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Manifestação indígena servirá de subsídio para posição brasileira na Conferência Diplomática de Genebra
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) enviou, na última sexta-feira (12), ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) o documento intitulado “Protegendo Saberes, Fazeres, Sabores e Dizeres para o Futuro da Sociobiodiversidade Indígena”, apresentado pelos povos indígenas brasileiros e que servirá de subsídio à posição do país na Conferência Diplomática da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), realizada entre os dias 13 e 24 de maio, em Genebra, na Suíça. Cabe ao MPI formalizar a manifestação junto ao Ministério das Relações Exteriores (MRE).
A Conferência contará com a presença de representantes indígenas, segundo a diretora de Administração e Gestão (Dages) da Funai, Mislene Metchacuna. “Será a primeira vez que um representante indígena irá participar da delegação brasileira na Conferência. A expectativa dos povos indígenas é que resulte um marco legal internacional de Proteção ao Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas, cuja preservação é parte integrante da missão do Museu do Índio (que em breve terá seu nome alterado)”, afirma Mislene.
Os povos sugerem na declaração algumas alterações na proposta básica para o futuro instrumento legal internacional. Entre as principais reivindicações destacam-se a previsão de mecanismos e sanções rigorosas para o descumprimento e violação de direitos; a imposição de que seja assegurado o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e comunidades locais na criação de base de dados no âmbito de proteção defensiva; que seja prevista proteção de conhecimentos tradicionais; e que o futuro instrumento internacional em negociação na Conferência Diplomática reconheça e incorpore a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas como mínimo legal.
O documento foi aprovado por lideranças dos seis biomas brasileiros após uma série de debates promovidos pelo Museu do Índio durante o seminário internacional “Povos indígenas e diversidade cultural: saberes, fazeres e biodiversidade - Como Proteger Para o Futuro?”, realizado entre os dias 8 e 10 de abril, no Rio de Janeiro. Treze organizações de todo o país referendaram o documento. O evento debateu os direitos de propriedade intelectual sobre conhecimentos tradicionais, recursos genéticos e expressões culturais tradicionais dos povos indígenas.
A diretora de Administração e Gestão da Funai participou do seminário e destacou a importância da presença indígena nos debates sobre o tema, em um contexto de crescimento da apropriação de conhecimentos e recursos genéticos tradicionais sem o devido reconhecimento aos povos indígenas.
“A Funai, através de suas unidades descentralizadas e seu órgão científico-cultural que é o Museu do Índio, vem envidando todos os esforços necessários para viabilizar espaços que garantam a participação indígena em tudo que lhes digam respeito, promovendo assim a cidadania indígena e fortalecimento de seus protagonismos”, pontua a diretora.
O documento
Entre outros pontos, os povos indígenas reivindicam que os países reconheçam e reafirmem a urgência e a importância da implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas no preâmbulo do Instrumento Jurídico Internacional relativo à Propriedade Intelectual, aos Recursos Genéticos e os Conhecimentos Tradicionais Associados aos Recursos Genéticos.
Além disso, destacam que suas “culturas, expressões culturais, diversidade linguística, conhecimentos tradicionais e recursos genéticos, incluindo conhecimentos e recursos transfronteiriços, não são patrimônio da humanidade, de livre exploração e comercialização e, tampouco, dos Estados nacionais. São patrimônios dos povos indígenas e, como tal, devem ser reconhecidos e protegidos”.
Confira a íntegra do documento:
PROTEGENDO SABERES, FAZERES, SABORES E DIZERES PARA O FUTURO DA SOCIOBIODIVERSIDADE INDÍGENA
Uti ainovo kopenoti Ko’ati vituke ra’ exóneti
(Tradução na língua Terena: Evanisa Terena e Chrystian Albuquerque Julio)
“Nós, Povos Indígenas, somos a própria propriedade intelectual.”
(Mariazinha Baré, 2024)
Nós, Povos Indígenas, filhas e filhos da terra, dos biomas Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, reunidos no Caucus dos Povos Indígenas do Brasil, entre os dias 08 e 10 de abril de 2024, na Fundação Casa de Rui Barbosa, na cidade do Rio de Janeiro – RJ, para celebrar as conquistas, ocupações de espaços históricos fruto da resistência ancestral, que têm suas raízes na diversidade de povos que brotam dos nossos territórios e mantêm vivas nossas culturas, saberes, fazeres, sabores, dizeres e encantarias, os quais têm sido apropriados e expropriados por meio do uso indevido e não autorizado de mecanismos de propriedade intelectual.
Nossos povos não falam as línguas das Nações Unidas, ela é estranha para nós. Somos falantes de 274 línguas maternas vivas, que estão em risco de desaparecimento. Em 2001, nossos pajés afirmaram na Carta de São Luís, que nossos conhecimentos são coletivos, não são uma mercadoria que pode ser comercializada como qualquer produto no mercado e não se separam de nossas identidades, leis, instituições, sistemas de valores de da nossa visão cosmológica como povos indígenas.
Nossas culturas são atemporais, não têm prazo de validade e só são suscetíveis à aplicação do conceito de domínio público quando respeitados os princípios do consentimento livre, prévio e informado e da justa e equitativa repartição dos benefícios.
O sistema de propriedade intelectual deve ser aperfeiçoado para garantir inclusão e segurança jurídica, em respeito à sociodiversidade cultural, mediante a incorporação e aplicação dos princípios já consagrados no sistema internacional dos direitos humanos.
O sistema de propriedade intelectual indígena é milenarmente construído no sentido de pertencimento, de identidade, de cosmovisão sociocultural e espiritual, de valorização e relação filial com a natureza, com base em princípios coletivos não economicistas, o que diverge do sistema de propriedade intelectual não indígena vigente.
Enfatizamos que nossas culturas, expressões culturais, diversidade linguística, conhecimentos tradicionais e recursos genéticos, incluindo conhecimentos e recursos transfronteiriços, não são patrimônio da humanidade, de livre exploração e comercialização e, tampouco, dos Estados nacionais. São patrimônios dos povos indígenas e, como tal, devem ser reconhecidos e protegidos.
Nossos modos de vida propiciam a criação, desenvolvimento, melhoramento genético, inovações, salvaguarda, manutenção de práticas tradicionais, conhecimentos e recursos genéticos, promovendo a integração e interação humanidade e natureza, garantindo a perpetuação da vida na Terra e a continuidade física e cultural de cada povo.
Em sendo bens de propriedade coletiva e na qualidade de proprietários, devemos ser consultados sobre toda e qualquer ação que venha impactar nossa organização sociocultural e nosso direito de propriedade intelectual, se fazendo necessário respeitar e cumprir o que prevê a legislação de proteção aos bens e recursos naturais, culturais e genéticos.
Os instrumentos internacionais, os permissivos constitucionais, infraconstitucionais e normativos brasileiros, notadamente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); a Constituição Federal de 1988; a Lei federal nº 13.123/2015 e o Decreto federal nº 8.772/2016 reconhecem os direitos dos povos indígenas e determinam a realização de procedimentos que respeitem o direito de manifestação sobre o que impacta nosso modo de vida, cultura, conhecimentos, territórios e todos os bens e recursos naturais neles existentes.
Dessa forma, se faz necessário que a comunidade internacional cumpra, proteja, realize investimentos em programas de autoria protagonizados por povos indígenas e resguarde os direitos de propriedade intelectual dos povos indígenas, com o objetivo de cessar o espólio de nossos direitos e a exploração dos nossos conhecimentos e saberes, para além das fronteiras nacionais, reconhecendo nossa participação efetiva na construção sociocultural e bioeconômica.
Do exposto, nós, povos indígenas e nossas organizações ora reunidos, manifestamos perante os Ministros dos Estados Partes na “Conferência Diplomática para a Celebração de um Instrumento Jurídico Internacional relativo à Propriedade Intelectual, aos Recursos Genéticos e os Conhecimentos Tradicionais Associados aos Recursos Genéticos”, no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a ser realizada na cidade de Genebra, entre os dias 13 e 24 de maio de 2024, que é inegociável a participação ampla dos povos indígenas e das comunidades locais, para decidir, no presente, sobre os nossos saberes, os nossos fazeres e o futuro das nossas culturas.
Em referência ao documento GRATK/DC/3, é imperioso que os países reconheçam e reafirmem a urgência e a importância da implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas no preâmbulo do futuro instrumento:
Art. 2º Consideramos que na lista de termos é importante a inclusão do conceito de “proteção de conhecimentos tradicionais confidenciais”;
Art. 3º O requisito de divulgação deve ter um escopo que proteja de forma ampla e integral os conhecimentos tradicionais e recursos genéticos conservados e melhorados pelos povos indígenas e comunidades locais;
Art. 4º As exceções e limitações a serem estabelecidas no futuro instrumento deverão respeitar os direitos de consulta aos povos indígenas e comunidades locais, bem como o consentimento livre, prévio e informado;
Art. 6º Os povos indígenas e comunidades locais exigem que o futuro instrumento internacional inclua mecanismos e sanções rigorosas para o descumprimento e violação de direitos. Face à legislação nacional brasileira sobre conhecimentos tradicionais e recursos genéticos, recomendamos a supressão do parágrafo 6.3 por representar retrocesso legal e redução de direitos vedados pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas;
Art. 7º Os povos indígenas e comunidades locais do Brasil reafirmam a imprescindibilidade de um instrumento internacional que promova a proteção positiva dos direitos dos povos indígenas à propriedade intelectual, aos conhecimentos tradicionais e recursos genéticos que temos mantidos como as áreas mais importantes da biodiversidade do nosso país. Assim, reiteramos que a criação de base de dados no âmbito de proteção defensiva deverá assegurar o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e comunidades locais;
Art. 8º Reiteramos que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas é o mínimo legal a ser reconhecido e incorporado no futuro instrumento internacional em negociação na Conferência Diplomática;
Arts. 9º e 15 O monitoramento, exame e a revisão do alcance e conteúdo do futuro instrumento, após quatro anos de sua entrada em vigor, deverão ser realizados com participação ampla, plena e efetiva dos povos indígenas e comunidades locais;
Art. 11 A Assembleia incluirá a participação ampla e efetiva dos povos indígenas e comunidades locais em todos os grupos de trabalhos e outros assuntos relacionados com o trabalho da Assembleia. Os povos indígenas e as comunidades locais terão a condição de observadores, tal como definido no regulamento geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Cada reunião da Assembleia incluirá na ordem do dia um ponto permanente na agenda para as apresentações dos representantes dos povos indígenas e comunidades locais. A Assembleia poderá solicitar à Oficina internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual que conceda assistência financeira para permitir a participação dos povos indígenas e comunidades locais;
Senhores Ministros, o sistema de propriedade intelectual não pode seguir sendo um mecanismo de apropriação dos nossos saberes, fazeres, culturas alimentares, recursos genéticos, diversidade linguística, tecnologias, rituais, curas e medicinas tradicionais, manifestações culturais, inovações e práticas que integram nosso sagrado e a espiritualidade que sustenta nossas organizações sociais.
Nós, povos indígenas e comunidades locais, exigimos o reconhecimento dos nossos direitos de propriedade intelectual sobre os conhecimentos tradicionais, recursos genéticos e expressões culturais tradicionais, herança dos nossos filhos, essência e inspiração das nossas culturas.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Associação de Povos Indígenas do Amazonas (APIAM)
Articulação de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC)
Conselho Nacional das Mulheres Indígenas (CONAMI)
Federação do Povo Huni Kui do Acre (FEPHAC)
Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI)
Instituto Socioambiental e Cultural INU (Instituto INU)
Instituto Kaingáng (INKA)
Koletivo UrussuMirim
Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA)
Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá
Rádio Yandê
Assessoria de Comunicação/Funai
Com informações do Museu Nacional dos Povos Indígenas