Povos de Recente Contato
A Funai considera "de recente contato" aqueles povos ou grupos indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermiente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias, e que definem sua relação com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia.
Ao longo dos séculos foi imposto aos povos indígenas um processo forçado de atração, contato e sedentarização, com vistas à sua proteção, que atendia também aos projetos de colonização regional para ocupação de áreas no interior do país.
Neste sentido, o Estatuto do Índio (Lei 6001/73) baseava-se na perspectiva de transitoriedade desses povos, com a "superação da condição indígena", por meio de sua integração ao modo de vida da sociedade nacional. Os indígenas eram categorizados segundo seu "grau de integração", de acordo com conceitos vigentes à época.
Todavia, em 1987 teve início a implantação de uma política diferenciada para povos indígenas isolados, com o objetivo de fazer respeitar seus modos de vida, afastando-se a concepção de obrigatoriedade do contato para sua proteção.
Superaram-se assim os ideários assimilacionistas até então vigentes, passando-se a prever o reconhecimento e a garantia da organização social, costumes, línguas, crenças, territorialidade e tradições dos povos indígenas, no âmbito do Estado democrático e pluriétnico de direito.
Hoje se observa que a aplicação de políticas assistencialistas e/ou universalizantes voltadas a alguns povos com contato recente produz efeitos colaterais desagregadores, especialmente para os povos que mantêm firmes suas formas de organização social e dinâmicas próprias de relações com o Estado e a sociedade nacional, motivando a formulação e a aplicação de políticas públicas diferenciadas, que propiciem, de forma condizente com estas especificidades, o acesso desses povos aos seus direitos sociais enquanto cidadãos brasileiros.
Constata-se que a vulnerabilidade física e sociocultural desses povos indígenas surge, ou é reforçada, em face da situação de contato e se agrava com:
• a ausência de ações diferenciadas e específicas de atenção à saúde e prevenção de doenças infectocontagiosas;
• a introdução de sistemas educacionais que não estão embasados em modelos metodológicos diferenciados e específicos, ou seja, que não atendem a uma relação de reconhecimento de outras formas de alteridade;
• a presença de missionários que desenvolvem o proselitismo religioso nas terras indígenas;
• a introdução de dinâmicas de uma economia de mercado e de consumo sem um processo de escuta aos povos indígenas quanto às expectativas e perspectivas dessas novas relações ou um acompanhamento que busque a valorização de suas próprias formas de organização socioeconômica.
Nesse cenário, o efetivo respeito às dinâmicas sociais indígenas em suas relações com a sociedade nacional exige que o Estado encare o desafio de implementar uma política indigenista não-assimilacionista, pautada na defesa de direitos dos povos indígenas, observadas as singularidades dos diversos grupos.
A nova estrutura da Funai, a partir do Decreto 7056/2009, substituído pelo 7778/2013, se insere no enfrentamento desse desafio de consolidar uma nova política indigenista com fundamento nos preceitos constitucionais.
Desse modo, o desafio da Funai no momento é avançar na consolidação de uma política de proteção para povos indígenas de recente contato, coordenando e articulando ações – junto aos povos indígenas de recente contato, órgãos públicos e instituições da sociedade civil – para mitigar a situação de vulnerabilidade a que estão expostos e assegurar as condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Atualmente, a Funai coordena e apoia ações de proteção e promoção de direitos em 36 terras indígenas onde vivem grupos indígenas de recente contato como os Zo'é, Awa Guajá, Avá Canoeiro, Akuntsu, Kanôe, Pirahã, Arara da TI Cachoeira Seca, Araweté, Suruwaha, Yanomami, dentre outros.