Apresentação
A polifonia é uma técnica de composição musical que combina diferentes vozes ou linhas melódicas. Essa ideia surgiu no final da idade média em oposição aos estilos monofônicos, entre eles o canto gregoriano, entoado a uma só voz. Durante todo o Renascimento, um período de grande efervescência cultural, a polifonia foi uma técnica bastante utilizada na Europa. Eram comuns arranjos de obras sacras e profanas em intrincadas justaposições de melodias, poemas e ritmos variados. No período barroco a polifonia alcançou seu auge, e as obras de Bach são belos exemplos. Foi a incansável pesquisa de artistas conhecidos ou anônimos, de diferentes épocas e lugares, que lançou as bases de todo o sistema da música ocidental, o que permitiu a criação das grandes sinfonias clássicas, do repertório romântico, das experimentações modernas e contemporâneas, das canções populares e de tantas outras vertentes.
Mas a polifonia não se esgota no circuito musical. A técnica reflete todo um modo de pensamento que se abre para a diversidade e para as múltiplas vozes que existem na sociedade, mesmo que nem sempre em perfeita harmonia. Foi por isso que grandes teóricos, como Bakhtin, ampliaram essa ideia para o campo das artes e da literatura. É a partir da combinação de vozes muitas vezes contraditórias que cada um encontra a sua singularidade. A noção de polifonia também remete às redes, às tramas, às séries de acontecimentos que se entrelaçam, às multiplicidades. A metáfora do “rizoma”, proposta pelos filósofos Deleuze e Guattari, ajuda a compreender essa ideia: um tipo de raiz que não possui um eixo único, mas cresce em todos os sentidos, conectando elementos heterogêneos, assim como acontece com a criação artística.
Tendo isso em mente, podemos afirmar que foram várias as vozes que nos instigaram a pesquisar sobre a história do Complexo Cultural Funarte SP, sobre seu espaço físico, sobre as atividades artísticas que ele abrigou e também sobre as políticas públicas envolvidas. Como em uma sinfonia, que se divide em movimentos distintos, mas correlatos, nosso trabalho foi se compondo aos poucos.
Nosso primeiro movimento foi o de garimpar no passado documentos e relatos que desvelassem respostas possíveis para as perguntas que emergiram da convivência diária com o lugar e também para as que nos trouxeram estudantes, pesquisadores, antigos funcionários, públicos e visitantes, vizinhos, amantes das artes…
No segundo movimento, ouvimos e lemos histórias contadas há tempos, ainda que com pouca documentação que as confirmasse. Esses “causos” e relatos revestiram de romantismo e curiosidade o nosso trabalho.
No terceiro movimento, procuramos materiais que pudessem esclarecer o processo de construção do complexo da Alameda Nothmann. O desafio nos surpreendeu pela dificuldade, ou mesmo pela impossibilidade, de encontrar alguns documentos importantes para a confirmação das histórias ouvidas, que agora ganhavam outros contornos.
Enquanto percorríamos arquivos históricos da cidade e do estado de São Paulo, além do acervo do Centro de Documentação e Memória da Funarte – CEDOC, já entrávamos em nosso quarto movimento, realizando entrevistas com funcionários mais antigos da instituição. Procuramos conversar também com aqueles que, de alguma forma, como os primeiros, viveram a história de atuação da Funarte e – por que não? – da política cultural no Brasil.
No quinto e último movimento, raro nas sinfonias, nós nos debruçamos sobre os documentos e as entrevistas para tentar organizar o recorte histórico que trazemos para vocês agora. Sabemos que as narrativas não são únicas e que há muitas verdades que se entrelaçam – essa é a nossa grande riqueza. Por isso, esperamos que este site não seja composto apenas de eventos passados, mas que ele possibilite um melhor entendimento do nosso presente e deixe uma contribuição para o futuro.
Ester Moreira e Sharine Melo – Funarte SP
São Paulo, 2017