roberto Parreira, com o sucesso que a Lulu consegue com a produção do Pixinguinha na região Sul, a convida para abrir um escritório da Funarte e produzir o auditório que havia ali. Ou seja, ainda não tinha esse conceito de “representação”, não é?
IB – Era exatamente o papel da Lulu: produzir.
E – E nós gostaríamos de entender quando é que surge esse conceito de representação.
IB – Nós usávamos o termo escritório, não usávamos representação. Lulu botava a boca no trombone, reclamando, quando vínhamos tratar de alguma coisa da Funarte que não havia passado por ela. E fomos nós da ATEC que começamos essa dinâmica de tentar envolver os escritórios naquilo que a Funarte apoiava em cada estado. E havia, como há até hoje, o… Vamos chamar de mito, por não achar uma palavra mais adequada: porque São Paulo tem a maior cidade do País e a menor, que é Borá, no sul do estado, onde tem 830 habitantes, assim como tem as maiores riquezas e as maiores pobrezas; mas, não sei se é porque aqui tem esse olhar arrogante em relação ao federal que costuma-se dizer que São Paulo não precisa dos órgãos federais. Então, no Planejamento, ações em São Paulo eram sempre não privilegiadas. E nós tínhamos uma demanda do Nordeste enorme – aliás, quem sabe pedir é o Nordeste –, do Sul também tínhamos uma coisa muito forte na área de música, né? Por conta das matrizes culturais, às vezes uma cidade pequena tinha 3 ou 4 corais. E, para nós, eu acho que era quase uma pedra no sapato. E, na verdade, a pedra era a Lulu e era porque ela chegava chegando. Roberto gostava muito dela, mas era isso: quer dizer, não se via como uma… A gente defendia que os escritórios deveriam participar das discussões da política da instituição. Mas aí, quando tinha uma reunião com ela, tinha sempre algo que estava acontecendo, aí um não podia, o outro não podia. Era quase forçar uma coisa que não era natural, nem para os escritórios, e nós lá tentando costurar, o que eu acho que a gente fez, naquele período principalmente. E quem encaminhou isso de uma forma muito legal foi Mário Machado, que terminou ficando grande amigo de Roberto. Mário tem um respeito enorme por Roberto Parreira e eu também. Quando eu lancei o livro, ele estava na mesa e falou que não concordava com um monte de coisas que eu falei – claro, o cara está lá na história – e eu disse: “Olha, Roberto, cada dia que passa eu tenho mais admiração por você”. Ele ficou emocionado. Porque não é fácil você botar uma instituição de pé – e ele tinha apenas 32 anos de idade. O que ele tinha era apoio irrestrito, porque sempre foi ligado ao PFL, muito próximo do Ministro Ney Braga, do (então presidente da República, Ernesto) Geisel. É nessa (fase) que (entra) a Amália Lucy – aliás, foi uma colega de trabalho das mais respeitadas.
E – Ela era do Museu do Folclore.
IB – É, ela era do Instituto Nacional do Folclore. Aquele jeito de alemãzona, né? Na época em que o pai era presidente ela ia trabalhar com seguranças, essa coisa toda, mas foi uma pessoa que jamais usou de prerrogativas, sempre muito atenta a quem fosse puxa-saco. Mas é isso, o escritório de São Paulo era muito mais autônomo do que seria se não fosse a Lulu.
E – Primeiro tem a relação da Lulu com o Roberto Parreira, mas ela continua depois que ele sai, né? E ela consegue manter a atividade.
IB – Sim, sim. Aí a gente inventa. Botamos na cabeça da Lulu de ela brigar pela Direção Executiva da Funarte.
E – O cargo de Direção Executiva era mais importante do que o de presidente, não é?
IB – Presidência era, até então, um cargo criado para o José Cândido de Carvalho (1975 – 1981), que era uma simpatia de pessoa. E aí o José Aparecido convida o Ziraldo, que resolve ser presidente, só que nos estatutos o presidente era uma rainha da Inglaterra. (…)
E – Você tem uma experiência grande no MinC. Você tem essa percepção mesmo em relação ao IPHAN, à Biblioteca Nacional, Casa de Rui Barbosa? Ou seja, em relação às outras vinculadas?
IB – Essas outras, menos. O IPHAN porque ele é pedra e cal, então… A Casa Rui é daquelas coisas agregadas, que tinham uma vida própria muito vinculada à academia. Em geral, os presidentes eram representantes da intelectualidade nacional e a BN também tem uma autonomia. Mas começam a perder… E tem uma coisa que é bastante complicada – são esses paradoxos, né? –, mas foi com o advento da Nova República que começou essa distribuição de cargos. Quando era menor, ainda no momento de Ditadura – e eu falo isso no meu livro –, nós transferimos uma militância de esquerda para a militância da política cultural. A gente contava nos dedos quem era de direita.
E – Mas também é por isso que deu certo, naquele momento, né?
IB – É, é. E era uma dedicação…
S – O próprio presidente da Funarte, o Humberto Braga, contou de peça que foi aceita em edital da Funarte e foi proibida pela censura.
IB – É, foi premiada pelo SNT.
S – É, pelo SNT. Então, tinha essa ambiguidade.
IB – Essa é outra história complicada, a incorporação das instituições. Olha, no início, isso foi um inferno. Havia uma grande rivalidade do SNT (depois FUNDACEN) com a Funarte. A Fundação do Cinema Brasileiro era outra coisa, pois tinha sua autonomia… Olha, era horrível você andar pelos corredores.
S – Mas ainda é assim. É mais velado, porque estão todos na mesma instituição, mas…
IB – Estão todos sofrendo a mesma coisa…
S – Mas ainda tem diferenças.
IB – Vocês sentem, né?
S – Com certeza.
E – O que eu percebo, sendo recém-integrada à Funarte, é que, quando a FUNDACEN vai para a FUNARTE, ela toma conta da instituição.
IB – Acho que não…
E – Olha, a maioria dos presidentes depois disso foram das artes cênicas.
IB – Além do Humberto, quem mais?
E e S – Grassi, Mamberti, Frateschi, Guti e agora o Humberto.
IB – Ah, mas não eram da cultura da casa.
E e S – Não, estamos dizendo que o campo das artes cênicas passa a ser dominante.
IB – Isso sim.
S – Mas eu acho que é porque o teatro é muito mais organizado.
IB – É, nesse sentido, as duas grandes corporações são cinema e teatro.
E – E as artes plásticas tiveram uma deterioração de organização da categoria. Porque antes você tinha aquela coisa que envolvia o MAM-Rio e o Museu de Belas Artes. Você tinha grupos que produziam e circulavam ali e que formam o INAP. E eles tinham força. E eles tinham força pública. As pessoas conheciam esses artistas. Mas eles perderam muito isso…
IB – E as artes plásticas têm um problema estrutural que é uma produção individual.
E – E eles perderam essa organização em associações. Eles tentaram retomar com a “Geração 80”, ali no Parque Lage.
IB – Ali ainda estava animado, mas depois disso… E quando eu falei do Mário Machado, é que o Mário veio da FINEP, que é uma agência de financiamento. Então, a nossa proposta da ATEC casou perfeitamente com a proposta dele.
S – Essa era uma ideia muito mais de agência do que de produtora, né?
IB – É, é.
E – Nesse sentido, São Paulo incomodava mesmo, né?
IB – Como ele tinha vida própria e não participava do debate da política da instituição, não me incomodava por isso.
S – Mas, então, São Paulo não entrava na política, né?
IB – É o que eu digo, ela era totalmente autônoma, nesse sentido administrativo – não no sentido financeiro – já tinha o controle.
S – Porque hoje, tudo que a gente faz aqui entra por edital, ou temos que mandar o projeto básico para o Rio. Era igual.
IB – Era. Eu acho que Brasília foi criada logo, também. E por uma razão óbvia, não é? Para ter uma ponte direta com o Ministério. Não sei, acho que é com o MinC que ela é criada. Porque antes o Roberto tinha ponte direta com o Ministro.
S – É, alguém falou sobre isso. Sobre Brasília ser um escritório de ponte com o Ministério.
E – Sim, foi o Humberto Braga que falou que primeiro o SNT teve um escritório em Brasília com esse intuito.
IB – E aí começou aquela baboseira de se mudar para Brasília – uma bobagem! Você pode ser nacional em Quixeramobim. Imagine transferir aquela quantidade de funcionários etc… E toda vez que vem uma nova gestão surge de novo essa ideia. O Grassi veio me perguntar o que eu achava: “Que bobagem!”
E – Eu concordo plenamente com você que a questão é o desenho da política, não importando onde a instituição esteja sediada. Mas acho que essa tensão entre o MinC e a Funarte, essa competição pelo orçamento com as secretarias, a multiplicidade de secretarias que invadem o campo de atuação da fundação…
IB – E roubam não só o orçamento: roubam atribuições da Funarte. Porque, nem sei se posso dizer isso, mas Brasília não tem as competências em artes. As competências estão nas instituições.
E – Brasília é um “escritório” – cada secretaria é um “escritório”.
IB – E mais, criam o Ministério e todo o segundo e terceiro escalão do MEC se candidata. Então nós ficamos com o rebotalho…
E – Então, acho que pesa o fato de a Funarte não ser em Brasília – não que eu ache que deva ir para lá –, (mas na capital) a Funarte seria mais atuante politicamente na estrutura do MinC.
S – Estaria mais perto das discussões.
E – Porque, hoje, o presidente e o diretor executivo vão a Brasília quando há a reunião que decide o uso das verbas do FNC. É só nesse momento que eles atuam em benefício de garantir verbas para a Fundação e são vistos pelos demais como estrangeiros. Enquanto quase todas as outras vinculadas estão em Brasília: IPHAN, IBRAM… E têm uma convivência com o ministro e com os secretários…
IB – Sem dúvida nenhuma. Eu acho que o grande nó está na criação do Ministério sem… Vai sair agora um novo livro meu que, na verdade, é uma reunião de textos, alguns inéditos, outros não. E me pediram – nesse ínterim aconteceu o que aconteceu (extinção e retorno do MinC) –, aí me pediram e eu fiz uma grande nota de pé de página sobre o momento atual em que eu digo o seguinte: que durante muitos anos – eu era adepta da posição de Aluísio Magalhães de que era melhor uma Secretaria forte do que um Ministério fraco – eu continuei achando isso. E não é que o Aluísio fosse contra ter um Ministério. O que ele achava era que o campo precisava se complexificar de tal maneira que a resposta seria um organismo como esse. E eu coloco (nesse texto) que eu acho que no período Gil isso aconteceu. (…) Essa minha última passagem pelo Ministério foi… Primeiro, porque eu era um Patrimônio tombando, né? Agora já tombado. Então, refazendo os percursos, tudo o que se foi fazendo sempre teve minha presença: as discussões do SNC, dos Pontos de Cultura. E, quanto a esses dois, eu tive alguns arranca-rabos e decidi não ir mais. Primeiro, porque eu achava que o Sistema deveria ser muito mais flexível do que é; não aquela coisa burocrática. E, no caso dos Pontos de Cultura – eu associo as duas ações por causa disso –, eu achava que era o grande momento de você reforçar o pacto federativo. O Ministério da Cultura não tem capacidade física de atender não sei quantos Pontos de Cultura. E eu falei, quando o projeto foi formatado, eu falei para o Célio Turino montar um grupo de assessoramento para esses grupos, “se não você não vai ter um segundo ano de convênio”. E foi o que aconteceu. Você veja qual era minha ideia – a questão é que toda hora você esbarra com o problema político –, era passar o processo por estado e município. Que estão lá, estão próximos, têm como acompanhar, supervisionar.
O SNC era outro problema… Eu falava: “Gente, o Sistema Nacional espelhado no SUS?! No SUS o recurso vem… Quero saber quando virá esse recurso!” Eles conseguiram, pela primeira vez, ainda com o Bernardo (Bernardo da Mata Machado, então secretário de Articulação Institucional – SAI) lá, cinco estados tiveram o repasse. Mas, se você estabelece um mecanismo, é para ele funcionar, não é para você se sentir enganado. Agora, acho que o Sistema tem resultado nessa área das conferências, dos sistemas municipais, porque muitos municípios levaram a sério. E eu acho que é essa a maior complexidade que nós temos hoje – um grande mérito.
S – Por ter organizado e feito valer as reuniões já é um mérito.
IB – Eu, de 2010 para cá, venho me dedicando à coordenação de cursos de qualificação de gestores e todos eles têm acontecido no Nordeste. No Nordeste eles compraram a ideia. Olha, tem gestores maravilhosos, às vezes lá num município distante.
S – Então tem chance de o Sistema dar certo.
IB – Eu acho que tem. Claro que a gente tem feito também uma discussão política muito grande. Você não tem que ficar esperando o sistema estadual nem o nacional: façam o sistema de vocês. E a minha bandeira agora é estimulá-los a fazer planejamentos em conjunto com municípios vizinhos, quer formalizados como consórcio, quer como parceria. Mas um e-mail hoje me chateou bastante porque comunicou que vários representantes de pequenos municípios não poderão estar no próximo módulo, porque as prefeituras cortaram orçamento.
E – Mas você faz isso por uma universidade?
IB – Isso começa com a Silvana Meireles na Secretaria de Articulação, porque está ligado ao Sistema Nacional. Ela é originalmente da FUNDAJ – Fundação Joaquim Nabuco – que, aliás, já foi nossa, mas voltou para o MEC e onde, hoje, como na Casa de Rui, o Plano de Carreira e Salários está integrado à Ciência e Tecnologia (e nós nos ferramos).
E – Eu queria voltar para o momento em que você vem para cá. Apesar de ser um momento melancólico, como você falou, para nós é importante. Quem estava aqui?
IB – Carlão, Myrian, Marta, Gyorgy, Cacá (era marido da Myriam Muniz), Bicelli estava em disponibilidade. O pessoal que ficou em disponibilidade…
E – Como é que escolheram quem ficaria em disponibilidade?
IB – Por conta da chefia. E o pessoal que ficou em disponibilidade, nossa, foi terrível. Teve gente que morreu atropelada, teve infarto, teve câncer… Mas tinha ainda a Telma como secretária, a Heleninha, era um bando de gente sem ter o que fazer… Estava também a Cuca — a Cuca foi uma das mulheres do Glauber, que morreu. Quando eu fui para a França, um mês depois ela teve um infarto. Ela é a mãe do Pedro, filho do Glauber que estava no Ocupa Funarte. Ela era da Embrafilme originalmente.
S – Eu não consigo entender muito bem essa época. Porque, na verdade, fechou a Funarte, mas o espaço continuou a existir.
IB – Virou IBAC. Ele continuou… Emprestava para a Myriam Muniz fazer curso, ensaio…
S – Então, por que alguns funcionários não foram transferidos para o IBAC e ficaram em disponibilidade?
IB – O IBAC foi formado com os funcionários que não estavam em disponibilidade.
E – Mas a grande maioria foi colocada em disponibilidade?
IB – As porcentagens eu não sei. Daqui foi o Bicelli.
E – Eu acho que a Myrian também.
IB – Será? Eu não lembro. Ah, estava aqui também a Kitinha, ex-mulher do Nelson Xavier, que era da Fundação do Cinema Brasileiro.
E – Mas não tinha orçamento nem ações?
IB – Nada, não tínhamos nada. Então era inventar essas coisas do tipo: Myriam quer ensaiar…
E – E lá no Rio, também ficou assim, parado?
IB – Ficou. Nas vezes em que eu fui lá, era de uma melancolia…
S – Qual era a proposta do IBAC? Ser uma agência financiadora?
IB – A proposta do IBAC era não se deixar morrer. Se vocês conversarem com o Mário Machado, ele vai dar uma outra visão, porque ele era o presidente.
E – Ele tinha o objetivo de não deixar morrer e o desejo de fazer coisas, mas não tinha nenhum apoio do governo federal.
IB – Não, nenhum.
S – É que não foi uma coisa que veio para substituir outra, né?
IB – Não… Depois vem o Itamar, que chama o Ferreira Gullar (…), que tinha um carinho muito grande pela Funarte porque a mulher dele, a Tereza Aragão, produziu muitos shows na Sidney Miller, enfim, tinha ali uma ligação muito grande. Mas isso também não quer dizer… Ah, aí eu volto para a Coordenação.
S – Daqui de São Paulo?
IB – É, eu volto.
S – É, nós vimos lá na sua documentação de funcionária que você saiu e voltou algumas vezes.
IB – É, eu volto. Mas eu não tenho perfil de escritório e mesmo assim era uma recomposição, quando volta o nome Funarte, apesar de não ser legal ainda por não se ter conseguido ainda anular o ato de extinção, mas voltou a se chamar Funarte. E o Gullar tinha lá os projetos dele. (…) Aí eu combinei de passar um período lá e fiquei um mês no Rio para ajudar a rearticular as coisas. Mas é muito engraçado e o tempo vai te mostrando isso, não se faz as coisas sozinha. Se você não tem como fazer fluir as decisões, fica muito difícil. A área pública é muito difícil por conta disso. Porque você tem um conjunto de desejos, assim, pouco claros. (…)
Agora, eu acho que a Funarte teve um dos melhores quadros técnicos que se pode esperar de uma instituição. A Assessoria Técnica existiu desde o início – foi criada pelo Roberto – e era um bando de economistas, inclusive um dos filhos do prof. Diegues, Cláudio, era de lá. Fernando chefiava. Essa Assessoria foi tendo essa cara, pela ação de seus técnicos e uma das principais pessoas desse grupo foi a Edméia (Falcão), que depois vira Diretora Executiva. Daí o rigor dos pareceres… A Assessoria foi evoluindo e os diretores não gostavam de nós, de jeito nenhum.
E – Eles não participavam?
IB – Tinha o Colegiado com uma pessoa indicada por eles. O único que participava, sendo diretor, era Pedro Vasques, da Fotografia (INF). (O Colegiado) era onde se discutia a lógica dos investimentos em tal lugar. Pedro era um (dos participantes). (Debatia-se), por exemplo: “Vamos apoiar um primeiro projeto de fotografia no Acre, ou reforçar o trabalho de cultura popular que o Acre tem?” Isso era discutido com as áreas. E disso os diretores não gostavam…
E – Mas eles tinham autonomia? Ou seja, havia um orçamento da Assessoria e um orçamento das diretorias?
IB – Tinha um orçamento que era do Colegiado, como se fosse um Fundo e aí você tinha o orçamento para os projetos da própria casa, os projetos internos – que era o que os diretores queriam. Eu entrevistei o Edino (Krieger, que nos anos 1980 foi diretor do Instituto Nacional de Música, da Funarte, e posteriormente seu presidente) para o livro e ele achava que a Funarte não devia ficar auxiliando projetos pelo país: era para a Funarte realizar seus projetos. Nós é que fomos forçando o caráter de exemplaridade para justificar a instituição ter projetos. Seria o caráter exemplar desses projetos que faria com que eles se replicassem fora: Projeto Bandas, Projeto Orquestras.
S – Para mim faz muito mais sentido isso do que a Funarte produzir.
E – E essa organização permanece na Funarte até quando?
IB – Até a criação do MinC (…) E aí tem algumas figuras lapidares que são muito chatas, mas que eu acho que a Funarte deveria fazer um busto, como o Flávio Silva, que é de um compromisso, de uma seriedade. E aí a Lulu falava: “Aquele reacionário…” Era isso, ali você podia discutir de fato as coisas.
E – E você, até 85, está no Rio.
IB – Até 85 eu estou no Rio, aí eu vou para Brasília.
E – Mas antes, você entrou em 78 pelo Núcleo de Cinema?
IB – Sim, eram esses casuísmos: Lucila Avelar, que dirigia o núcleo de cinema e cuja família era muito ligada ao Ney Braga, consegue um orçamento direto para ela na Funarte.
E – Uma instituição paralela à EMBRAFILME.
IB – É, para trabalhar com curta-metragem. Ela era da área de cinema e queria fazer o seu lugar. Depois eu fui convidada para ir para a ATEC e mais tarde passo à Chefia da Assessoria Técnica.
E – Até 85. Aí você é convidada para o MinC.
IB – É, vou para Brasília. E qual era a ideia? Achávamos que se ocupássemos lugares no Ministério iríamos impedir as superposições… Aí as pessoas te olhavam como traidora.
E – Da Funarte só foi você?
IB – Não, eu levei a Júlia Pellegrino, depois levei a Maria Bonumá.
E – Humberto vai depois, né?
IB – Sim, bem depois.
E – Você foi para que Secretaria?
IB – Para a Secretaria de Apoio à Produção Cultural, que era chefiada por Flávio Magalhães. Depois ele vai para a EMBRAFILME, que era o maior sonho dele, e o Celso Furtado me convida para assumir no lugar dele. Aí tem uma crise em Brasília, Celso Furtado pede demissão e volta José Aparecido. Depois de 3 meses eu vim para São Paulo.
(…)
E – E a Assessoria Técnica?
IB – Ela continuou com a Laura Ferraz, que era a minha substituta. E foi a Laura que me falou que ele foi o dirigente que melhor entendeu o papel da ATEC – o Ewaldo. Talvez por conta da experiência internacional. BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) essas coisas.
E – E pensando para o futuro? O que você acha da ideia de transformar a Funarte em uma agência nos moldes da Ancine?
IB – Bom, quando nós falávamos em agência, na época do Mário, não era o modelo da Ancine. Era mais como o National Endowment americano, em que você recebe projetos, você apoia, você tem um conselho de pares que avalia – e eu tenho minhas dúvidas sobre conselho de pares, porque você não tem o compromisso com a política pública. (…)
E – São extremamente técnicos.
IB – (…) Isso é uma coisa extremamente política. Não pode, não pode. Eu acho que a música pode ter uma capacidade, mas as outras áreas não. A música tem mercado. É a coisa que mais tem mercado e talvez, para ela, esse seja um desenho adequado. Porque você tem mil interlocutores de mercado, organizações, encontros, simpósios. Eles estão se articulando o tempo inteiro. Isso aí faz mais sentido. Agora, artes plásticas não tem nada a ver, fotografia, nada a ver, cultura popular se mandou para o IPHAN…
S – Qual seria sua idéia, então?
IB – Não sei, Sharine, as coisas estão tão confusas que é difícil você pensar em um modelo ideal. E até a minha insistência nesse modelo precisa ser revista. Eu sempre acreditei muito na articulação com forças locais e, aí sim, você fazer investimentos para dar autonomia…