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Funai 57 anos: o órgão indigenista e indígena do Estado brasileiro
Foto: Lohana Chaves/Funai
A primeira presidenta indígena da história, diretoras indígenas, 36 das 39 Coordenações Regionais (CRs) comandadas por indígenas e a inédita reserva de 30% de vagas efetivas no seu concurso público. Esses são alguns dos avanços históricos vivenciados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que completa 57 anos de existência nesta quinta-feira (5). A Funai é a principal responsável pela execução, promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas dentro da estrutura do Estado brasileiro.
A histórica conquista da representatividade indígena na Funai começou em 2023, quando a atual presidenta, Joenia Wapichana, tomou posse em uma cerimônia que marcou a presença definitiva dos povos indígenas à frente da gestão do órgão indigenista. Joenia passou a gerir a instituição com a perspectiva de fortalecer a autonomia e protagonismo indígena, anulando de vez a defasada ideia de tutela desta autarquia sobre os povos indígenas e ressaltando a diversidade étnica, linguística e cultural que precisa ser considerada e respeitada pelo Estado brasileiro para, de fato, efetivar e garantir a inclusão dos cidadãos indígenas nas políticas públicas.
Outra característica da gestão indígena à frente da Funai, foi a oportunidade dos próprios povos e organizações escolherem e indicarem indígenas para ocuparem cargos de gestores das unidades descentralizadas da Funai, considerando os perfis técnicos, mas também a experiência e o conhecimento tradicional acerca dos territórios e de cada um dos povos indígenas. A presença indígena na gestão da autarquia indigenista não se restringe às CRs. A sede da instituição, em Brasília, também conta com indígenas ocupando diferentes funções na estrutura administrativa. É o caso das diretoras de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Lucia Alberta, do povo Baré, e de Administração e Gestão, Mislene Metchacuna, do povo Ticuna. O Museu do Índio, órgão científico-cultural da Funai, com sede no Rio de Janeiro, também é gerido por uma indígena, a diretora Fernanda Kaingang, do povo Kaingang.
A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, defende a construção e execução da política indigenista em conjunto com os povos indígenas de forma qualificada. Ela destaca a importância do diálogo entre a instituição e as comunidades para assegurar os direitos indígenas e seus conhecimentos tradicionais, que são essenciais para a reconstrução da política indigenista e o fortalecimento da Funai.
“A gestão indígena veio para afirmar o interesse dos povos indígenas em ocupar todos os espaços, mas, principalmente, contribuir para a reconstrução da Funai. Essa presença na gestão do órgão reafirma que os povos indígenas têm capacidades técnicas para ocupar qualquer espaço, inclusive para o fortalecimento da instituição, como protagonistas. A gestão indígena vem justamente para somar todos os esforços e trazer a participação indígena nessa reconstrução e nas discussões internacionais”, frisa a presidenta da Funai.
O sonho da gestão indígena
Criada no dia 5 de dezembro de 1967, a Funai nasceu como um órgão tutor dos povos indígenas. O regime tutelar, entretanto, foi barrado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando prevaleceu o entendimento de que os indígenas são cidadãos munidos de direitos e devem ter seus territórios, culturas e tradições respeitados.
A gestão indígena da Funai é considerada uma conquista histórica tanto para os povos indígenas quanto para os servidores. Artur Nobre Mendes, atual coordenador-geral de Gestão Estratégica da instituição, trabalha na autarquia há 41 anos. Ele conta que quando entrou, em 1983, a Funai ainda exercia o papel de tutela sobre os povos indígenas, o que levava os servidores ao questionamento sobre quando a direção seria ocupada por indígenas.
“A gestão indígena da Funai sempre foi um sonho. Quando entrei na Funai, a gente [servidores] sempre conversava sobre quando chegaria o dia em que os indígenas assumiriam a direção da Funai. Era uma certeza que isso aconteceria um dia, mas a gente não sabia quando. O fato de hoje termos uma presidenta indígena e muitos coordenadores regionais indígenas é um passo importante e, talvez, seja a primeira experiência que possa nos levar a finalmente dizer que entregamos a Funai para os indígenas, que era o sonho de todos os indigenistas da Funai”, lembra Artur Nobre.
Diálogo
A representatividade indígena na atual gestão reflete no respeito aos territórios, culturas, tradições e modos de vida dos mais de 305 povos indígenas que vivem no Brasil. Assim, a Funai ampliou o diálogo com os povos, os quais são recebidos e ouvidos pela presidenta, diretoras e servidores na sede da autarquia em Brasília e, também, nos territórios. Isso porque uma marca da atual gestão é a presença nas comunidades, com a alta direção percorrendo territórios em diversas partes do país para qualificar o diálogo e articular políticas públicas junto a outros órgãos com base no princípio de consulta prévia às comunidades.
Coordenações Regionais
A Funai também se qualificou para aprimorar a comunicação com os coordenadores regionais. Entre as principais ações está o retorno à estrutura do órgão de uma assessoria focada em estabelecer pontes entre as Coordenações Regionais e a Presidência do órgão. O assessor responsável, Martinho Alves de Andrade Júnior, defende que os povos indígenas precisam estar cada vez mais presentes nos diálogos para a construção e aprimoramento de políticas públicas. Para ele, isso passa por uma comunicação efetiva entre a direção da Funai e as unidades descentralizadas.
“Estamos vivendo um momento muito importante de gestão compartilhada em que a presidenta convidou outros indígenas para fazerem parte deste órgão indigenista do Estado brasileiro, com a missão institucional de promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas. Assim, a Funai está inserida nas terras indígenas e os indígenas inseridos como cidadãos brasileiros, sujeitos de seu próprio destino e partícipes dessas políticas. Eles precisam estar cada vez mais presentes neste diálogo e a presença dos gestores indígenas é fundamental”, pontua.
Em maio do ano passado, Maria do Rosário, indígena do povo Baniwa, também conhecida como Dadá Baniwa, tomou posse como a nova coordenadora da unidade da Funai na região do Rio Negro, no Amazonas. A área de atuação da CR Rio Negro abrange os municípios de São Gabriel da Cachoeira (AM), Santa Isabel do Rio Negro (AM) e Barcelos (AM). Nesse período, Dadá observou que a gestão indígena aprofundou a relação da Funai com os povos indígenas. Ela conta que um dos principais avanços é a aproximação da autarquia com as comunidades.
“Uma gestão indígena à frente da Funai e das Coordenações Regionais têm facilitado o trabalho dentro dos territórios porque são indígenas que conhecem a realidade de cada território, os desafios, as necessidades e os anseios dos parentes de cada povo. Hoje, a Funai está muito mais presente nas comunidades, nas reuniões, nas assembleias, nos seminários dentro dos territórios e até mesmo na relação com os municípios, com o estado e a nível internacional”, observa a coordenadora.
O líder indígena Ubiratã Gomes, do povo Tupi, é o atual coordenador da CR Litoral Sudeste, que atende indígenas dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Para ele, a representatividade na Funai significa um aprimoramento da política indigenista de forma mais humanizada.
“Enquanto lideranças indígenas, conhecemos mais do que ninguém os problemas e acredito que a função de um coordenador é justamente buscar meios para resolver os problemas dessas comunidades e trazer dignidade e qualidade de vida. Por conta disso, por meio das interlocuções com os estados e parcerias interinstitucionais, a gente pode, de alguma forma, levar as políticas públicas que as comunidades tanto necessitam”, pontua.
Concurso Público
Outra medida para ampliar o número de indígenas na Funai foi a adesão ao Concurso Público Nacional Unificado (CPNU). O certame abriu 502 vagas para diversos cargos, com uma reserva de 30% para os povos indígenas pela primeira vez na história da instituição. A Funai já solicitou a abertura de outras 700 vagas para preencher os cargos que precisam ser recompostos em razão da aposentadoria de mais de 500 servidores. Ao todo, 9.339 indígenas se inscreveram para as vagas na Funai, com 6.641 candidatos concorrendo a posições de nível médio e 2.698 a cargos de nível superior. A medida reflete o compromisso do da Funai em ampliar a participação indígena na formulação de políticas públicas para os povos originários.
Assessoria de Comunicação/Funai