Perfil da Presidenta
Joenia Wapichana cresceu na comunidade indígena Truarú da Cabeceira, área rural do município de Boa Vista (RR). Pertencente ao povo Wapichana, é considerada a primeira advogada indígena no Brasil a atuar pelos direitos dos povos indígenas. Graduou-se no curso de Direito da Universidade Federal de Roraima (UFRR) em 1997, ano em que iniciou a advocacia trabalhando no Conselho Indígena de Roraima (CIR), permanecendo por 22 anos na assessoria jurídica do órgão.
Foi integrante do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Conselho Nacional de Biodiversidade (CONABIO). Em 2018, foi indicada e aprovada pela Assembleia Geral dos Povos Indígenas para concorrer ao cargo de deputada federal por Roraima para a legislatura 2019 - 2022, sendo eleita a primeira deputada federal indígena do Brasil.
Na Câmara dos Deputados, Joenia coordenou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, composta por 210 deputados e 27 senadores. Foi líder do seu partido, a Rede Sustentabilidade, e vice-líder da Oposição. Atuou como integrante das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), de Minas e Energia (CME) e da Educação (CE).
Durante a pandemia de covid-19, foi relatora de uma proposta que discutiu formas de proteger as comunidades indígenas de um possível genocídio causado pela omissão do governo à época. A proposta pressionou o Estado brasileiro a priorizar o atendimento às comunidades que viviam em lugares isolados, e que estavam sendo massacradas pelo coronavírus. “Chamei as organizações indígenas e indigenista, e também o governo para explicar quais seriam as políticas de enfrentamento à covid-19. Mas víamos que não tinha nada, nenhum projeto”, lembra Joenia Wapichana.
Defesa dos povos
Joenia Wapichana encontrou na defesa do seu povo a sua missão de vida, tornando-se a primeira advogada a denunciar as violações do Estado brasileiro contra os povos originários. Já no ano de 2003, conseguiu levar uma causa indígena à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), com sede em Washington, Estados Unidos. Na década seguinte, ao atuar na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Joenia foi a primeira presidente da Comissão de Direitos dos Povos Indígenas, criada em 2013.
Durante o julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2008, Joenia Wapichana se tornou a primeira advogada indígena a realizar uma sustentação oral no Plenário da Suprema Corte, iniciando sua fala na língua originária do povo Wapichana. “Não fiz história só na minha vida, mas também na dos povos indígenas que nunca tinham visto uma defesa ser feita por nós mesmos”, pondera Joenia. A decisão do STF reconheceu mais de 1,7 milhões de hectares destinados à proteção de cinco etnias daquele território, beneficiando quase 20 mil indígenas.
Trajetória de esperança
Logo cedo Joenia aprendeu valores como coletividade, coragem e proteção do meio ambiente. Desde de criança ouvia os mais velhos trazerem à memória a avó materna, que morrera de tristeza. Levada para trabalhar em uma fazenda, a matriarca ancestral de Joenia fora obrigada a ficar calada, pois o fazendeiro dono da terra a proibira de falar na sua língua originária. Deprimida por não conseguir se comunicar no idioma do homem branco, tornara-se mais uma vítima da angústia que ainda hoje se abate sobre jovens indígenas submetidos ao julgo cultural da sociedade envolvente, dita civilizada.
A avó materna, Joenia não a conheceu. Mas tem o relato histórico como um dos episódios violentos vivenciados por sua família no contato secular e predatório com os colonizadores. Um processo que, segundo avalia a presidenta da Funai, é a realidade atual de tantas outras famílias indígenas. Sejam famílias aldeadas, sejam famílias lançadas à sobrevivência nas periferias. Ou mesmo famílias inteiras prestes a morrer de fome por causa do garimpo. Sejam famílias confinadas em reservas exíguas, sejam acampadas nas margens de rodovias, à espera pela demarcação de seus territórios ancestrais.
Os avós paternos de Joenia são fundadores da comunidade onde ela nasceu. Onde começou a entender a importância da terra para seu povo, e a fortalecer a ligação com suas origens. Distante dos recursos da cidade, sua mãe, sempre preocupada com o acesso dos filhos à educação, decide se mudar para Boa Vista e levar a filha. Joenia havia recém completado oito anos de idade. Lá, a pequena indígena aprende rápido a falar a língua portuguesa. Logo se interessa pelos estudos, sem perder a relação com seu território, pois tinha o lar da mãe na cidade e a casa do pai na aldeia.
Depois de concluir o ensino médio, Joenia passa a trabalhar em um escritório de contabilidade durante o dia. À noite cursa a faculdade de Direito na UFRR, cujo ingresso se dá pela conquista do quinto lugar no processo seletivo do respectivo curso. Sua formatura acontece no ano de 1997, mesmo tendo se casado e optado pela maternidade durante os tempos de estudante universitária.
Joenia conta que foi desafiante terminar um curso superior em uma cidade acostumada a tratar os indígenas de forma pejorativa, onde o indígena era aquele que só servia para ser empregado e inferior. Por isso [estudar Direito] “foi uma decisão embasada na injustiça que eu via acontecer com os povos indígenas”, afirma Joenia. Após a graduação, veio o mestrado na Universidade do Arizona, Estados Unidos. “Usei a minha faculdade e tudo que aprendi para advogar na defesa dos povos indígenas, dos direitos humanos e do meio ambiente”, resume Joenia.
Liderança política
Joenia se aproximou do movimento indígena ainda quando trabalhava na UFRR no atendimento a indígenas que buscavam orientação para defesa de seus territórios. Após se tornar advogada, Joenia criou um programa de operadores do direito para levar informações jurídicas às aldeias. Entre as pautas, o programa defendia temas como a luta contra a monocultura do arroz, a poluição dos rios e a destruição de matas ciliares nas Terras Indígenas.
Joenia relata que sua escolha para ser uma das representantes dos povos indígenas na Câmara dos Deputados, a partir de 2019, contou com a participação de muitas lideranças indígenas. Sua candidatura foi abraçada por todos os povos do estado de Roraima que se mobilizaram para eleger a primeira mulher indígena do parlamento brasileiro. Seu nome foi aceito por unanimidade. “Eu lembro que falei no discurso que aceitava, mas não queria estar sozinha porque era um desafio muito grande”, relembra Joenia.
Atuação parlamentar
Ao tomar posse na Câmara dos Deputados em 2019, sua primeira providência como Deputada Federal foi reverter a Medida Provisória nº 870/2019, publicada pelo governo de Jair Bolsonaro, presidente eleito no ano anterior. A intenção do mandatário era retirar a Funai da competência do Ministério da Justiça, transferindo-a para o Ministério da Agricultura e Abastecimento. O que Joenia avaliou como uma grande desestruturação. Com o apoio da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, nos quatro anos seguintes o órgão indigenista permaneceu na pasta da Justiça.
Já durante a pandemia de covid-19, Joenia se posicionou de forma firme em relação à omissão e inépcia de parte das autoridades diante da disseminação da doença entre a população. “No momento mais vulnerável da saúde, fizemos um projeto de lei para o enfrentamento à covid-19 que não ficou relacionado somente aos povos indígenas. Vieram conosco os quilombolas, os ribeirinhos, as comunidades tradicionais. Isso é o mais gratificante”, avalia Joenia. O projeto de lei resultou na Lei nº 14.021/20, que obrigou o Governo Federal a criar um plano nacional de emergência para combater a pandemia.
Reconhecimento
Em 2010, Joenia é condecorada com a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura. Em 2018, recebe o prêmio de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Durante o mandato, recebe a Medalha Myrthes Gomes de Campos pela Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF) como primeira advogada indígena do país. Em 2019, 2020 e 2022 recebe o Prêmio Congresso em Foco na categoria Clima e Sustentabilidade. É a vencedora na categoria Mulheres na Política em 2021, sendo a parlamentar mais bem avaliada no Congresso Nacional pelo júri especializado da premiação em 2022.