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Audiência Pública
Resistência para existência: Funai participa de seminário sobre o povo Guarani
Uma Audiência Pública destinada à discutir o tema “A História do Povo Guarani: resistência para existência” contou com a participação virtual da diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS), Lucia Alberta Andrade, representando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), na última segunda (28).
A realização do evento foi aprovada pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais e é uma resposta ao requerimento de autoria da Deputada Célia Xakriabá (PSOL/MG). O evento ocorreu na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Também participaram da Audiência a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, as deputadas federais Juliana Cardoso (PT/SP) e Luciene Cavalcante (PSOL/SP); a cacica Maria Guarani Mbyá, o cacique Márcio Guarani Mbyá, dentre outras autoridades e representações.
A audiência teve como justificativa promover o debate sobre a situação dos povos indígenas brasileiros diante de ameaças como o marco temporal, com foco na situação do povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá; elencando os desafios da perpetuação da cultura dos povos originários e da demarcação de terras tradicionais diante da falta de compreensão por parte de autoridades governamentais.
O debate teve como origem a repressão abusiva da Polícia Militar do Estado de São Paulo sofrida pelo povo Guarani Mbya da Terra Indígena Jaraguá que, em 30 de maio, realizou uma manifestação religiosa coletiva em oposição à aprovação do Projeto de Lei nº 490/2007, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil.
Lucia Alberta falou sobre a ida recente de Joenia Wapichana a São Paulo em uma agenda junto com a ministra Sonia Guajajara, e afirmou que o fato de a Funai ter, atualmente, uma presidenta indígena já é um grande avanço nesse momento histórico pelo qual passa o país. A diretora da Funai também apontou que a desestruturação pela qual passava o órgão deu forças para que a nova gestão pudesse lutar pela demarcação. “Temos acompanhado a situação de insegurança que os povos indígenas de São Paulo vivem. Temos que estar muito fortalecidos, junto com vocês, para minimizar esses conflitos e invasões que as comunidades têm sofrido, pois a terra indígena tem que ser de cada parente. Temos atuado, na Funai, para garantir mais recursos para implementar a Política Nacional de Gestão Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) para que vocês possam fazer a gestão de seus territórios como estão planejando”.
A diretora da DPDS também falou da importância de uma política indigenista dialogada e que chegue nas terras indígenas. “Essa resistência e essa resiliência do povo Guarani e de outros povos que vivem em São Paulo são um exemplo, assim como a própria Funai, que também vem lutando para ser fortalecida. Com a Funai fortalecida, as TIs terão sua garantia, sua efetividade e plenitude para a vida dos povos indígenas”, declarou.
Presente na audiência, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou que, quando são tramitados projetos de lei como o 490/07, isso acaba aumentando o conflito nos territórios e promovendo a violência, como foi o caso da repressão à manifestação dos Guarani. “Isso foi muito grave. Temos que, juntos, encontrar formas para pressionarmos a segurança pública para que se crie uma política de segurança específica para os povos indígenas de São Paulo”, apontou.
A deputada Juliana Cardoso lamentou a ausência de representantes da Secretaria de Segurança Pública na audiência e fez um apelo aos presentes e espectadores. “Chega de tanta morte, a gente quer demarcação indígena já. A gente quer que esse marco temporal saia da pauta e que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha coragem de, rapidamente, demonstrar que a luta e a terra são do povo indígena”.
A importância da audiência pública e da mobilização de todos contra o marco temporal também foi defendida pela deputada Luciene Cavalcante. “A gente está aqui hoje reunido para defender o direito à terra. Para defender uma outra história para o nosso país. Que possamos construir aqui uma moção de repúdio a esse ato de não diálogo e de violência contra os Guarani”, declarou.
A cacica Maria Guarani Mbyá relatou o histórico de violência e insegurança sofrido pelo seu povo e os impactos do marco temporal para os povos indígenas. “É interessante ouvir que nossa história começa em 1988 sabendo que a gente já vem trazendo a luta da resistência há 1523 anos. Não nascemos em 1988”, afirmou a liderança.
“São Paulo é uma terra tão repleta de biodiversidade e, ao mesmo tempo, tão violenta. Para nós, indígenas, falar de violência é algo muito doloroso, pois ainda acreditamos que ela vai cessar contra o nosso povo, que passa por um processo muito difícil de convivência com os não indígenas. Tentamos proteger nosso território com ações de reflorestamento, trabalhos de bioconstrução e tentando motivar a comunidade a continuar com esses trabalhos. Mesmo assim, os não indígenas sempre nos atingem de forma muito agressiva”, desabafou o cacique Márcio Guarani Mbyá, afirmando que a única forma de garantir a segurança do território é com a demarcação.
Entenda o caso
A manifestação pacífica por parte dos indígenas Guarani Mbya teve início com a ocupação da rodovia Bandeirantes e a entoação de cantos sagrados do povo. Inicialmente, a cerimônia estava planejada para se estender até a Marginal Tietê, em São Paulo. Antes do ato, líderes indígenas dialogaram com a Polícia Militar presente e, após chegarem a acordos, ocuparam a via. Durante toda a manifestação, foi garantida a passagem de veículos de emergência, como motos, ambulâncias e carros particulares que transportavam pessoas em situação de vulnerabilidade de saúde.
Pouco antes do início da ação violenta, a Polícia solicitou a liberação de uma faixa da via, e posteriormente, de uma segunda faixa. A organização do ato acatou ambos os pedidos. No entanto, sem qualquer justificativa para a abordagem violenta, a Polícia Militar desconsiderou o acordo estabelecido e iniciou uma operação do batalhão de choque, utilizando jatos de água para dispersar os manifestantes. Em seguida, foram lançadas bombas de efeito moral e tiros de balas de borracha de viaturas, viadutos e helicópteros.
Há relatos de perseguição por parte da Polícia Militar aos manifestantes, mesmo após a desobstrução total da rodovia. A Polícia continuou a acompanhar os manifestantes, ameaçando-os e fazendo sobrevoos rasantes de helicóptero até a entrada da aldeia. Bombas de gás foram lançadas por cima do muro, próximo a uma escola infantil na aldeia, resultando em relatos de desmaios, vômitos e pessoas feridas por estilhaços de bombas e balas de borracha.
Desde a repressão à manifestação, viaturas da Polícia Militar permanecem estacionadas nas proximidades e entradas das aldeias, abordando moradores, apoiadores e jornalistas. Além disso, durante a madrugada do dia 31 de maio, uma viatura da Polícia Militar teria adentrado a aldeia sem apresentar mandado judicial, justificando sua ação como "preventiva".
A ação policial violenta desconsiderou o fato de que a Constituição Federal, em seu artigo 231, reconhece aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, enfatizando a responsabilidade da União para proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Além disso, ignorou os padrões internacionais de direitos humanos que concebem o direito de protesto e manifestação como um desdobramento dos direitos à liberdade de expressão e à liberdade de associação e reunião pacífica, reconhecendo o papel positivo de protestos no fortalecimento dos direitos humanos e da democracia, também assegurados pelo artigo 5º, incisos IV, XVI e XVII da Constituição Federal.
Como consequência, o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (NCDH) encaminhou ofício ao Governador do estado destacando a competência constitucional exclusiva da Polícia Federal para entrar em território indígena, além de ressaltar que qualquer contato com os indígenas deve ser realizado com a mediação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Assessoria de Comunicação/Funai