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Foto: Acervo/Funai
Publicada em dezembro de 2024, a Resolução Conjunta nº 12/2024 representa um avanço para assegurar a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas consolidadas pela Constituição Federal de 1988, que garante o livre e pleno exercício da cidadania e possibilita a busca por direitos de forma independente. Esse é o entendimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) acerca da norma que, entre outros dispositivos, assegura o direito ao nome indígena e traz o fim da exigência do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) e da presença da Funai como forma de comprovar informações apresentadas por indígenas.
Para divulgar a implementação da norma, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em conjunto com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), haverá uma cerimônia solene, na terça-feira (8) em Brasília, a partir das 16h, no CNJ. Na cerimônia, a presidenta da Funai vai incluir “Wapichana” — nome de seu povo — ao registro civil de nascimento. Com isso, passará, oficialmente, a se chamar Joenia Wapichana Batista de Carvalho.
A Resolução Conjunta nº 12/2024 possibilita o registro do nome conforme a escolha dos indígenas. Assim, fica permitido incluir a etnia, o grupo, o clã e a família indígena a qual pertence, como vai fazer a presidenta da Funai. Essas informações poderão constar no documento mediante solicitação dos que se declararem indígenas, inclusive em grafia na língua indígena, caso desejado. A norma é fruto de articulação da Coordenação-Geral de Promoção aos Direitos Sociais (CGPDS) da Funai para atualizar a Resolução Conjunta 03/2012.
Com isso, a resolução assegura o reconhecimento constitucional étnico dos povos indígenas ao garantir o direito ao nome na língua indígena. Para a Funai, trata-se de uma resposta, ainda que tardia, das instituições de Estado ao processo de colonização europeia no Brasil, marcado pela repressão violenta às culturas, línguas e tradições dos povos originários, no qual uma das medidas adotadas para “civilizar” os indígenas foi a imposição de sobrenomes portugueses, o que resultou em um racismo estrutural histórico.
A resolução trata também sobre o registro civil de nascimento de pessoas que se declaram indígenas e prevê novo fluxo para registro tardio. Com a atualização, a norma reforça a autodeterminação dos povos indígenas ao eliminar de vez a obrigatoriedade de apresentação do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI), bem como a presença da Funai quando houver dúvida acerca do pedido de registro de nascimento tardio ou não de indígenas. A medida reafirma a independência dessa parcela da população e o fim do regime de tutela, não recepcionado pela Constituição de 1988.
A Funai, como orientadora e principal executora da política indigenista, tem atuado na articulação com as instituições prestadoras de serviços públicos para orientar sobre o tema, reforçando a capacidade civil dos indígenas, bem como o fato de que não podem ser impostas barreiras no acesso a direitos com base na exigência de um documento desnecessário. Para isso, a autarquia tem promovido ações conjuntas, como é o caso da atualização da resolução, em parceria com o CNJ e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).
Também foram organizadas redes de direitos sociais nos locais com o maior índice de sub-registros envolvendo todos os órgãos responsáveis pela emissão de documentos civis para manter o diálogo e, assim, destacar que o índigena não precisa de RANI e que a Funai não exerce tutela sobre os povos. Isso significa que as informações prestadas pelo indígena ao órgão competente pela emissão ou alteração de documentos devem ser aceitas, conforme determina a Resolução Conjunta nº 12/2024.
A Funai também tem orientado as Coordenações Regionais (CRs) da autarquia com o objetivo de ampliar a articulação e o diálogo com as demais instituições e, assim, buscar uma mudança de postura para que aceitem as autodeclarações dos indígenas, respeitando sua autonomia e autodeterminação.
O RANI é um documento administrativo que, por muitos anos, foi fornecido pela Funai com base no Estatuto do Índio (Lei 6001/1973), que estabelece a necessidade do documento para o registro civil de indígenas, o que dificultava o acesso dessa parcela da população a um direito básico: registrar seus filhos.
Isso porque após o nascimento de uma pessoa indígena a família tinha que solicitar a Declaração de Nascido Vivo (DNV) no hospital, mas precisava ir a uma unidade regional da Funai solicitar o RANI para só então ir ao cartório fazer o registro civil da criança — diferente do que acontece com não indígenas que conseguem fazer todo o procedimento sem sair do hospital. Essa burocratização do processo somada às dificuldades estruturais da Funai para esse atendimento representava uma barreira no acesso a direitos básicos. O fim da exigência, portanto, garante maior eficiência na prestação de serviços públicos aos indígenas.
Com a previsão no Estatuto do Índio, órgãos públicos prestadores de serviços diversos também passaram a exigir o RANI como um documento condicionante para que os indígenas pudessem acessar, por exemplo, a política de cotas em universidades, a retificação de documentos, direitos previdenciários, entre outros.
Ocorre, no entanto, que o RANI deixou de ser uma exigência como forma de reconhecimento étnico após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que não recepcionou o regime de tutela — antes a cargo da Funai — e reconheceu a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas. O texto constitucional também garantiu os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e consagrou a autonomia desses povos ao estabelecer que os indígenas, suas comunidades e organizações têm legitimidade para entrar na Justiça para defender seus direitos e interesses.
Assim, não há órgão, entidade ou instituição que tenha o poder de atestar, declarar, certificar, validar, confirmar ou ratificar a origem de qualquer cidadão enquanto indígena. Após a Constituição, o RANI continuou a ser emitido pela Funai devido ao costume, de modo a garantir que o fim da emissão do documento não prejudicasse o acesso dos indígenas a direitos. A exigência do documento, contudo, não tem respaldo legal e estimula práticas tutelares e discriminatórias contra os povos indígenas. A Funai entende que o regime de tutela está superado e cabe ao Estado garantir aos povos indígenas o pleno exercício da cidadania sem a imposição de barreiras.
A autarquia indigenista reforça que órgãos e entidades dos governos Federal, estaduais, distrital e municipais não podem exigir o RANI como pré-requisito para possibilitar aos povos indígenas o exercício da cidadania, considerando, inclusive, a repartição de competências trazida na CF, que atribui à União, estados Distrito Federal e municípios o dever de promover e proteger os direitos dos povos indígenas, assim como de qualquer cidadão e cidadã do país.
Com a redistribuição das competências, a Funai assume o papel de orientadora e executora da política indigenista, mas não a única. O texto constitucional, ao estabelecer a autonomia e cidadania dos povos indígenas, elimina a visão equivocada de que os povos indígenas devem ser tutelados e “inseridos” na sociedade. A Funai destaca que a Constituição Federal amplia o entendimento de que ser indigenista não é dever de apenas um órgão, como é o caso da Funai, mas sim de todo o Estado brasileiro — o que abrange toda a sua estrutura, incluindo os entes federativos com seus órgãos e entidades. Ou seja, se um cartório atende um indígena, por exemplo, ele também exerce a função indigenista.
Assessoria de Comunicação/Funai