Gilda Portugal Gouvea
Entrevista concedida a Ester Moreira e Sharine Melo, no Instituto Singularidades
São Paulo, 08 de setembro de 2016.
Gilda Portugal – Mas antes eu gostaria que vocês contassem um pouco o porquê dessa história.
Ester – A Sharine conta porque foi ela quem inventou essa história.
Sharine – Sim, eu que inventei essa história… É que eu sou administradora cultural na Funarte e tem sempre muito aluno, principalmente de arquitetura, ou então da área de artes, que nos procura para saber sobre a história da Funarte, e nós não temos nada organizado. Às vezes, é pelos eventos que aconteceram lá nas décadas de 70, 80; e tem muito interesse pelo prédio, pelo conjunto arquitetônico, porque foi da Baronesa de Limeira, porque foi cavalariça da Missão Francesa… (Essas versões eram correntes antes do início da pesquisa. Mas não foram encontrados documentos que as comprovassem. Na seção Histórias da Funarte SP, há mais informações sobre a origem dos espaços).
G – Foi uma coisa militar, foi da Força Pública.
S – Isso.
E – Os franceses vieram aqui para profissionalizar a Polícia de São Paulo. Foi feito ali.
G – E a cavalariça era lá.
E – Exatamente, a origem dos galpões.
S – Depois foi o Instituto Federal, durante bastante tempo, anteriormente como Escola de Aprendizes e Artífices, que começou lá. Então a gente pensou em escrever de um modo mais organizado. Em formato de um livro, ou alguma coisa assim.
G – Bom, eu vou contar um pedaço – e tentei lembrar de algumas pessoas que podem contar mais. Tem uma pessoa, que é o único que eu consegui o contato e nem falei direto, falei através de outra pessoa que foi lá da Funarte na época em que eu estava e que a gente chama de Px (Silveira), é de Goiás. Com ele, vocês vão precisar conversar. Ele viveu a Funarte, viveu os detalhes. Eu sei estruturalmente o que aconteceu. Essa história eu sei. Mas os detalhes, quem foi chamado, as primeiras coisas de teatro que foram feitas…
Então eu vou contar como foi. Quando o Fernando Henrique foi eleito eu não queria morar em Brasília… Aí, quando o Paulo Renato foi convidado para ser Ministro da Educação, o pessoal até brinca: “Ela se nomeou D
elegada do MEC em São Paulo”. Porque aí eu realmente estava na equipe do Ministério, porque era a área que mais me interessava: educação. Mas ficava baseada em São Paulo. Acabava indo muito e, depois, nós extinguimos a Delegacia e eu acabei ficando com um cargo em Brasília, lotada em São Paulo e tal. Bom, quando eu cheguei lá, eu levei um susto. Eu estava entendendo um pouco a estrutura do Ministério etc., mas a Delegacia tinha muito funcionário.
E – O casarão?
G – O casarão. E ocupavam parte dos galpões, que eram salas… Porque era muita gente. Qual era a função deles? Fazer supervisão das escolas particulares, das faculdades particulares.
E – Só das faculdades?
G – Só das faculdades. Faculdades e universidades particulares. O que era a supervisão? Desde a hora de aprovar se a faculdade vai ser credenciada ou não, até as avaliações de recredenciamento.
E – Em que ano foi isso?
G – Em 95. Eu acompanhei algumas. Então, como é que era? Imagine você entrar em uma instituição que tem oito mil alunos e ir lá verificar se realmente tem oito mil, se eles estão distribuídos por classes com um número razoável de aluno por classe. Então era tudo declaratório.
E – Eram muitas regionais.
G – Em todos os estados. Todos os estados tinham delegacia de ensino. No passado essas delegacias supervisionavam também as redes de Ensino Fundamental, Médio etc. Mas aí, descentralizou, indo para os estados.
E – Em 88, com a nova Constituição.
G – Eles começaram a acompanhar só as escolas técnicas federais. E as faculdades particulares. E as particulares não estaduais. Por exemplo, se você tem uma municipal, a supervisão é do Conselho Estadual de Educação.
E – Eu me formei na UNITAU, a Universidade de Taubaté, e eu acho que meu diploma foi registrado aqui.
G – Sim, aqui. Tem isso também, a outra função era registrar diploma.
E – E emitir a carteirinha de professor.
G – Também.
S – Mas na sua época ainda tinha? Não foi antes?
G – Sim. Então, essa estrutura era no Brasil inteiro. No Amazonas tinha delegacia de ensino. Aí, chegava uma hora em que tinha que ir todo mundo para Brasília fazer reunião. Uma coisa pesada, burocrática. Com função… Conforme se começou a fazer, com as novas tecnologias, a informatizar, ficou mais inútil ainda. Mais inútil… Porque antigamente a pessoa tinha de ler o diário de classe, quase, para saber se o aluno estava presente… Se eles não estavam inventando aluno, se eles estavam mantendo os rigores de aproveitamento.
S – E era do estado inteiro, não era só da cidade?!
G – Do estado inteiro, São Paulo inteiro. Era em Taubaté, em Presidente Prudente. E não era nem regionalizado. Bom, mas nós começamos a perceber isso e falamos: “Não, nós vamos fechar a Delegacia. Vamos começar a informatizar a SESU”, que era a Secretaria do Ensino Superior, “e vamos fazer a coisa centralizada” e fazer como é até hoje: ter uma equipe, um grupo de pessoas treinadas para, em algumas fases, ir às faculdades que se chegar à conclusão de que estão precisando ser supervisionadas, e fazer isso de outra forma. Porque aí começou a haver outros critérios de avaliação, que é o Provão. Depois o Provão foi aperfeiçoado… Número de professores doutores, enfim… Toda uma caracterização da instituição. E aí, e isso também é até hoje, e depois que nós saímos, no Governo Lula, isso foi mais aperfeiçoado ainda. O que se faz? Você escolhe as instituições que são mais importantes para você ir logo. Ou são instituições que estão com os dados muito esquisitos… Você vai fazendo… Todas têm que ser visitadas. Mas a prioridade… E você capacita pessoas do Brasil inteiro para fazer isso. Então, você vai lá no Norte e você tem, não são supervisores, são professores universitários de instituições públicas que querem ser avaliadores. São treinados, capacitados, e vão. Então nós começamos…
Se você olhar hoje em que ano conseguimos fazer isso… Foi no primeiro mandato ainda, mas eu não lembro o ano. Não tenho certeza, acho que foi em 97. Eu preciso olhar. Paralelamente a isso nós tínhamos aquele lugar maravilhoso. Então, isso era uma preocupação quanto a fechar a Delegacia. O Rio também. Porque, no Rio, era no prédio do MEC.
E – No Capanema?
G – É, no Capanema. Era lá. A mesma situação. Mas foi, foi, foi e nós conseguimos fechar. Com duas exceções – não das funções, as funções acabaram –, a sede de São Paulo e a sede do Rio. Por causa do tipo de edifício. Porque as outras eram todas alugadas: uma casinha não sei onde. Um andar num prédio. As duas tinham valor importante, simbólico. E, no caso do Rio, tinha tombamento. No Rio era mais complicado ainda. No caso de São Paulo, ficou um escritório aqui e a nossa proposta era essa, dar para a Funarte. Por quê? Aí eu saí, deixei de ser Delegada, fiquei como Representante do MEC em São Paulo, uma auxiliadora, fiquei com outro cargo de assessora, de Brasília e… Durante o tempo em que eu era Delegada nós começamos a fazer, a desocupar os galpões. Já tinha uma atividade da Funarte.
E – Estava retomando, não é?
G – Sim, estava retomando. E nós falamos: “Nós queremos que a Funarte ocupe tudo”. Não falamos da sede principal porque ainda tinha muito funcionário. Você tinha que realocar esses funcionários. Porque você fecha a Delegacia, mas os funcionários estão lotados lá. Então, precisa ver para onde vai. Aliás, tirar todo mundo foi só no Governo Lula que se conseguiu. Eu sei porque tinha uma secretária lá que manteve contato comigo.
S – Acho que só em 2011.
G – É, tirar todo mundo… Mas não era mais Delegacia. Era um resquício de MEC.
E – O restante do Instituto saiu no ano passado?
S – É… O Instituto Federal, acho que foi no ano passado.
G – Então nós começamos a fazer isso, a ter atividades. A passar para a Funarte. Essa ordem eu não vou lembrar. O PX é que tem toda essa memória. Eu lembro que teve teatro. Peças de teatro que começaram a ser encenadas, exposições. Nós começamos a desocupar. Eu lembro que um dia o ministro entrou lá num galpão que era depósito, o primeiro. Ele falou: “Eu quero que, em 48 horas, essas coisas vão para onde vocês quiserem: doação…” “Ah… mas tem chapa…” “Não interessa”. Sabe? Um galpão maravilhoso ocupado com carteira velha… Olha, acho que tinha até pelo dos cavalos… Um absurdo. Aquele primeiro, totalmente depósito. Aí ele falou: “Tira tudo, mas tem que ocupar com alguma coisa”. “Alguma repartição pública federal vai ter que mudar para cá.” Aí começou, aí teve peça de teatro, teve exposições… E foi crescendo… Aí tinha uma confusão para fazer a doação. Nós queríamos doar para o Ministério da Cultura, mas aí não podia, por causa… Essa parte burocrática, eu também não lembro como foi resolvida.
E – A gente tem o acordo final assinado. Por isso que a gente resolveu que era importante falar com você.
S – A gente viu seu nome assinando o documento. Aí sabíamos que tínhamos que falar com você.
E – O que aconteceu? A Funarte ficou com os galpões, com aquele outro prédio que no fundo tem o escritório da Biblioteca Nacional. Desse lado de cá, onde ficam os escritórios, que acredito que quando era a Escola, eram laboratórios, o prédio é do MinC. Quem ocupa o casarão é o MinC, também na mesma lógica pela qual o MEC tinha de ter uma Representação.
G – Então, nós começamos a doar. Nós queríamos passar tudo para o MinC, mas tinha uma burocracia… O casarão. Porque a Funarte é ligada ao MinC.
E – A Funarte é uma fundação vinculada ao MinC.
G – Era isso, nós achávamos que o casarão tinha muito mais a ver com o MinC do que com o MEC.
E – Você entrou em 1995, certo?
G – Sim, em março de 1995.
S – É, foi logo depois que a Funarte recomeçou. Porque durante o Collor ela foi extinta.
G – Isso, ela foi extinta. É, era o Weffort que era o Ministro da Cultura. Eu lembro disso. O que é que tinha lá: exposições, teatro – várias peças de teatro foram encenadas lá. E o espaço recomeçou a abrir de fim de semana. Porque antes o prédio todo era fechado no fim de semana. A ideia, quando a gente resolveu que ia mesmo extinguir a Delegacia do MEC, era passar para a Funarte. Se tivesse que ter algum espaço… Demorou até mais, porque um dos ministérios que foi para lá, também, foi o do Esporte, por causa do Pelé. O Pelé tinha o gabinete dele lá.
E – Ele é santista, né?
G – É, o Pelé foi ser Ministro dos Esportes no começo do Governo Fernando Henrique e ele queria um gabinete em São Paulo. Então ele pediu um gabinete e o prédio mais afim seria o da Delegacia do MEC. Aí ficou uma sala só para o Ministro dos Esportes. E quando ele ia ninguém fazia nada, né? Na rua fazia fila de gente para pegar autógrafo e tirar fotografia. Fotografia antigamente era com fotógrafo, né? Não era selfie…
S – Mas faz pouco tempo que o Ministério dos Esportes saiu de lá.
G – É, ele persistiu…
E – É, o casarão ficou com o MinC, o restante ficou com a Funarte, com documentação, mas sempre como cessão de espaço? Teve o Instituto Federal, a Fundação Palmares (MinC) e o Ministério dos Esportes.
G – Ele saiu enquanto eu ainda estava aqui. Mas era assim, desde o dia em que nós entramos lá nós dizíamos: “Não é assim, não tem nada a ver. Isso aqui é um espaço cultural.”.
E – E você, quando chegou lá, quando teve esse espanto, você chegou a investigar o passado para entender por que veio a ter essa Delegacia?
G – Eu me lembro de ver um material, fotografias, livros que contavam um pouco isso, mas eu não me detive. Eu tinha muito a fazer naquele momento.
E – Era uma grande tarefa, né?
G – Na verdade, eu trabalhava mais com Brasília, sobre o que ia acontecer. Então eu dava expediente lá.
E – Isso até 1999, quando vocês conseguiram esvaziar e tirar o sentido dessa supervisão, certo?
G – Esvaziar cada sala. Ah, sim, a legislação mudou. Mudou a supervisão. A supervisão começou a ter dados quantitativos. Aí vem o Censo. Tem que ter o Censo. Para o ensino público e para o privado. Eles têm que responder. Passou-se a ter um volume de dados que te davam mais segurança… Porque o Collor acabou… Ele quase acabou com o IBGE… Não fez o Censo. Quer mais que isso? Imagina… Não tinha nenhum dado de Educação. E mesmo o Governo Sarney se preocupou um pouco com isso, mas pouco. Não foi uma coisa central. Essa coisa da avaliação, do dado, começou no Governo Fernando Henrique Cardoso. No MEC, né? Saúde era mais organizada. Sempre foi. A Saúde sempre cuidou mais das suas informações. No MEC era tudo no ‘achômetro’, não tinha dado nenhum, não tinha dado de nada. Você não sabia nada. Já não tinha histórico, ainda passaram três anos, dois anos e meio de Collor. Aí então, com os dados, você passou a ter segurança. Aqui ficou como Representação, mas não mais como Delegacia. Ficou como Representação do MEC em São Paulo. Eu lembro que teve uma questão do diploma também que fez ter que ficar mais tempo. Porque a USP não queria assumir, depois a USP assumiu. As estaduais, porque aqui em São Paulo não tinha universidade federal. A gente esquece um pouco. A única faculdade federal que tinha aqui na cidade era a Faculdade (Escola) Paulista de Medicina (atual UNIFESP). Que na época era medicina mesmo. Agora é que era virou uma universidade que tem administração, que tem várias coisas. Ela era de medicina.
S – Eu não sei como funciona.
G – É assim, Ensino Superior é responsabilidade do MEC. O MEC é responsável pela supervisão, pelo diploma, pelo credenciamento, pela definição de currículo mínimo. O MEC é responsável por todas as universidades federais, por todo o Ensino Técnico Federal e por todas as universidades privadas. Quais que não são? São pouquíssimas: as universidades estaduais, como USP, UNICAMP. Essas são do estado, algumas universidades municipais quem supervisiona é o Conselho Estadual de Educação. Então, quando você se forma, você precisa ter o diploma registrado no MEC. Quem teria que fazer isso em São Paulo era, primeiro, a Delegacia e, se se quisesse outorgar a uma universidade, teria que ser a uma universidade federal. A faculdade de medicina não queria saber disso. Então conseguimos passar para a USP, que tinha mais estrutura etc. O MEC valida se a Faculdade está registrada lá: (se estiver registrado) que não é um curso livre…
E – Para isso é preciso certificação do MEC.
G – Isso. Então, você vê: esse prédio aqui era só para burocracia.
E – É, ele fazia o diploma, a supervisão, e teve a época das carteirinhas de professor.
G – Eu não me lembro das carteirinhas… E você pensa assim: para você entrar com um processo de reconhecimento de uma faculdade, era por lá. Para pós-graduação também. Toda a papelada ia para lá. Naquela época era papel. Era papel…
S – Então eram os galpões, o casarão e os galpões de trás, também?
G – Tudo, tudo.
E – Tudo era papel.
G – Tinha depósito. Primeiro tinha depósito com carteira, cadeira, devia ter sela de cavalo… Você nem conseguia entrar.
E – Agora, eu tenho uma curiosidade. Por que será que lá atrás fizeram as Delegacias Regionais? Qual será a necessidade que deve ter tido?
G – Eu acredito que tinham outras funções. Nem havia então tantas faculdades particulares. Essa função era uma função periférica, absolutamente periférica. E teve delegados importantes aqui, por exemplo, aquela que depois foi Ministra da Educação foi delegada aqui, a Esther de Figueiredo Ferraz. Ela foi a única ministra mulher, da Educação. E outras pessoas de destaque na educação foram delegadas. Agora, o porquê foi criada eu não sei. Eu acho que as delegacias faziam supervisão de tudo. De todo o ensino. Do ensino primário, do Ensino Médio, secundário, naquela época tinha exame de admissão. Mas eu acho que depois o estado de São Paulo já tomava conta disso. Então, tem uma coisa fantástica. Existia uma coisa, antigamente, que se chamava exame de admissão, que você fazia para as primeiras séries. Como não tinha vagas para todo mundo no ginásio, você tinha o exame de admissão, porque aí você segurava. Os que de fato iam bem passavam, e os que iam mal paravam de estudar. De um ano para o outro, em novembro, o Ulhoa Cintra determinou o seguinte: “Todos os alunos e alunas que terminarem a quarta série vão para o ginásio. Todos”. Aí foi aquela chateação: “Como? Não tem Lugar!”. “Ah, vão sentar dois, três na mesma carteira”. Aí o sistema tem que se arrumar. Se ele não tivesse feito isso, ia demorar mais dez anos para ir fazendo aos poucos. Primeiro construir… Não faz, não faz, não adianta. Então ele fez isso. E isso foi o que aconteceu. Começou-se a construir, a se dar um jeito. Tanto que teve um tempo em que as crianças ficavam na escola só três horas, tinha três turnos.
S – Em que ano foi isso?
G – Olha, o Ulhoa Cintra foi Secretário de Educação em…, não lembro (Governo de Abreu Sodré; 1967-1970). O sistema era estadual, por isso ele conseguiu fazer isso em São Paulo. Como Secretário Estadual, ele é quem regulamentava. Outra coisa importantíssima também (…), apesar de seu histórico, foi o Maluf. Porque ele é quem instituiu o concurso de remoção de professor. A reorganização da Rede Pública também foi feita. Mas aí era para acabar com os privilégios. Então é o seguinte: você estuda perto da sua casa. Aí, contra esse argumento é muito difícil ter um movimento. Porque, como era? Tinha as escolas boas e as escolas ruins… Todo mundo queria ir para o Caetano de Campos, então tinha fila, tinha deputado pedindo… Todo mundo queria ir, sei lá, para o Fernão Dias. E o povo do entorno, mesmo nos bairros mais periféricos, mas já bem populosos (…). Mas no lugar mais central, todo mundo queria ir para aquela escola. E como é que faz? Bom, (a reorganização) foi feita de repente, mas a grita foi muito menor. Porque, você vai dizer que é melhor você pegar o seu filho, que mora na Vila Brasilândia, e levar lá para a Praça da República? Todo dia? Então, na Praça da República ficaram os que moram ali perto. Mas aí a gente fala: “Ah, no meu tempo a escola…”. Mas é que “no meu tempo” a escola não era para todo mundo. A escola era para poucos. A família meio que decidia, tinha cinco filhos, olhava e falava: “Esse aqui dá para a escola…” Não fazia nenhuma pressão. A família não cobrava. Ela achava que tinha um dos filhos que valia investir nele. Não que justifique a má qualidade. Não justifica ter piorado. E durante tantos anos. Esse é que é o problema. Se fosse uma coisa assim, você fez isso há dois, três anos atrás, claro, espera um pouco, porque o efeito educação não é imediato. Você universalizou aqui, no estado de São Paulo, há muito mais tempo. São Paulo não tem justificativa. E, no Nordeste, ainda quando a gente foi governo em 95, o Piauí tinha, por exemplo, 30% das crianças fora da escola, na idade escolar. E o que mudou? Para você ver como é que são as coisas. Política induzida: Fundeb. Você chegou para o Estado e para o prefeito e falou: “O dinheiro (vai) para você, Prefeito, ou para você, Governador, se você tiver criança matriculada na escola. É por aluno. Se não, o dinheiro não vai mais para o senhor. Ele vai para quem tem aluno”. Então, tinha estados, por exemplo, o Maranhão, em que o ensino era municipalizado. Não sei por que, a maioria do ensino fundamental era municipalizada. E o dinheiro ia para o estado. Então, para gastar o dinheiro da educação, que (o estado) era obrigado a gastar, eles asfaltavam em volta da escola, com o dinheiro da educação. Eles construíam o prédio, um ginásio de esportes, com o dinheiro da educação. Ah, mas eles diziam que era para os estudantes usarem. Aí faziam campeonatos com o time da cidade, davam show, faziam o que fosse… Com dinheiro da escola. Então, não: o dinheiro da escola é para o ensino! Em Paulínia era o contrário. Paulínia não tinha um aluno matriculado. Todas as escolas de Paulínia, aqui em São Paulo, eram estaduais. Paulínia é um dos municípios mais ricos. Tem a Petrobrás… Recebia todo o dinheiro da educação e não tinha aluno. Aí foi falado para o prefeito: “Você quer que as escolas continuem estaduais? Então o dinheiro da educação vai para o estado”. E esse é um dinheiro que não depende de orçamento. Porque é um imposto que as empresas pagam – é garantido. E só pode ir para isso. Se você quiser mandar para a universidade, não pode. Por isso é Fundeb – Fundo da Educação Básica. Que antes era Fundef. Então, foi isso, não foi porque o prefeito achou legal. Com esse dinheiro, ele tem que respeitar o piso salarial do professor, pagá-lo… Na época a gente brincava que tinha prefeito correndo pela cidade tocando a campainha das casas: “Vem para a escola; põe seu filho na escola… Como é que você deixa seu filho fora da escola?”. E aí veio o Censo, que não tinha. Você não sabia quantos alunos estavam matriculados nas escolas. Aí se fez o Censo. É obrigatório, então tem que fazer o Censo, e com fiscalização, porque é claro que teve muita prefeitura que aumentou os números. Porque o MEC, ele não tem poder sobre o sistema estadual e sobre o municipal. Mas ele pode induzir…
E – Ele pode fazer a indução pelo financeiro. Nós estávamos falando do Sistema Nacional de Cultura, que está em processo.
S – O modelo é o SUS…
E – É o Sistema de Saúde que a Educação copia e adequa para suas necessidades…
S – E que a Cultura quer fazer agora…
E – O que acontece? A Constituição diz que a educação é obrigação do Estado, da família… E que é preciso que haja integração entre União, estados e municípios, sendo que o estado é responsável por essa parte da educação, a União por essa e o município por essa… Só que esses sistemas têm que trabalhar de forma conjunta. Mas não têm uma regulamentação. Em nenhum lugar se diz como é que vão ser feitas essas conjugações. Então o MEC faz suas deliberações e as transforma em lei, através de aprovação no Congresso, ou atua pelo aspecto financeiro.
G – Pois é, para o FNDE, o que nós fizemos, também? Dinheiro direto na escola. Então é isso, para pequenas reformas etc., o dinheiro vai direto. Acaba assim com o balcão. Não passa por deputado que queria fazer o que ele queria, né? Construir escola onde não precisa. E daí ele inaugura a escola e ela fica vazia. Ele não sabe se lá precisa. Então, a gente só fazia políticas induzidas. “Ah, você quer o dinheiro para sua cidade? Esse ano nós vamos financiar só quadra de esportes. Então você vai inaugurar; você faz o que você quiser, mas o dinheiro do FNDE, esse ano, é só para quadra de esportes”. Porque eles queriam construir escolas, construir onde não precisava. Aliás, é o que acontece até hoje com hospitais. O prefeito quer construir hospital, constrói, e o hospital fica totalmente vazio. É política induzida. É isso que você tem que fazer. E escolher rumos. Não pode fazer tudo ao mesmo tempo. Porque não adianta… Você tem que entrar agora: “Vou atacar quatro coisas”. Porque se não (…). Você não entende direito qual é a prioridade daquelas coisas, porque pulverizou, cresceu demais e pulverizou. Assim você não induz política. Porque o dinheiro fica pulverizado. Tem muito programa, com isso você não induz política. Você resolve, às vezes, pequenas coisas locais, ou de grupos mais articulados, sérios. Não é desvio de verba, não é disso que estou falando, mas tem que ter foco. Você entra e fala: “O que é que tenho que atacar agora? Qual o foco?”. E em detrimento de outras. Não é possível você atacar todas ao mesmo tempo. Porque se você ataca todas ao mesmo tempo, você não ataca nenhuma. Agora, o Estado não pode assumir para si todas as contradições que existem na sociedade. Se não o Estado vai ter que cuidar de todas as relações que existem na sociedade… Não tem jeito, não cabe, é impossível. Bom, acho que vocês precisam falar com o PX!
E e S – Sim, vamos falar. Foi um prazer, muito obrigada. Quando o Complexo reabrir, contamos com sua presença!